terça-feira, 28 de outubro de 2014

O SILÊNCIO DE DEUS



            "...Deus, meu Deus, por que me abandonaste?"
            "...e Deus não disse absolutamente nada!"

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            Em certo sentido, homens e mulheres estão cercados por todos os lados pelo terrível e inexplicável silêncio de Deus.
            "Ah! Se rompesses os céus e descesses até nós! As montanhas se desmanchariam diante de Ti." (Isaías 63,19).
            Homem e mulher experimentam uma dificuldade quase insuperável no seu ansiado contato com Deus. Isto porque Deus, enquanto mistério indizível, não pode ser encontrado em nosso mundo; parece não poder entrar neste mundo com que temos de nos haver, pois que assim se tornaria o que Ele não é, a saber, uma realidade singular lado a lado com outra realidade que não Ele.
            Entretanto, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, este silêncio e este alheamento de Deus é aparente. Tempos atrás, comentando sabiamente o clamor do então Papa Bento XVI sobre barbaridades ocorridas na segunda guerra mundial,, o rabino judeu Sami Goldftein disse que o massacre de Auschwitz, na Polônia, foi obra da liberdade e do livre arbítrio do homem, incondicionalmente respeitados por Deus. E explica que Deus nunca esteve ausente, mas presente sempre na grande corrente de pessoas bondosas inspiradas por Ele e que em todo o mundo acorreram sem demora para socorrer e ajudar os judeus perseguidos e necessitados.
           Na verdade, para nós cristãos Deus nos fala sem cessar, nas páginas das Sagradas Escrituras, na beleza e esplendor da Natureza, no sorriso da infância despreocupada, nos acontecimentos bons do dia-a-dia.
           Deus desceu sobre a Terra na pessoa de Jesus Cristo e se fez um de nós. E a presença de Deus entre nós não é apenas uma presença figurada como na Arca da Aliança. É uma presença tão difundida e tangível, que nos envolve por todos os lados, como também envolve o Mundo. Presença que se tornou concreta e palpável na Encarnação: Deus se fez carne na pessoa de Seu Filho, levantou Sua tenda entre nós, entrando na História humana para dela não mais sair.
           Para nós, a vida histórica de Jesus é a revelação mais plena do Deus cristão, um Deus que se manifesta a nós e nós O acolhemos pela mediação de Jesus de Nazaré. Em Jesus, Deus Pai Se interessou de tal modo por nós que quis participar intimamente do nosso destino, e assim tornar-se o Deus próximo e familiar, o "Deus conosco", o "Emanuel" que conhecemos pelos Evangelhos.
           Não há silêncio de Deus. Nós é que sufocamos os apelos divinos com os nossos barulhos inúteis. Não há silêncio de Deus, e sim incapacidade humana para captar imediata e claramente a Sua voz. Voz que insiste, apesar de tudo, e que é experimentada quando alguém a recebe como dom pessoal e gratuito. Deus não Se mostra ou Se revela de modo arbitrário, mesquinho ou favoritista: revela-Se a todos e desde sempre na generosidade irrestrita do Seu amor gratuito e incondicional.
           Cumpre-nos então viver lado a lado com Ele, que não é um Deus distante e escondido por detrás das nuvens. Eis aí Sua casa no meio de nossas cidades, no meio de nós. É como um vizinho e amigo que mora em nossa vizinhança, em nosso bairro. É o grande companheiro, o camarada no sofrimento, o anti-mal por excelência, que ilumina o assombro do nosso existir e alimenta em nós a confiança mais radical na aventura da vida.
            É verdade que nas páginas da Bíblia Sagrada, começando por Jó: - "Pereça o dia em que nasci, que sobre ele não brilhe a luz" - continuada pela voz pungente do salmista - "Por que, Senhor, Tu me rejeitas, por que me escondes Teu rosto?" - Assumido dramaticamente por Jeremias nas suas "Lamentações": -"Clamar ou gritar nada vale. Ele está surdo à minha prece" - até culminar no angustiado grito de Jesus de Nazaré na cruz, este gemido secular perpassa por toda a Bíblia, num clamor contínuo e sem resposta:
            - "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Clamo de dia, e não respondes, grito de noite e não encontro repouso". (salmo 22).
            Nos Evangelhos  a tradição existencial do silêncio de Deus aparece de forma muito implícita  em dois momentos muito importantes da vida de Jesus de Nazaré: no horto das oliveiras e na cruz.
            Já em nossos tempos, visitando o campo de concentração de Auschwitz, onde milhão e meio de judeus foram mortos pelos nazistas, o Papa Bento XVI deixou-se levar pela emoção e lançou também ao mundo este brado que surpreendeu e comoveu a todos nós:
            - "Por que, ó Senhor Deus, o Senhor permaneceu em silêncio? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava Deus naqueles dias? Por que ficou Ele em silêncio? Como pôde permitir esse massacre sem fim, essa vitória do mal?"
            E eu, parodiando a pungente pergunta do judeu-alemão Hans Jones da Europa do pós-guerra:
            -"Onde está Deus? Onde está Deus quando nos acontece uma desgraça ou nos sentimos mortalmente infelizes? Como se situa Ele em nossa vida e em nossa História, carregadas de violências e de crimes inomináveis?"
             Deixo aqui estes questionamentos para nossa reflexão, na busca de uma resposta o mais possível satisfatória e que nos convença definitivamente de que, nas palavras da menina judia Anne  Frank: - "Deus nunca nos abandonará!"

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense e Bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora  da Assunção, da Capital paulista.
           

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