Faz hoje um ano e três meses que minha filha Raquel partiu para a Vida Eterna, no Reino de Deus. Que este poema abaixo, composto num momento de dor, seja para ela, "in memoriam", uma singela homenagem de sua filha Isabela, de seus irmãos Carlos, Júlio e Aroldo Jr., e de seus chorosos pais.
"....e foi assim
que naquela madrugada de um agosto frio
a alma vibrante da Raquel
aprumou-se ereta
colocou-se no ponto de extrema tensão
do arco de sua vida
mirou com mil cuidados o seu alvo
e flechou verticalmente o céu
em busca do Infinito."
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segunda-feira, 21 de novembro de 2011
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
MINHA ALEGRIA TERRESTRE, ONDE É QUE TU TE ESCONDES?
Para que homem e mulher pudessem refletir a alegria divina no recôndito espelho de sua alma, Deus os criou à sua imagem e semelhança. E criou-lhes também, com mãos divinas, a sua alegria terrestre. É o que nos testifica o Gênesis: - "Javé tomou o homem e o colocou no jardim do Éden. E fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim... Depois Javé modelou a mulher e a entregou ao homem para que ela fosse a sua alegria."
E o homem exclamou: - "Esta sim, é osso de meus ossos, e carne de minha carne."
E Deus disse em Seu coração: -"Enquanto durar a Terra, não hão de faltar-lhe semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite."
E Deus viu que tudo era bom.
Alegria e belezas da Terra cantadas pelos santos, por exemplo, São João da Cruz: -"Mil graças derramando, (Deus) passou por estes campos com presteza e, enquanto os ia olhando, só com Sua figura a todos revestiu de formosura."
Belezas dos astros e dos céus, lembra-nos o Eclesiástico: -"O sol, em espetáculo, proclama no seu surgir: Quão admirável é a obra do Altíssimo!"
Beleza do mundo, fonte eterna da alegria, cantam também os profetas profanos, nas palavras de Keats nas suas "Odes": -"Uma migalha de beleza provoca uma alegria eterna..."
E os astros lhe fazem eco pelos lábios do profeta Baruc: -"Brilham em seus postos as estrelas palpitantes de alegria. O Criador as chama e elas respondem: Aqui estamos! - cintilando com alegria para Aquele que as fez."
O esplendor da beleza divina esparrama-se pela criação inteira, proclama ainda o Livro Santo:
-"Quão belas e desejosas são as suas obras! Até a menor centelha que se possa contemplar!"
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É entre dores que Eva dá à luz seu filho primogênito, Caim. Não obstante, o grito por ela lançado aos céus é um grito de triunfo, saudando uma vida que acaba de nascer: -"Eis que eu ganhei um homem com a ajuda de Javé!"
Entre este primeiro "Magnificat" e o segundo, do Novo Testamento, entre a aurora ainda vacilante e o dia sem declinio, entre Eva e Maria, existe toda uma humanidade que se sustém entre estas duas mulheres, inclusive na sua busca da alegria. Mas a mulher exultante, que não cessa de acalentar seus filhos de todos os tempos e raças, Maria de Nazaré, em quem a Alegria fez Sua morada para que se cumprissem as promessas de salvação, não pode deixar que nos esqueçamos de Eva, a mãe primeira de todos os viventes.
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Disse Javé a Abraão nas planícies da Mesopotâmia: -"Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz. Assim será a tua descendência."
A fecundidade será sempre, para homens e mulheres, sinal da benevolência divina. Com efeito, já que na perspectiva bíblica Javé é o senhor do céu e da terra, diz-nos o Deuteronômio: -"O Senhor te concederá fartura de bens com o fruto de tuas entranhas, o fruto do gado, o fruto da terra... O Senhor abrirá Seu tesouro de bênçãos, abençoando todo o trabalho de tuas mãos."
Deus fará destas alegrias terrestres Sua paternal resposta à nossa fidelidade a Ele e às Suas leis:
-"Obedecei aos meus mandamentos, para que sejais felizes para sempre, vós e vossos filhos."
E mais: para poderem usufruir plenamente destas alegrias terrestres a eles dadas por Deus, deverão, antes de tudo, com um coração de filhos, prosternar-se diante de Deus e render-lhe graças em todo tempo e lugar: -"Javé nos introduziu neste lugar, dando-nos esta terra onde corre leite e mel. Agora, pois, trago os primeiros frutos que tu me deste, Senhor. (...) E depois de depositar os frutos de teu trabalho diante do Senhor teu Deus, te alegrarás por todos os bens que Ele te deu."
Em síntese, homem e mulher israelitas sempre esperaram que a sua fidelidade a Deus lhes assegurasse os bens e as alegrias terrestres. Neste sentido, o dom da terra era uma prova do amor especial que Javé cultivava pelo povo de Israel. A fertilidade da terra era, em si mesma, um sinal de predestinação. Para que essas condições favoráveis fossem mantidas, Israel tinha de viver a sua vida conforme as determinações e os mandamentos de Javé. Entretanto, sobrevindo o pecado pelo mau uso da liberdade, quantos deles jamais conheceram celeiros repletos, rebanhos incontáveis, adegas borbulhando de vinhos! Para quantos deles esta vida não passou de um incessante e penoso combate! Para quantos a miséria e o abandono não lhes permitiram nem um vislumbre das belezas do mundo!
Será que as bênçãos terrestres prometidas pelos Livras Sagrados não passavam de uma cruel ironia?
Minha alegria terrestre, onde é que tu te escondes? Estarei condenado a morrer sem jamais ter-te encontrado?
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Este gemido que vem de longe, expresso por boca humana, parece ser uma dor primeira, que remonta às origens e à finitude e contingência do mundo. Não um gemido genérico do ser vivo e sensível, não o gemido do animal ferido que sente a terra entreabrir-se para devorá-lo, mas o gemido existencial humano, isto é, o gemido da alma erguida que clama por explicações para a sua alegria prometida, mas que vê frustrada. Vem de todos os cantos do mundo, século após século, esse longo gemido emendado, continuado, transmitido por todos os povos como uma tradição de amargura.
O povo de Israel, objeto das promessas mais solenes de Deus, faz chegar até nós, através dos livros Sagrados, os ecos pungentes deste clamor secular. A recordação da Aliança, a esperança da Promessa sempre renovada não parecem suficientes para explicar a nostalgia de uma alegria que, aparentemente se foi e parece não mais retornar. Para que a fome e a sede dessa alegria permanecessem em Israel, é preciso que suas raízes tenham sido mergulhadas no mais profundo de sua miséria, jorrassem do âmago do seu pecado, na voz lancinante de seus profetas.
Pecador, o povo do Antigo Testamento, mais do que qualquer outro povo, foi favorecido pela eleição e pelos dons divinos. Povo de dura cerviz, continuamente infiel a seu Deus pela prática da idolatria, a alegria de sentir-se eleito, entretanto, não o abandona mesmo nos mais atrozes castigos que o visitam, porque homem e mulher do Antigo Testamento têm uma intuição tão viva da majestade de Deus e do nada de Sua criatura, que um senso agudo da misericórdia divina está sempre palpitando em sua alma. Mesmo na mais profunda abjeção do pecado, encontram eles o seu Deus, como nos diz o Livo da Sabedoria: -"Ainda quando pecamos, nós somos teus."
Imersos em obsedante miséria, seja na ocupação de suas terras pelo inimigo externo, seja nas agruras do exílio, nunca lhes falta a esperança: - "Do mais profundo abismo, eu clamo a ti, Senhor!"
As grandes almas deste povo singular vibram, sabendo que é de Deus que lhe advém o castigo e o perdão: -"Fazei-me ouvir palavras de alegria e de júbilo, e exultem os meus ossos que Vós quebrastes."
Mesmo quando gemem sob o peso da mão que os castiga, ainda assim celebram Aquele cuja alegria é fazer o bem. Aquele que prefere a misericórdia à justiça. Nada poderá afastar de sua alegria este homem e esta mulher, ainda que enredados no pecado e na miséria. Essa alegria continua viva no fundo dos corações, e tanto mais intensa e profunda quanto indestrutível, pois fundada sobre o Deus eterno, que não decepciona nunca, pois é um Deus fiel. É o que nos testemunha a intensa poesia dos salmos: -"Por que estás triste, minha alma? Por que gemes dentro de mim? Espera em Deus, ainda poderei louvá-lo, a Ele que é o meu júbilo, a minha alegria"!
O que faz do Antigo Testamento, em todas as suas páginas, um hino à alegria, é que ele, antes de tudo, é um testemunho de amor. O amor gratuito e incondicional do seu Deus. E nada impede que a experiência deste amor dasabroche na alegria. O próprio sofrimento quase sempre tem muito a ver com este amor, o combustível de que se nutre e de que se refrigera a alma.
Feliz o homem e feliz a mulher que descobrirem esta divina fonte da alegria. Para além dos manjares terrestres, não dando ouvidos senão à voz que lhe fala ao coração, ultrapassando fortalezas e fronteiras, vencendo as provações dos desertos, eles conseguirão enfim saciar sua sede nas torrentes das delícias divinas. Então seu cântico de louvor se elevará mais puro, sua alegria se tornará verdadeira, a única e indefectível alegria sob o poder do Senhor, na confissão do profeta Jeremias: - "Tu me seduziste, Javé, e eu me deixei seduzir. Foste tu mais forte do que eu, e me subjugaste!"
E a Mulher do Apocalipse, chamada causa nostrae laetitiae - causa da nossa alegria - nos oferece esta Alegria divina, vinda por meio dela ao mundo.
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Chegou, portanto,a plenitude dos tempos de que nos fala o apóstolo Paulo, e é tempo de ouvir Jesus de Nazaré: -"Vosso pai Abraão exultou por ver o meu dia. Ele viu e se alegrou... Em verdade, eu vos digo: Antes que Abraão existisse, eu sou."
É tempo de recordar também a profunda intuição de Pascal: -"Deus de Abraão, Deus de Jesus Cristo! Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria!
A intensa e ansiosa expectativa dos profetas de Israel cumpre-se integralmente em Jesus de Nazaré, o Redentor, o rosto humano de Deus, que foi sempre o lugar divino de nossa alegria terrestre, e continuará a sê-lo por toda a eternidade. Figurado, pressentido, anunciado e esperado, Ele trabalha, provoca, leva consolo e esperança ao coração de homem e mulher do Antigo Testamento, para que, na plenitude dos tempos, Sua face se desvele. Sua presença se faça cada vez mais viva e atuante entre homens e mulheres de boa vontade de todos os tempos e lugares.
Seu reinado nos corações será triunfante, Sua palavra iluminará os espíritos e nos delineará os caminhos da salvação. Sua vida, sua mensagem, sua morte e ressurreição redimirão o mundo do pecado e nos revelarão o amor incondicional do Pai. E a humanidade inteira compreenderá que a vinda do Filho do Homem, que em sua fé o resto de Israel já pressentia e nele encontrava sua alegria, será para nós, na Esperança e no Amor que nos anima, as primícias da Vida Eterna, que é a Alegria que nunca falha.
Minha alegria terrestre, onde é que tu te escondes?
E responde-nos o profeta Isaías: -"Vós todos que tendes sede, vinde às fontes e bebei."
As fontes da alegria! Elas jorram sem cessar do alto da Cruz, de um coração de carne, do coração aberto e transpassado de um Deus que quis morrer para nos dar a Sua própria e eterna Alegria!
E a Mulher do Apocalipse, chamada causa nostrae laetitiae - causa da nossa alegria - nos oferece esta Alegria divina, vinda por meio dela ao mundo.
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Chegou, portanto,a plenitude dos tempos de que nos fala o apóstolo Paulo, e é tempo de ouvir Jesus de Nazaré: -"Vosso pai Abraão exultou por ver o meu dia. Ele viu e se alegrou... Em verdade, eu vos digo: Antes que Abraão existisse, eu sou."
É tempo de recordar também a profunda intuição de Pascal: -"Deus de Abraão, Deus de Jesus Cristo! Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria!
A intensa e ansiosa expectativa dos profetas de Israel cumpre-se integralmente em Jesus de Nazaré, o Redentor, o rosto humano de Deus, que foi sempre o lugar divino de nossa alegria terrestre, e continuará a sê-lo por toda a eternidade. Figurado, pressentido, anunciado e esperado, Ele trabalha, provoca, leva consolo e esperança ao coração de homem e mulher do Antigo Testamento, para que, na plenitude dos tempos, Sua face se desvele. Sua presença se faça cada vez mais viva e atuante entre homens e mulheres de boa vontade de todos os tempos e lugares.
Seu reinado nos corações será triunfante, Sua palavra iluminará os espíritos e nos delineará os caminhos da salvação. Sua vida, sua mensagem, sua morte e ressurreição redimirão o mundo do pecado e nos revelarão o amor incondicional do Pai. E a humanidade inteira compreenderá que a vinda do Filho do Homem, que em sua fé o resto de Israel já pressentia e nele encontrava sua alegria, será para nós, na Esperança e no Amor que nos anima, as primícias da Vida Eterna, que é a Alegria que nunca falha.
Minha alegria terrestre, onde é que tu te escondes?
E responde-nos o profeta Isaías: -"Vós todos que tendes sede, vinde às fontes e bebei."
As fontes da alegria! Elas jorram sem cessar do alto da Cruz, de um coração de carne, do coração aberto e transpassado de um Deus que quis morrer para nos dar a Sua própria e eterna Alegria!
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
A ESPERANÇA CRISTÃ, UMA UTOPIA?
O ensaísta francês e poeta da Esperança e da Ressurreição, Charles Péguy, não foi um "Padre da Igreja", mas é um irmão nosso que nos responde toda vez que o interrogamos. Sua esperança na ressurreição é um eco do canto muitas vezes de juventude ou de dor sob o qual transcorre a vida de homem e de mulher neste mundo. É dele uma frase que encontrei em seu livro "Le Mystère des Saints Innocents", que faço questão que seja a inspiradora desta minha página:
- "É necessário fazer uma revolução temporal para a salvação eterna da humanidade."
Sei de alguém que disse não ser possível que deixemos homens e mulheres no inferno da miséria. Que é preciso fazê-los transpor o limiar que os separa da pobreza, que é em si mesma um purgatório. É ainda muito conveniente e salutar que os cristãos abramos de vez em quando a Bíblia, pois o nosso roteiro de ação está lá bem claro e límpido para todos que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir:
- "Eu era um mendigo e vós me acolhestes; eu tinha fome e vós me destes de comer; eu estava nu e vós me vestistes - proclamava o Senhor Jesus. - "Aquilo que fizestes ao mais pequenino dos meus, é a mim mesmo que o fizestes."
- "Aquele que diz amar a Deus - escreve por sua vez o evangelista João - e não ama seu irmão, é um mentiroso, porque como pode dizer que ama a Deus, a quem não vê, se não ama seu irmão, a quem vê?"
Estas palavras são de uma simplicidade esmagadora. Impossível pretender furtar-se ou mostrar-se indiferente a elas.
O teólogo belga, cardeal da Igreja, perito do Concílio Vaticano II e um dos redatores da Constituição Apostólica desse mesmo Concílio, a "Gaudium et Spes", Charles Moeller, em sua monumental obra em três volumes, "Literatura do Século Vinte e Cristianismo", lembra-nos que à medida que as aspirações de homens e de mulheres se dilatam, é certo que também se revelará com mais amplidão a fecundidade social da Boa Nova pregada por Jesus de Nazaré em suas caminhadas pelas aldeias da Palestina.
Com efeito, a Caridade, virtude teologal que em todos os tempos suscitou hospitais, leprosários, orfanatos, albergues para peregrinos, mil e uma modalidades de obras de misericórdia, pode também hoje ter a lucidez e a coragem de descer à principal raíz dos males e misérias do mundo: as injustiças generalizadas a nível planetário, as estruturas sociais viciadas, inadequadas e quase sempre corroídas internamente pela corrupção, as instituições e organismos políticos e judiciários consciente ou inconscientemente colocados a serviço de grupos e facções em detrimento de uma dedicação total, racional e planificada, ao Bem Comum dos países de todos os continentes.
O cristão deve estar presente em todos os esforços da cidade temporal, quando ela procura edificar um mundo mais humano. Não pode jamais conformar-se com o sofrimento nem próprio, nem dos outros. Ele sabe, melhor do que ninguém, que a causa fundamental do sofrimento no universo, além da finitude e da contingência essencial do homem e da mulher, é o pecado. Não apenas o primeiro pecado que se atribui a Adão e a Eva, mas os seus próprios pecados e os pecados de seus irmãos.
É o pecado social, muito mais perverso do que o pecado pessoal, e que consiste na organização de uma sociedade ou cultura em que um ou mais grupos de pessoas são sistematicamente excluídos, oprimidos ou violados em sua humanidade. Tal situação é má porque diminui ou destrói o ser humano em comparação com o valor intrínseco e inviolável da pessoa humana. É pecado porque sabemos que, em última análise, a organização da sociedade depende da liberdade humana e pode ser alterada positiva ou negativamente. Em outras palavras, os seres humanos são responsáveis por essa situação. Mas tal responsabilidade é precisamente social, e não individual. Daí, o pecado social.
O cristão consciente sabe que as guerras, as revoluções, os levantes, as revoltas dos povos assim ditos crucificados, provêm dos pecados coletivos das nações: regiões onde reina uma espécie de feudalismo, comandado por tiranias oligárquicas, que dá a alguns ricos a posse de imensos territórios e benesses indevidas, são terras seguramente de injustiça e de pecado que clama aos céus.
Neste contexto a Teologia da Libertação, em muito má hora condenada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, (hoje Papa Bento XVI), nos advertia de que a afirmação teologicamente correta de que o pecado deu a morte ao Filho de Deus, Jesus de Nazaré, é vivenciada a partir da experiência de que o pecado continua dando a morte também aos filhos adotivos de Deus, os povos oprimidos pela dor da fome e da exclusão social.
Viver como cristão significa descobrir a plenitude da realidade do mundo a partir da realidade divina. Pela encarnação do Verbo, a realidade divina entrou na realidade humana, dando-lhe assim sua plena significação. O mundo foi reconciliado em Cristo e existe uma aliança divina entre Deus e a humanidade. Por isso, não é possível ser autêntico discípulo de Cristo fora da realidade do mundo. É o que nos ensina o teólogo Dietrich Bonhoeffer em seu belo livro "O Discipulado".
Por conseguinte, quando os cristãos corajosamente fizerem uma política cristã, os revolucionários, como Fidel Castro, por exemplo, já não terão razões de serem marxistas e ateus. Aliás, entre os cristãos fala-se muito em vida futura. Sem dúvida, a vida futura é, para os cristãos, o Reino de Deus, como lhes ensina a Bíblia. Mas os cristãos devem renunciar urgentemente a um certo resquício de idealismo platônico que faz da religião uma evasão, uma fuga do mundo, um álibi para os exploradores e opressores de todos os matizes.
Comecei estas linhas com um pensamento de Charles Péguy. E a encerro com o mesmo pensamento, afirmando que aquela revolução temporal para a salvação eterna de que ele fala, deve realizar-se simultaneamente com os esforços de santificação no plano pessoal e no plano das estruturas sociais, econômicas, políticas e judiciárias.
sábado, 5 de novembro de 2011
CRISTÃOS, CO-CRIADORES COM DEUS
Os cristãos, porque co-criadores com Deus, devem estar presentes na primeira fila na luta pela justiça social, política e econômica, na luta contra o racismo e a intolerância, como também na luta à idolatria que faz da Nação ou do Estado uma divindade todo poderosa, na luta contra a tirania do consumismo e dessa ambígua globalização que vai aos poucos nos sufocando pela tirania exacerbada do mercado.
Argumenta-se, em contrário, com o Céu, mas o Céu não está em outra parte, fora da esfera humana. Ele começa misteriosamente neste mundo, por obra do Espírito Santo. Se o Reino ou Reinado de Deus não é deste mundo, como nos ensinam os Evangelhos, ele começa neste mundo, e estes começos serão recolhidos, purificados, transfigurados no novo Céu e na nova Terra, de que nos fala o livro do Apocalipse.
É preciso que os cristãos de boa têmpera se compenetrem de sua imensa responsabilidade diante das injustiças estruturais, sociais, da nefasta corrupção nos estamentos políticos e públicos, principalmente nos países da fome e dos que buscam o desenvolvimento dentre os do Terceiro Mundo nos quais, sem nenhuma dúvida, há cruzes, não só individuais, mas coletivas. E o amor ao próximo, pregado por Jesus de Nazaré, obriga-nos a envidar todos os esforços para fazer descer da cruz os povos crucificados, essa impressionante imagem criada por Ignácio Ellecuria, sacerdote assassinado em El Salvador (1989), na sua obra Bajar de la cruz al pueblo crucificado.
Somos confrontados pela Esperança, mas sabemos perfeitamente que a Esperança não se realiza em plenitude senão no mundo futuro e transcendente. Mas sabemos também, e este é o ponto importante, que ela manifesta desde já sua eficácia: é uma força imensa no mundo, é um fermento que o faz levedar, é um sal que dá sentido e sabor ao esforço humano de libertação, ao empenho temporal pela justiça e pela fraternidade universal. Não é alienação nem é álibi. Não existem duas esperanças: uma terrena e outra celeste; a esperança é uma só: diz respeito à realidade futura, mas através do empenho cristão ela se antecipa na realidade terrestre.
Conscientizemo-nos então de que a História não é só negatividade. Existe uma corrente de esperança na história da humanidade que ninguém consegue silenciar. E desta mesma realidade surge um clamor que não pode ser abafado. Em linguagem paulina, a criação inteira geme e sofre as dores do parto, clamando por libertação. Daí, a exigência de uma esperança ativa, que se concretize no amor eficaz e que ajude a realidade a ser o que deseja. Amor e esperança constituem os dois aspectos dessa mesma realidade.
É certo que homem e mulher poluíram de fato a Terra, mas não é fugindo dela que os santos obtiveram a sua glória. É preciso cultivar os campos desta Terra no tempo em que se vive, se um dia queremos reinar sobre os campos eternos.
A Esperança cristã, vivida integralmente, longe de sugerir demissão e evasão frente às tarefas terrestres do homem e da mulher, ajuda os que creem a assumir suas responsabilidades na conquista dos objetivos que se impõem à consciência moderna. Para que isto se concretize, é necessário então que a santidade se encarne nas estruturas temporais. E aqui principia o drama: sabemos que a Igreja de Cristo é santa na sua estrutura divina, mas é também humana, porque está nas mãos de homens e de mulheres que precisam ser diariamente resgatados de seus pecados, conforme o Concílio Vaticano II. Embora transcendente no tempo pela sua essencial mensagem de salvação, a Igreja deve também esforçar-se por cristianizar as formas sucessivas que revestem as sociedades humanas, num fecundo processo de inculturação e de aggiornamento, nas palavras do saudoso Papa João XXIII, ao lado de absoluto respeito às suas tradições seculares.
- "A Igreja de hoje deve converter-se aos pobres!"- conclamou o Patriarca de Alexandria, Máximos IV, aos bispos de todo o Oriente, em Jerusalém.
- "A grande desgraça da Igreja no século XIX foi ter perdido a classe operária", - lamentava o Papa Pio XI.
- "A Igreja pode vir a perder a América Latina!" - alertou certa vez o Papa Paulo VI, diante da estranha proliferação de seitas neopentecostais e milagreiras.
- "A Igreja precisa calejar as mãos!" - proclamou há tempos o padre-operário francês, Henri Huidobro, numa conferência a sindicalistas em São Paulo.
E o grande teólogo belga e perito do Concílio Vaticano II, Charles Moeller, foi ainda mais longe: "A Igreja deve sujar as mãos!" - proclamou ele corajosamente numa alusão ao filósofo francês ateu, o existencialista Jean Paul Sartre, com sua obra "Les Mains Sales" - As Mãos Sujas".
Fazendo eco a estes pungentes clamores de aggiornamento, Dorothy Day, ex-anarquista e posteriormente líder católica norte-americana, acrescenta: - "Onde estão os santos, para tentarem modificar a ordem social, e não apenas ministrar socorro aos escravos, mas acabar com a escravidão?" (em seu livro A Longa Solidão).
O que os angustiados filhos de nosso século pedem aos cristãos de todas as denominações é uma presença leal nos esforços sociais e políticos. Uma colaboração efetiva com todos os esforços em busca da justiça social neste mundo, eis aí o dever concreto dos cristãos de hoje.
O testemunho de uma Igreja dos pobres para ser a Igreja de todos, como sonhava o Papa João XXIII, constitui hoje, mais do que nunca, o critério da universalidade e da credibilidade do Cristianismo. Por isso os cristãos devem tomar consciência de que eles têm também encontros na Terra. Sou mesmo tantado a dizer que os seus únicos encontros são aqui, porque é no amor aos homens e mulheres daqui, que eles, os cristãos, iniciam a prática do amor de Deus.
- "Ora et labora!" - reza e trabalha - ensinou-nos o monge São Bento. É preciso então lutar, como se tudo dependesse de nós, e ao mesmo tampo cair de joelhos, como se tudo dependesse de Deus.
Nesta mesma linha de pensamento, podemos refletir nas sábias palavras que a tradição oral atribui a Santo Inácio de Loiola: - "Confia em Deus como se o resultado dependesse todo dEle e nada de ti; mas aplica todo o teu esforço como se devesses fazer tudo, e Deus nada."
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
AINDA OS DEMÔNIOS
Após a publicação neste "bloq" do texto "Antes que os demônios voltem" recebi vários emails, principalmente de evangélicos, me contestando e me acusando de publicar "sandices". Apenas um, o pastor Josias Pereira de Assis, é que teve palavras mais condizentes com a seriedade do assunto e que me contestou, mas sincera e lealmente. Em resposta a ele publiquei o texto abaixo:
Prezado pastor Josias:
Muito grato pelos seus comentários sobre o meu texto relacionado a demônios. Apesar de não ser teólogo de profissão, tenho acompanhado com diligência o movimento teológico moderno, com os grandes nomes da teologia atual, tanto católicos como protestantes: Pannenberg, Schillebeeckx, Moltmann, Bonhoeffer, Rahner, Ducquoc, Troisfontaines, Queiruga, Leonardo Boff, Libânio, Fiorenza, I.L.Segundo, Haag, Küng, Congar e muitos outros, e a tendência geral entre eles é expurgar a teologia cristã, e principalmente o estudo da Sagrada Escritura, de todo resquício de fundamentalismo, muito atuante ainda em vários setores do catolicismo e do segmento evangélico.
Há muita coisa no Cristianismo que precisa urgentemente de uma mudança de paradigma. Um dos objetivos dessa mudança de paradigma, aliás, já iniciada pelo Concílio Vaticano II, mas não levada à frente em toda a sua amplidão, contrariando os desejos dos Padres Conciliares, seria uma leitura mais crítica dos textos sagrados, com a finalidade de extirpar deles uma série de crenças (ou de crendices) que vêm passando de geração em geração, sem serem submetidas a uma avaliação crítica, exegética e hermenêutica mais racional, e mais de acordo com a evolução dos tempos e de mentalidade.
Eu expus minhas razões para não aceitar a existência e a ação entre nós de satanás, diabo e demônios que, para mim e para os mais gabaritados teólogos da atualidade, não passa de uma leitura fundamentalista da Bíblia, aceitando tudo que está nela como absoluta palavra de Deus. Uma leitura atenta da Bíblia nos atesta que há nela muitíssimas coisas que não partem de Deus, mas dos próprios autores bíblicos, segundo seus parcos conhecimentos gerais, sua ignorância de muitos arcanos da natureza e do interior humano. Refletem os conhecimentos e tabus de uma determinada situação histórica e, mesmo inspirados por Deus a escrever, eles o faziam dentro de seus próprios conhecimentos e condicionamentos, ignorância de determinados assuntos, utilizando as precárias ferramentas de que dispunham. A Bíblia não caiu do céu como um meteorito, já pronta, e nem foi um DITADO de Deus aos hagiógrafos, como ainda pensam muitas pessoas desavisadas.
Portanto, muita coisa que não conseguiam explicar, eles as atribuíam a Deus, como a ordem de exterminar povos inteiros a ferro e fogo, sem atentar para crianças, idosos, mulheres, enfermos, jovens, passando todos ao fio da espada, incendiando povoações inteiras, como se fossem ordens de Deus. Os livros de Josué, dos Juízes, de Samuel, dos Reis, das Crônicas, estão cheios de barbaridades tanto ou mais piores do que as perpetradas por Hitler e Stalin, como testemunhamos em nossos tempos.
Só aos poucos, paulatinamente, é que a mentalidade dos escritores sagrados se foi purificando, até chegarem a vislumbrar a verdadeira face de Deus, a nós desvelada por Jesus de Nazaré: o Abbá, Deus Pai/Mãe, até o "Deus é Amor", na grandiosa intuição do apóstolo João na sua primeira Carta.
Em um ponto de seu comentário Você fala do poder absoluto de Deus, que criou o próprio mal,e Você cita em seu abono o profeta Isaías. Vamos ser razoáveis: o poder, a onipotência de Deus não é simplesmente absoluta. Deus não pode criar coisas absurdas, que contradizem sua vontade salvífica universal, como o mal por exemplo, que Isaías atribui a Deus; e absurdos que contradizem também a razão e o bom senso. Me diga: Deus pode criar um círculo quadrado? Deus pode criar uma pedra tão grande e pesada que Ele mesmo não pudesse levantar?
O paralelismo que Você propõe entre um pretenso reino de satanás e o Reino de Deus, além de blasfemo, vai contra a própria onipotência divina. É fruto de um dualismo maniqueísta que vem desde os primórdios do pensamento humano que, não sabendo explicar a existência do mal físico e moral (o pecado) no mundo, personalizou o mal em seres que seriam os verdadeiros fautores do mal, como os demônios, salvaguardando assim a transcendência e a bondade de Deus. Além de satanás, Você cita belial, lúcifer, diabo, além de uma infinidade de demônios que circulam por aí, atormentando os pobres seres humanos... O verdadeiro Cristianismo não precisa de nada disso. Basta-lhe a Providência Divina, o amor de Deus, a Sua Graça, Jesus Cristo e a Sua mensagem de salvação pela sua morte e ressurreição, a assistência do Espírito Santo, referendados por uma leitura consciente e racional dos textos sagrados, conservados e explicados pela Sua Igreja. Tudo o mais são realidades marginais que mais deturpam do que engrandecem o Cristianismo.
Ao fim do seu comentário, Você me pergunta: se Deus não criou o diabo, quem então o criou? Eu lhe respondo que o problema só existe para quem acredita na existência do diabo e sua ação entre os humanos. Diabo para mim não existe. É um mito, criado em primitivas eras, para explicar a presença do mal no mundo, como já disse linhas acima. Uma explicação, por sinal, muito deficiente, diante da face autêntica de Deus, o anti-mal por excelência, conforme nos revelou Jesus de Nazaré.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
MEUS DOIS AMORES - (In memoriam)
Darcy minha irmã
Quarenta e quatro anos
Raquel minha filha
Quarenta e três anos
Ambas meus dois amores
Morte e vida
Severina
Ambas na minha saudade
Darcy
Numa mesa de cirurgia plástica
Procurava mais vida
Mas procurando mais vida
Na vida encontrou a morte
Raquel
Num leito de dores
No hospital a sofrer
Lutava contra a morte
Mas lutando contra a morte
Na morte
Encontrou a Vida Eterna
Morte e vida severina
Unidas na lembrança e na saudade
Darcy e Raquel
Meus dois amores
Unidas na vida e na morte
Unidas também na lembrança e na saudade
Quem procurava mais vida
Na vida encontrou a morte
Quem lutava contra a morte
Na morte encontrou a Vida
Descansem na paz do Senhor
Na casa do Pai
Ambas meus dois amores
Darcy e Raquel
Do Pai que as libertou
Do Pai que as libertou
Desta vida severina
Descansem na paz do Senhor
No Pai de todas as vidas
Oh! que vida severina!...
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