sábado, 2 de novembro de 2013

FINADOS, MAS RESSUSCITADOS!


          2 de novembro, "Dia de Finados"...  Dia em que cultuamos, de modo particular e litúrgico, os nossos mortos queridos. E, falando em mortos, lembro-me da frase de Heidegger; - "Somente quando a morte é apreendida em seu caráter ontológico, somos justificados em perguntar o que há depois da morte."
         O apreender "ontológico" da morte está implicitamente presente na doutrina cristã do pecado original. É característico de uma existência decaída ter a morte como componente integrante. Existir como "decaído" ou "perdido" é existir por meio de uma existência que não escolhemos. Pode ela mostrar-se desprovida de sentido, destinada a uma morte da qual não podemos nos evadir.
          Uma outra característica, porém, da existência decaída está em procurar esquecer-se da morte, mergulhando "no mundo" . Neste sentido, homem e mulher fogem de si próprios e  desejam imergir no mundo, isto é, procuram esquecer seu íntimo temor da morte, preocupando-se em objetos, mergulhando no reboliço da atividade e da opinião pública sem algum objetivo certo.
          Uma tentação dessa espécie estaria desprovida de seriedade, não fossem homem e mulher capazes de persuadir-se da grande importância de suas preocupações e opiniões, e de seus atos. No entanto, certas formas de vida social  -  particularmente as rotinas  da sociedade massificada e consumista  -  são, de maneira patente, de uma artificialidade e de uma natureza a tal ponto fictícia que se torna difícil,  mesmo aos aos que não são muito inteligentes, deixarem-se enganar totalmente por isso.
          Nasce daí uma sensação geral de mal-estar, uma sensação de se ter caído numa armadilha e o consequente ressurgimento de ansiedade e temor.  Contudo, homem e mulher procuram justificar sua existência inautêntica pela ilusão de que permanecem senhores de seu destino e do mundo, e pela ilusão, ainda, de que quase atingiram o ponto em que dominarão a enfermidade, o desespero e mesmo, talvez, a própria morte.
          Assim, homem e mulher continuam a viver de modo frívolo e inautêntico, sem pensarem  na morte e sem tomarem qualquer decisão que oriente a vida em face da sua inevitalidade. .
         Viver inautenticamente neste mundo, passar a vida inteira evitando encarar a realidade da morte e, ainda por cima, dizer-se a si próprios que já se possui a resposta em relação ao que ocorre depois da morte, é coisa em que pode haver um certo grau a mais de auto-ilusão.
         Pode ser que alguém consiga ser bem sucedido neste ponto, empregando uma ingênua e teimosa insistência em acreditar que, depois da morte, tudo continuará como está agora  -  excetuando a preocupação e a dor, que não mais serão problema.
         Atrevo-me a dizer que tal atitude não me parece cristã. Creio que é simplesmente o regresso a uma forma de crasso paganismo.
         É certo que a Fé cristã não nos dá respostas pormenorizadas e precisas sobre o que sucede depois da morte. Estudando o alentado volume do "Catecismo da Igreja Católica" somos, entretanto, incitados a que encaremos a morte e a tomá-la em conta, superando o medo que ela nos inspira e vencendo-a em união com Cristo.
         No cerne da Fé cristã está a convicção de que, quando a morte é aceita em espírito de Fé, quando nossa vida inteira está orientada pelo dom de si, de maneira que no fim da vida nós a entregamos de volta, pronta e livremente, a Deus Criador e Redentor, a morte se transforma em plenitude. A vitória sobre a morte é obra do amor. Não é fruto de nossa própria e frágil virtude, mesmo que heróica, e sim a participação no amor com que Jesus aceitou a morte no Calvário.
         Esta verdade não se torna patente à razão. É inteiramente do domínio da Fé. Mas o cristão é alguém que crê que, quando uniu sua vida e sua morte ao dom que Jesus fez de Si próprio na Cruz, encontrou não apenas uma resposta dogmática a um problema humano e uma série de gestos rituais que confortam e aliviam a angústia. Acima disso, foi-Lhe concedida a Graça do Espírito Santo.
         Assim não vive mais o cristão uma existência de condenado e decaído, mas vive já a vida eterna e imortal que lhe é dada, no Espírito, por Cristo. O cristão  vive "em Cristo."
         O que "vem depois da morte" não se torna, ainda, claro, em termos de "lugar de repouso" ou um paraíso de recompensas. O cristão não deve preocupar-se, em realidade, com uma vida dividida entre este mundo e o outro. Deve preocupar-se com uma vida. A vida nova do homem (Adão = todos os homens e mulheres) em Cristo e no Espírito, tanto agora como depois da morte. Não pede, com antecedência, uma planta da mansão celestial. Procura, isto sim, a Face de Deus e a visão dAquele que é a Vida Eterna!...
         Sempre acreditei, nestes meus setenta e sete anos de vida, que a verdadeira aceitação da morte em liberdade e espírito de Fé exige uma aceitação fecunda e madura da vida. Quem teme a morte e quem por ela anseia estão, ambos, na mesma miserável condição: admitem não terem realmente vivido!...
      

      
          

Um comentário:

  1. Parabéns suas palavras são verdeiras...muito bom ler e refletir...Obrigada.

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