sexta-feira, 26 de abril de 2013

A BÍBLIA SAGRADA NA BERLINDA


          A Bíblia Sagrada, ou Escritura Sagrada, e eu o creio, é um tesouro inesgotável de experiências profundas e de sublimes intuições religiosas. Esse tesouro, porém, chega até nós vindo de uma cultura há vários séculos de distância, nascido em uma sensibilidade milenarmente distinta e responde a perguntas ou necessidades concretas que já não são, de forma alguma, as nossas.
            A Bíblia é de fato, para o crente,  palavra de Deus, ou melhor, no meu entender, é testemunha da palavra de Deus, pois nela se expressa tudo aquilo que Deus quis manifestar-nos, nunca diretamente, mas sempre, e necessariamente, nas e com palavras humanas, por meio das quais consegue expressar-se. E estas palavras humanas, apesar de serem autêntica manifestação de Deus, trazem a marca de seu tempo e lugar. Traduzem toda a manifestação de Deus que chega até nós, é verdade, mas nos modos limitados de uma subjetividade, de uma sociedade, de um tempo e de uma cultura bem determinada.
         - "Os moldes conceituais da Bíblia Sagrada, os marcos de referência de seus significados, os significantes simbólicos dos quais lança mão, desapareceram ou, em muitos casos, perderam sua transparência para a cultura atual."  (Queiruga, "Hacia una nueva imagen de Dios").
         A verdade é que os textos da Escritura se apresentam marcados pela época de sua elaboração, a tal ponto que dificilmente podemos entender como esses documentos tão longínquos ainda podem falar-nos  nos dias de hoje.
         O que se disse e se viveu naquela época tão distante, com as palavras, as imagens e os símbolos que os hagiógrafos tinham então ao seu alcance, cumpre-nos expressá-los hoje com nossos meios atuais e a partir de nossa situação. Mas temos de fazê-lo de maneira que, através das palavras antigas e de uma sadia inculturação, a mesma realidade possa ser falada também em nossa língua e situação atual.
       Não podemos permanecer enclausurados na repetição por assim dizer, mecânica, de um passado morto, mas devemos abrir-nos para a recriação autêntica de uma experiência que há de ser tão atual como a refletida nos textos tradicionais, e que exige de nós seja traduzida em palavras vivas que falem à nossa compreensão. Além disso, devem alimentar as possibilidades de nossa vida e de nossa história nos tempos em que vivemos. Gostemos ou não, temos que pagar nosso tributo à pós-modernidade e aos sinais dos tempos, como diria o saudoso Papa João XXIII.
          Atualmente, nenhum estudioso sério da Bíblia admite que ela seja resultado de um "ditado" divino ao hagiógrafo, como ainda se pensa em alguns setores fundamentalistas "evangélicos" e católicos. A crítica bíblica tem mostrado cada vez com maior clareza que a Bíblia foi gestada aos poucos, no longo acontecer da História, através de intenso trabalho de reflexão religiosa a qual, por meio da experiência de sempre novas situações vivenciais, foi descobrindo novos aspectos da presença divina no mundo.
         Através dessas experiências, o hagiógrafo intui o que Deus está tentando nos manifestar, não através de "ditados" ou de intervencionismos físicos, mas da capacidade significativa que adquirem certas situações específicas pessoais ou históricas. Por exemplo: na beleza e esplendor do céu, o salmista intui a glória do Criador. No sentimento de rebelião contra a opressão egípcia, Moisés desvenda que Deus se compadece dos oprimidos e quer a sua libertação. No seu amor e no sentimento profundo de perdoar sua esposa adúltera, o profeta Oséias descobre o perdão e o amor incondicional de Deus, apesar de toda a infidelidade humana.
          "Toda experiência religiosa é sempre vivida como suscitada por Deus, e bem por isso é vivida como revelada. Deus está sempre atuando a partir da iniciativa absoluta de Sua ação salvadora, e que tão somente graças a essa iniciativa se pode produzir a descoberta reveladora." ( Queiruga, "A Revelação de Deus na Realização Humana").
          É preciso também que tenhamos sempre em conta que os autores bíblicos, a seu tempo e a seu modo, por não terem chegado ainda a uma concepção mais exata da face de Deus (só possível após a vinda de Jesus ao mundo), podiam declarar a Seu respeito palavras e ações que muitas vezes não eram na verdade nem palavras nem ações de Deus. Eles simplesmente supunham que Deus nesse momento falava ou agia assim, mas muito diferente era o modo como Deus falava ou agia na realidade.
         Um exemplo entre muitos: o segundo Livro dos Reis nos apresenta a revolução de Jeú e a matança que levou a cabo como algo querido e mandado por Javé. Entretanto, um século mais tarde, o profeta Oséias condenou energicamente em nome do próprio Deus aquele derramamento de sangue que aconteceu no tempo de Jezrael.
           Ou pense-se ainda nos castigos coletivos, "ate a terceira e quarta gerações", ou arbitrários, como o do filho do sumo sacerdote que queria salvar de uma queda a Arca da Aliança, mas foi fulminado por Deus porque a tocou. "Davi teve medo do Senhor naquele dia", diz-nos o 2Sm 6,9.
       Qualquer  pessoa de bom senso perceberá claramente que tais fatos narrados pela Bíblia correspondem não à vontade divina, mas à mentalidade do tempo. Naquela época, interpretavam que isso era o que Deus queria, e por essa razão o atribuíam a Ele. Mais tarde, após um longo e duro processo de reflexão e de aprofundamento na intelecção da real natureza de Deus, a  própria Bíblia deixa de pensar assim, e naturalmente ninguém hoje nega que isso é inconcebível, e que com toda certeza Jesus de Nazaré jamais diria uma coisa dessas. 
             Conclusão: conforme o contexto, não nos é lícito interpretar como palavra de Deus o que é palavra de homens. Os desejos de vingança de Jeremias ou do salmo 137 (136), por exemplo. A verdade é que uma palavra de Deus, pura, não contaminada por distorções humanas em diferentes medidas, não existe. Pelo contrário, a recepção, a compreensão e a interpretação devem ser aceitas como intrínsecas à própria palavra revelada.
               Em consequência, não aceito uma leitura literalista ou fundamentalista da Bíblia, isto é, tomar ao pé da letra o que nela está contido, sem uma segura exegese histórico-crítica de seu conteúdo. Muitas denominações ditas evangélicas fazem isto, e acabam resvalando para os maiores absurdos interpretativos. Vários setores do catolicismo também o fazem, inclusive certas partes do "Catecismo da Igreja Católica", bem como a comunidade "Canção Nova", sem esquecer, é claro, a maioria das pregações nos púlpitos de nossas igrejas.
                Por causa dessa leitura fundamentalista da Bíblia, há muitas verdades que os cristãos, católicos e protestantes, afirmam, mas no íntimo chegam a não crer nelas. São demasiadas as palavras da Bíblia que dizem aceitar, mas suspeitando que alguma coisa pode não ser bem assim como está lá, conforme o que ouvem nas pregações de seus guias espirituais.

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A minha prece de todos os dias, de todas as horas, de todos os momentos:

                                                     Se eu pudesse
                                                     na hora mais dolorosa
                                                     do sepultamento de minha filha Raquel
                                                     quando a sua urna funerária
                                                     era colocada túmulo a dentro
                                                     eu faria
                                                     que uma revoada de andorinhas
                                                     pairasse por sobre os presentes
                                                     testemunhando
                                                     a sua ressurreição NA morte
                                                     que é a Fé que me anima e me conforta
                                                     e me mantém vivo até hoje
                                                     Oh! como seria bom
                                                     Se eu pudesse!...

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