sexta-feira, 19 de abril de 2013

PELOS SUBÚRBIOS DA VIDA


          Foi ali, nas baixadas do Ipiranga, que eu vi pela primeira vez a favela. Um arrepio percorreu-me o corpo, quando o seu cheiro pegajoso me lambuzou de alto a baixo como uma doença viscosa e ruim.
           A favela me deixou imensamente triste. Não tanto pela miséria encarnada em cada rosto que me fitava arredia e desconfiadamente. Mas porque ali, no torvelinho imenso dos barracos dependurados pelo morro, percebi o Cristo desamparado, atirado à margem da estrada como um farrapo qualquer, pela sociedade egoísta e pela incúria dos governantes.
           Estudante de Teologia na Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, cheio de boas intenções eu fora à favela na tentativa de levar a mensagem de Cristo àqueles irmãos meus, que eu julgava repletos de pecados e irremediavelmente condenados ao inferno, se não lhes fosse pregada a palavra da salvação. Eu me esquecia de que eles já viviam o inferno verdadeiro, muito mais candente e terrívl do que o inferno aprendido no catecismo.
          A favela, porém, desde o primeiro instante, transformou em pó os meus belos sonhos de evangelizador, atracou-se comigo, atirou-me ao chão, violentou-me inexoravelmente, e eu me sujeitei a ela. Mostrou-me cruamente que o Cristo que eu pretendia levar-lhe era um cristo quimérico, estudado nas assépticas aulas de Teologia, um cristo-fantoche criado pela minha fantasia idealista, um cristo fabricado artificialmente na atmosfera alienada do seminário.
          Despojado repentinamente de todas aquelas certezas inabaláveis que até então conduziam minha vida de candidato ao sacerdócio diocesano, eu me vi nu e indefeso diante da realidade desumana da favela, que me mostrou, como o clarão de um relâmpago, a face verdadeira do Cristo, encarnado em cada um daqueles deserdados da sorte que eu, do alto de minha suficiência filosófica e teológica, pretendia salvar.
          Ali estava o Cristo oculto atrás das mãos furtivas e ágeis do pivete; ali estava o Cristo debaixo da maquiagem vulgar e escandalosa da menina-moça, que vendia o corpo quase ainda impúbere a fim de comprar remédios para o irmãozinho tuberculoso que definhava num leito de enfermaria; ali estava o Cristo disfarçado no traficante de drogas, que foi levado ao comércio infame pelo desemprego institucionalizado e pela fome da mulher e cinco filhos anêmicos e raquíticos, que pediam ao menos algumas migalhas de vida.
          O choque foi tremendo para mim. O Cristo que encontrei na favela nada tinha daquele "meigo e doce nazareno," que os padres lustrosos e bem nutridos  do seminário tentavam me mostrar nas páginas mal lidas dos Evangelhos.
          Eu compreendi num relance que se é verdade que o Cristo se identifica, segundo o evangelista Mateus, com cada ser humano que sofre, que padece fome e sede, que definha numa prisão, que se decompõe num leito de hospital, ou que está despido e com frio - então a favela me mostrou, sem sombra de dúvidas, o que sete anos de seminário não conseguiram fazer: ali na favela é que estava o verdadeiro Cristo com quem eu devia identificar-me, transformar no meu próprio sangue os Seus sofrimentos, os Seus cravos, a Sua coroa de espinhos, a Sua cruz, enfim, se eu quisesse realmente ser Seu discípulo. O cristo-prostituta, o cristo-pivete, o cristo-traficante de drogas, o cristo-bicheiro, o cristo-encurralado nos pátios malcheirosos da FEBEM, o cristo-torturado e cheio de estigmas pelo corpo, fruto da truculência e dos cassetetes da polícia militar.
        Sim. Eu vi a favela. Mil e um barracos acotovelados, enrodilhados sobre si mesmos, abraçados todos num amplexo violento de intrigas e violência. Lá pelas bandas do Ipiranga, na tumultuosa e milionária metrópole paulistana.

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            Vinte anos depois, não mais candidato ao sacerdócio, mas agora definitivamente padre, endurecido e calejado nas refregas da vida, eu estava de novo na favela. Fora chamado para celebrar a mais estranha das missas de todo o meu sacerdócio, na qual a Hóstia oferecida em oblação a Deus não seria nem o pão nem o vinho. No altar do sacrifício eu ergueria aos céus o corpo, o sangue, as amarguras, as frustrações, os sofrimentos e humilhações sem conta; eu ofertaria a Deus-Pai a vida, paixão e morte do Cristo-favelado!

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          O vento ia e vinha na madrugada fria e garoenta. Namorava a goiabeira, cercando com carinhos de mãe o fruto barato e disputado pelas crianças da favela: a goiaba quase sempre cheia de bichos. Depois, espraiava-se pelas vielas mal-cheirosas, passava seu acalanto pelos ralos arbustos à beira do córrego de águas pretas e fétidas, descia e subia pelas ladeiras, chutando ciscos, papéis e latas vazias de cerveja. Acabou arrombando uma janela feita de sacos de aniagem e penetrou buraco a dentro, acordando com a sua mão gelada as pálpebras endormidas e cansadas do pivete.
          Olhar o céu pela abertura escancarada é um consolo e uma alegria. Quanta riqueza, quanto esbanjamento de estrelas, quantos mistérios atrás de cada nesga de nuvens. E lá bem longe, por sobre o posto policial sempre fechado, sem precipitação alguma, sem pressa ou afobamento, funcionário público estabilizado, lá vinha o sol preparando-se para assinar o ponto de mais um dia de trabalho.
          As coisas lá fora pareciam melhores. Dentro do barraco, a chama do lampião a querosene se enroscava com certa graça pelos trastes que imitavam moveis, tremelicava  por vezes diante do vento, quando não se punha toda encolhida  sobre si mesma, como faz a criança amedrontada pelo braço materno ameaçando castigo. Depois, expandia-se novamente, alegre e buliçosa, olhando para todos os cantos que teimavam em querer ficar nas trevas.
          No precário aconchego do barraco, um raio furtivo de sol mexeu com o cheiro acre de suor e urina de cinco crianças amontoadas sobre trapos, procurando aquecer-se mutuamente; foi ouvir o ronco sibilante e asmático de um ser que se fizera mãe por amor, e agora se tornara escrava para não perder a glória conquistada.
          Amanhecia na favela.

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          O rapazola respirou fundo, espreguiçou-se, saiu do barraco e entrou pela estrada. Deixou para trás a mãe e quatro irmãos menores. Será que se esquecera de que ele também era menor de idade?
          O rapazola entrou na estrada. E a estrada o fez de novo criança. Uma criança franzina, desconfiada, olhada com reserva pelos adultos ressabiados, que se crispavam nervosos quando cruzavam com ele pelas vielas do morro.
          Os becos escuros da favela iniciaram-no na vida com o brinquedo predileto de mocinho e bandido, e este brinquedo se tornara dura realidade no dia em que seu pai fora sequestrado de madrugada por dois brutamontes do DOI-CODI paulistano.
           Clamara na fábrica por melhores condições de trabalho e de moradia, e fora posto na rua sob a acusação de subversivo. Reclamara do desemprego forçado, pedira trabalho em qualquer oficina, onde quer que houvesse vagas. Disseram que estava fomentando a luta de classes.
          A verdade é que frequentara o sindicato, participara de piquetes em portas de fábricas, jogara pedras na polícia de choque, intoxicara-se com o gás lacrimogêno, lembrara aos poderosos que "todos nós somos irmãos."
          - "Ele quer é o comunismo ateu! Ele quer é subverter o sagrado direito de propriedade!"
          Um dia os esbirros do DOI-CODI o levaram, e o tempo se esqueceu de devolvê-lo vivo à família. Os boletins oficiais disseram que fora atropelado numa tentativa de fuga! A mãe, coitada! ficara só. Tornara-se pai e mãe. Dera à luz, por amor, a cinco filhos. Agora, para sustentá-los, fizera-se farrapo: vendera a beleza, que ainda lhe restava, à dura faina de catadora de papéis nas avenidas da Capital. Perdera a energia no trabalho pesado e ininterrupto; vencera o orgulho natural da pessoa em troca de um mísero salário de fome.

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          - "Que belo garoto! Olha só os olhos dele!"
          Somente nesta ocasião é que as madames dos Jardins se lembravam de subir o morro. Não para levar ajuda para os deserdados da vida. Subiam o morro à procura do curandeiro, que era sempre o alvo das peregrinações granfinas: era o terreiro do pai-de-santo que elas buscavam: queriam a bênção dos orixás.
          - "Que belo garoto! Olha só os olhos dele!"
          Ele ria a bom rir, pensando como seriam seus olhos que não podia ver, mas vendo perfeitamente seu corpo franzino, seus braços magros, suas roupas sujas da faina de catar papéis nas ruas, os pés encardidos nas havaianas encontradas (ou furtadas?) num campinho de "peladas" nas imediações.
           Não tenho dúvida nenhuma: se Cristo descesse novamente à Terra, tenho certeza de que nasceria na favela. Brincaria com os outros moleques, subiria na goiabeira, amarraria latas vazias no rabo do gato da vizinha, chuparia cana furtada no quintal do português da quitanda, ou sentar-se-ia na beirada do córrego fétido tentando vislumbrar algum lambari, se isto fosse possível, nas águas viscosas e grossas de detritos lançados indevidamente aí pelas fábricas.
           - "Que belo garoto! Olha só os olhos dele! Não parecem um convite para o amor?"
           Ele então, meio assustado com o repentino entusiasmo erótico das madames, voltaria correndo, entraria no barraco, olharia meio torto para a mãe. Ela certamente, como todas as mães do mundo, adoçando a tristeza do semblante cansado, o fitaria com ternura:
           - "O que é que você tem, menino? Vamos, desembucha..."
           - "Mãe, que é amor?"
           Talvez, sem esperar resposta, ele mesmo se atirasse confiante nos braços maternos, como que respondendo a si mesmo. Entrega. Doação.
           Seria apertado contra o regaço da Mulher. Como uma sacerdotisa, ela o levantaria em seus braços, olhos fitos no Céu:
         - Deus!...

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        Os problemas de sua vida real incluíam o amor.      Sentia, mas não compreendia. O amor. Estava rodeado era de luxúria.
        - "Como é?... Você não tem uma "mina"  prá se divertir? O que que há: você não é macho? Arranja logo uma, cara, se vira!"
         Tímido, desconfiado, aproximou-se certo domingo de uma menina  que o coração apontava como devendo ser sua. Desajeitado, com medo de um   "fora", coração aos pulos, sussurrou um "olá"  à menina-moça.
         -"Vê se te manca, meu chapa. Vai logo dizendo o que quer. Não ganhei nada ainda hoje, e não tenho tempo prá perder. Quanta grana tem aí?"
       Era dessas moçoilas que transpiram maldade por todos os poros, cujos olhos mostram abismos de lama. Ele procurava amor. Sua primeira experiência foi desilusão. Aquilo não era amor.
         Outro dia foi o ônibus da CMTC. Azar dos feios. Bolsos vazios.  Tentou passar o cobrador para trás, viajar de graça, dizendo que alguém tinha furtado os seus trocados. Mas o homem da catraca já manjava de longe malandragem de pivetes, e não foi na conversa. Esbravejou, ameaçou prender, entregar no Distrito. Mão caridosa se apresentou e pagou-lhe a passagem. O garoto viu o gesto e quis agradecer. Mas faltava-lhe a prática da gratidão. Olhou apenas, fundo, a mão benfeitora. Sentiu um tapinha amigável nas costas e algumas palavras que não entendeu. O barulho do ônibus e do trânsito difícil as encobriu.
         O benfeitor anônimo desceu no próximo ponto. Ele desceu também. Viu-o entrar numa casa diferente, que sabia ser uma igreja. Curioso, furtivo, o rapaz o seguiu. Havia visto muitas casas desse tipo, mas nunca por dentro. Ressabiado, entrou pela porta entreaberta.
         Lá na frente, enorme, dominando tudo, sob a luz forte dos vitrais, o Crucificado.
         A cruz. A Cruz. Quando planejamos, e a imaginação vai adiante, traçando rumos, construindo castelos, colecionando vitórias - o ânimo forte da juventude, o entusiasmo da conquista,  a ânsia de chegar, tudo isto nos abrasa o coração. Alcançar tudo. Em linha reta. Sem desvios. Eis que surgem as barreiras humanas, as oposições, os obstáculos egoístas, os contra. O destino faz-nos estacar, impotentes. Algo cruza a nossa vida, os nossos ideais, e somos crucificados.
         Lá na frente, enorme, dominando tudo, sob a luz forte dos vitrais, o Crucificado.
        Olhos tristes em direção à terra, boca entreaberta como a pedir água, braços e mãos estendidos num gesto de quem recita um poema de dor. Um verdadeiro crucificado, coroado de espinhos, corpo sangrando, lado aberto. Sofrimento. Dor. Doação total.
        Seu pensamento voou rápido para a favela. Aquilo ali, pendurado na cruz, era um homem da favela, ou um símbolo da desumanidade por que passavam seus irmãos de desdita. Teve pena dele. Quem seria? Com dificuldade, soletrou: INRI.
     Avançou um pouco mais, admirando tudo, em descobertas nunca esperadas. Uma grande mesa no centro, com dois castiçais. Ao lado, uma lampadazinha vermelha tremelicando num copo de azeite. O desconhecido que lhe pagara o ônibus passou defronte à mesa. Uma genuflexão simples. Piedosa.
       - "Por quê isso?"
       - "É que ali está o pão sagrado, o corpo de Cristo, a Hóstia santa."
       - "Onde? Posso ver?"
       - "De noite. Na hora da reza."
       De noite não foi para o parque de diversões armado ali por perto. Voltou àquela casa desconcertante, que parecia prometer-lhe grandes revelações.
     Lá estava, junto à mesa, bem debaixo do enorme Crucificado, o homem misterioso, mas agora com estranhas vestes.
       - "Pão?"
       - "Alimento".
       - "Corpo?"
       - "É vida."
       - "Hóstia?"
       - "Hóstia? Hóstia... Não, não sei.
      Altar com velas acesas. Alguma coisa brilhante, parecendo um sol de ouro. No centro, a Hóstia, branca, pequenina. Muita gente de joelhos, cantando.
      - "Só isso?"
      Dentro, porém, no fundo do seu peito, sentia que alguma coisa o roía, parecia que alguém queria falar-lhe, e teve a impressão de que sua vida estaria para sempre, de algum modo ainda obscuro, misterioso, ligada àquela Hóstia que tanto o atraía...

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       A perspectiva de um salário perdido pela dura lei do mercado de trabalho, que gera o desemprego, abala todas as estruturas do ser humano, que precisa trabalhar para viver. Quando a hipótese temida se torna triste realidade, injusta, o operário, pai de família, se vê na rua, sem nada, caminhando às tontas, esperando contra toda esperança que amanhã será melhor.
      Talvez lhe apareça um "bico", um dinheirinho para o punhado de feijão com arroz que disfarce a ronqueira dos ventres famintos dos filhos. A necessidade do dinheiro, quase sempre, é a única força capaz de nos violentar e subjugar o amor-próprio. É o hóspede mais esquisito e indesejável que nos chega à porta.  Entra sem bater, não pede cortesias. Antes, obriga-nos a sair, a misturar-nos com os outros, a solidarizar-nos, a procurar, a bater, a pedir, a implorar.
       Ele estava literalmente "duro".  Recomendaram-lhe certo doutor, um deputado, homem rico e com fama de quebra-galho dos pobres. Na sala de espera, a recepcionista distante e fria:
         - "Tem muita gente na frente. Sente-se e espere sua vez."
         Depois, muito mais tarde, o receio, o nó na garganta, o pedido balbuciante e difícil de sair. 
      - "Volte amanhã. Tentarei dar um jeito. Está difícil prá todo mundo. O governo está fazendo o que pode. Tenha mais um pouco de paciência."
       Um ato a mais na vida de todos os dias: um homem anulando outro homem!
       Lá naquela casa estranha, a Hóstia, cercada de gente, não parecia ser assim. Nada de respostas secas. Nada de evasivas. Estava sempre ali, aberta a todos. Negros, brancos, moços, velhos, crianças, homens e mulheres. Todos confiantes. Todos cheios de Fé. Todos simples, na espera do dom que nunca falha.
       - "Pai nosso..."
      -  "Pai nosso?!"

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       O pão em casa acabou de vez. Tinha ouvido não se lembrava de onde: - "Comerás o pão com o suor de teu rosto."
       Ouvira, sim, mas isso não era com ele. Não trabalhava, não suava: não merecia o pão!
      A lógica dos homens, creio eu, irrita o próprio Deus, que quisera ver revogadas estas palavras. Não são raras as vezes em que a Lei se torna absoluta e perde seu valor de relativo, de meio. Obrigamos, não sabemos criar exceções justas. Não percebemos o desespero que causam tais atitudes intransigentes. É a lei, é a lógica. Há que cumpri-las. Não trabalhou? Não suou? Não tem pão.
     Implorar, humilde, abjeto, o pão de cada dia, e receber como esmola o pão velho de outro dia.
     - "E que será feito do pão sagrado?"
     - "Comido."
     - "Eu tenho água viva..."
     - "Dá-me dessa água."
     - "Quem comer da minha carne..."
     - "Eu tenho fome."
     - "Se conhecesses o dom de Deus..."
     - "O dom de Deus?"

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      - "Entre! Venha ver que dom têm estas belas criaturas a oferecer! É barato! Elas são bonitas e novinhas! Não têm nenhuma doença! Ah! Se você as conhecesse... Vamos, uma vez só! Não vai se arrepender!
      O ambiente era aquele de que muitas vezes ouvira falar  quando moleque, entre cochichos e risos disfarçados. Luzes semi-acesas, muita fumaça de cigarro, muita bebida, ritmos sensuais, mulheres bonitas quase nuas, se oferecendo, se doando...
     O corpo. A adoração do corpo. Perder a consciência, esquecer a miséria, embriagar-se, deixar-se dominar pelas sensações, com a carne palpitante lhe enchendo a alma!
       Mas, e o Corpo de Cristo? Este sim, era um Corpo diferente, adorado, respeitado, venerado. Nada de profanações baratas. Sim, a dignidade do corpo!
       E a Hóstia, toda branca, toda pura!
       - "Aqui só tem barulho... algazarra..."
       - "Não seja trouxa! Aqui é lugar de alegria, de festa, de prazer!
       - "Mas é tudo muito escuro..."
       - "Eh, meu, no escuro é muito melhor..."
       - "Eu preciso é de luz, muita luz, que ilumine a favela sem sol que sempre foi a minha vida!..."

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      O volver contínuo de desejos e frustrações, de esperanças e desenganos, sofreu interrupção violenta um dia. A desnutrição, a fome crônica, o frio, o desemprego sem fim, a broncopneumonia, a absoluta falta de recursos no barraco.
     Nada mais havia a fazer. Chegara a hora e a vez de Deus: a celebração da Missa derradeira, a oblação a Deus de seu corpo e de seu sangue.
     O ritmo da favela, aparentemente, não mudou; mas, para quem tinha olhos de ver, a Providência Divina a tornara uma patena, sem ouro, é verdade, pois ali imperava a pobreza. Mas uma patena sublime sobre a qual descansaria a hóstia do sacrifício.
    Morria, repetindo sem cessar:
    - "A Hóstia! A Hóstia!
    Num gesto de pai, o homem misterioso do ônibus, o sacerdote endurecido nas refregas da vida, estreitou ao seu coração um novo Cristo moribundo, o Cristo-favelado.
     - "A Hóstia! A Hóstia!"
     - "Você é que é Hóstia, meu filho! Hóstia é ser vítima, como você sempre foi. É deixar-se imolar... É sofrer por amor de Alguém... do Homem da favela... do Crucificado... de Deus!"
     - "Estou todo sujo... fiz tanta maldade... a Hóstia é branca... sem mancha..."
    - "Você agora é a Hóstia. Deus o limpa e purifica com as lágrimas que você está derramando. Você é o filho que volta!
     - "...a Hóstia!"
    Já nada mais falta. Tudo está consumado. E prossegue a Missa:
  - "Recebei, Pai Santo..."


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                                                Se eu pudesse
                                                no momento mais doloroso
                                                do sepultamento de minha filha Raquel
                                                quando a sua urna funerária
                                                era colocada túmulo a dentro
                                                eu faria
                                                com que uma revoada de andorinhas
                                                pairasse sobre os presentes
                                                testemunhando
                                               a sua ressurreição NA morte
                                               que é a Fé que me anima
                                               e me mantém vivo
                                               até hoje
                                               Oh! como seria bom
                                               Se eu pudesse!...

                                               ********************************

    

      





   





         





    

   

    
          

           

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