domingo, 28 de agosto de 2016

A Graça, presença de Deus em nós

            Li em algum lugar, não me lembro onde, - por isso a  passo à frente pelo preço que me custou -  a estória de um homem (não seria eu?) que julgava poder tudo neste nosso mundo. Aliás, era assim que o apelidavam, os que simplesmente o conheciam bem:  "o homem-que-podia-tudo".
            Certo dia, veio-lhe à mente a percepção de que, mesmo sentado na sua poltrona favorita, não estava absolutamente parado: como aprendera na escola, ele e o mundo estavam girando a uma velocidade de 1.700 km horários, pois esta é a velocidade da Terra ao redor de seu próprio eixo. Pensando nisso, aborreceu-se deste planeta que o arrastava irresistivelmente consigo.
            Como  era "o homem-que-podia-tudo", decidiu transferir-se para fora de nosso sistema solar. Demandou outras paragens cósmicas. E foi tão longe e tão tranquilo que pouco lhe importava saber em que sistema se situava. Pelo menos estava fora das frenéticas velocidades do sistema solar.
             Topou, por acaso, com um dado que lhe roubou totalmente a tranquilidade encontrada. Estava, efetivamente, girando a uma velocidade louca: 2.172.000  km horários, acompanhando a nossa galáxia numa viagem em torno do centro de um conglomerado de 2.500 galáxias vizinhas.
              O "homem-que-podia-tudo", de repente, intuiu que não podia mais. Era levado por algo maior que o envolvia. Buscar a tranquilidade significava perdê-la.
              Renunciou ao seu nome e a suas pretensões. Regressou humildemente à sua Terra e, uma vez na Terra, à sua casa. Sentou-se tranquilamente na sua poltrona favorita e aprendeu a contemplar a tranquilidade de todas as coisas que, apesar de todas as velocidades a que estavam acometidas, não se alvoroçavam nem se enfureciam. Estavam sempre como que paradas na serena tranquilidade e na tranquila serenidade de uma natureza morta. Acolher a fuga era encontrar a tranquilidade. Era encontrar a graça de todas as coisas.
                                                       
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            Terminada a leitura da estranha estória, veio-me à mente algo que me deixou um tanto quanto admirado: era domingo, eu fora à Missa e o celebrante em sua homilia falara da Graça de Deus. Não seria  a Graça algo parecido com o que sentira aquele homem?  Ela tudo penetra, tudo envolve. Acolhê-la é agraciar-se; fugir é prejudicar-se sem conseguir apartar-se de Sua presença. Ela não se modifica na Sua gratuidade. Só homem e mulher se modificam; só eles se modificam; só eles podem ser graça e desgraça. A Graça, porém, é só Graça. E, pela misericórdia de Deus, de graça!

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Aroldo Teixeira de Almeida, oitenta anos bem vividos, é bacharel em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista, e professor aposentado de Língua Portuguesa e Francesa.


             

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A SALVAÇÃO COMO DADO OBJETIVO


            É conhecida a anedota daqueles que devem escrever uma dissertação sobre o camelo. O alemão, dizem as más línguas, distingue o camelo "objetivo" e o camelo "subjetivo". Não sou alemão, mas neste meu blog de hoje vou retomar essa divisão.
            Do ponto de vista objetivo, homem e mulher são distinguidos por três aspectos da "salvação":
a justiça, a vida e o amor, e, enfim, a consciência da responsabilidade, que pode determinar até mesmo o sentimento da culpabilidade.
            Do ponto de vista objetivo, homem e mulher são abrangidos por três aspectos da "salvação":
a Justiça, a Vida e o Amor e, enfim, a consciência da "Responsabilidade", que  pode determinar até mesmo o sentimento de "Culpabilidade
            Do ponto de vista subjetivo, a noção de salvação, tal como eu a vejo, ao tentar deslindar  meu tão vasto problema, implica num dom que somente Deus pode conceder. É uma Graça, um apelo a que homem e mulher respondem; a resposta se faz na Graça, por ela e com ela. Mas, para homem e mulher modernos, qualquer aceitação me parece problemática, pois ambos  são "seres que se devem fazer", que devem agir, transformar o mundo "criando valores".

            JUSTIÇA

            Antes de tudo, a salvação é Justiça. Dentre três homens e mulheres, dois não dispõem do mínimo necessário à vida, neste nosso mundo. Muitos cristãos me parecem ter a impressão de que Deus é 'ineficaz'. A salvação realiza a Justiça terrestre. É verdade que o Reino de Deus, como aprendi na Teologia, não é deste mundo, mas ele  deve "começar neste mundo".
            Todos os que levaram a sério a Graça e o Amor de Deus  e dos homens e mulheres realizaram na Terra um começo desta Justiça, que é um dos atributos de Deus na Bíblia Sagrada.
             Lendo a vida dos santos, descobri que São Vicente de Paulo, São João Bosco, Santa Catarina de Gênova, encontraram soluções onde homem e mulher haviam desanimados. Representam eles a Esperança concretamente vivida. Mas, ao que me parece, esta Justiça realizada pelos santos, por lhe faltar institucionalização, não  conseguiu fazer nada, uma onda alta que transformasse as estruturas econômicas e sociais, políticas e culturais de uma sociedade.
             A Igreja deseja que o laicato anime cristãmente as estruturas temporais. Importa que os cristãos, de preferência leigos, participem desta missão , para tornarem conhecida a doutrina cristã, porque  acreditam ser ela mais verdadeira, mais capacitada para integrar um certo número de valores no plano humano.
             Os católicos e os demais cristãos vêm atualmente empenhando um belo esforço nesta linha. Não digo que logo se devam mudar as estruturas antes de se anunciar o Evangelho - cumpre fazer "as duas coisas conjuntamente".
             Cumpre fazer "as duas coisas conjuntamente".

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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A ANGÚSTIA DO HOMEM MODERNO



                        "Depois de procelosa tempestade,
                         Noturna sombra e sibilante vento,
                         Traz a manhã serena claridade,
                         Esperança de porto e salvamento."

                                                       Camões, "Os lusíadas"

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            Bloqueado pela soma das invenções técnicas e, pode-se dizer, por suas próprias criações, o homem e a mulher de hoje, apesar das brechas  que lhes permitam entrever perspectivas promissoras de realização grandiosa, se encontram emaranhados em problemática aguda, cuja solução se coloca em termos de sobrevivência ou não-sobrevivência.
            O homem e a mulher de hoje, ambos tragicamente em crise, apelam por uma "saída honrosa", que não lhes manche a dignidade de seres livres e responsáveis.
            Forças inusitadas lhes pressionam a exigência de soluções rápidas, supercerebralizadas, para  esquemas montados por eles mesmos.
            Homem e mulher modernos se criaram problemas e perigos que clamam por riscos
imprevistos e imprevisíveis. E essa situação se refaz tanto mais angustiantes, quanto mais precisa se torna a realidade de terem o homem e a mulher lançados à queima todos os sistemas de segurança do passado.
            Hoje, homem e mulher parecem nus, despojados de confiança, porque saborearam os frutos da árvore da ciência.
            No Antigo Testamento, homem e mulher se agarraram ao "rochedo de salvação"; os cristãos da Nova Aliança puseram esperanças na "cruz".
            E ao homem e mulher deste nosso século, o que lhes resta? Que Fé, que Esperança, que Salvação? Em que máquina ou em que supermáquina há de dissolver a angústia que lhes frustrou a existência?
            Creio que, não só buscando um levantamento estatístico, mas muito mais propor uma mensagem de Esperança, de Fé e de alegria a todos os homens e mulheres, conscientes  de suas responsabilidades planetárias, se preocupem com o amanhã de uma Humanidade Total.
            Este mundo, e os que creem sabem disto, para que nosso mundo seja o lugar do Reino, ele deve ser "transfigurado", deve tornar-se "novo Céu e nova Terra", conforme Isaías 66,22.
            Os incréus e os pessimistas suspeitam que haja nessa transfiguração nada mais que uma mistificação, que faz esquecer a Terra do homem e da mulher.
            Sabemos todos que Jesus é a Salvação, pois Ele é o