terça-feira, 2 de dezembro de 2014

"...chegou o tempo de dar presentes"


            Pois é, saio pelas praças e vejo intensa movimentação de pessoas, alto-falantes me azucrinando os ouvidos com suas propagandas em alto som, como se o estardalhaço atraísse compradores, muita gente já carregando sacolas, as lojas multicoloridas e tentadoras, abertas para aqueles que têm a compulsão de comprar.
           É que a folhinha, enfim, começa a marcar o tempo de dar presentes. Presentes para a esposa ou para o esposo, para os filhos, para os parentes, para os amigos e, em certos meios, para todos aqueles que podem abrir-nos uma porta para o êxito social ou profissional.
           Eu, confesso, ainda não entrei nessa ciranda, e até agora não senti nenhuma tentação de entrar. Mas o vizinho do condomínio ao lado me disse que já comprou. A vizinha da direita diz à minha mulher que também já comprou. É praxe. É costume. É de bom tom fazer tudo o que a tv e a mídia escrita e falada mandam e impõem. É tempo de a gente mostrar que está inserido na moda, além de que é sempre bom mostrar que se é pessoa fina e bem educada.
           Gosto de ver como se trocam cumprimentos efusivos, que se dão tapinhas amigáveis nas costas, que se permutam gentilezas e presentes, que se ouvem risos de satisfação e incontidos gritinhos de prazer, em meio a todo um misto de sofisticação e artificialismo, numa sociedade sofisticada, artificial e egoísta.
           Sociedade egoísta, sim. Pois não é Natal? E Natal não é a festa dEle? - "Ele veio para o que era seu, e os seus não O receberam." Foi o que já testemunhou o evangelista João.
           Não há lugar para ele na hospedaria. Negam-Lhe um lugar à mesa, entre a alegria dos filhos dos homens e das mulheres.
           Com que eloquência fácil seria possível ampliar esta frase desoladora! Não há lugar para Ele. Nem na família, nem na escola, nem na fábrica, na política, no judiciário, nas instituições públicas, no mercado financeiro, nem no fundo das almas pecadoras.
           No entanto, Ele não faz acepções de pessoas e vem para todos. Chegada a plenitude dos tempos, ele toma carne de homem, nasce de mulher, veste-se de pobre e bate a cada porta, pedindo um lugar à mesa. Escorraçam-nO, lançam-no para fora, pois a festa precisa continuar. Aí está a orquestra a todo volume já esquentando o salão; as champanhas e champanhotas espoucando em todas as mesas; o uísque importado ou falsificado amenizando o gelo dos corações e desfazendo naturais inibições.
          Que Ele apareça outro dia. Será que Ele não percebe que Sua presença nesta hora festiva não vem facilitar as coisas? Será que Ele não vê que está nos constrangendo, nos inibindo, nos tirando a espontaneidade tão necessária para este evento social?
           Não; é melhor mesmo que Ele se vá. Talvez O recebamos numa ocasião mais oportuna.
           E Ele continua Sua solitária jornada noite a dentro. Ele sabe que o mundo, apesar de sua aparência festiva e multicolorida, cheio de luzes e lantejoulas, é um mundo muito, muito doente. Doente do coração, doente da alma, doente de inafetividade, doente de desamor.
           Ele sabe que os mesmos homens e mulheres que agora O  escorraçam, amanhã pronunciarão Seu santo nome, por derrisão, na tentativa de justificar uma ordem social, política e econômica, que dizem ser uma ordem cristã.
           Outros, colocarão o símbolo de Sua vitória, a Cruz, nos lugares onde o pobre é escarnecido pela filantropia mecânica e legalizada, ou onde a Justiça e o Direito são vilipendiados pela força do dinheiro, da corrupção, ou dos interesses inconfessáveis.
           Mas Ele não desanima nem desiste. Prossegue imperturbável a Sua peregrinação, pois sabe que outros, muitíssimos outros, aqui e em todo o mundo, não hesitam em jejuar, passar uma noite em oração, privar-se até do necessário para repartir seu pão com o irmão faminto, na esperança talvez utópica de abrir um espaço para Ele, entre os homens e mulheres que agora O rejeitam.
           Ele sabe que entre as pessoas com que cruza pelas praças e ruas - nos seus rostos convencionais e tristes, nos seus gestos automatizados, nos seus sorrisos amordaçados, no olhar que se desvia, na palavra que se engole - Ele sabe que aí poderá haver ainda fé e boas ações. A seara hoje parece resumir-se num cipoal de espinhos, mas Ele, ceifeiro celeste, um dia percorrerá de novo os campos, e recolherá o punhado de trigo bom que puder conseguir entre as urtigas.
           É que Ele conta e julga de modo diferente de nós.
           E é nesta jubilosa esperança que todos nós, homens e mulheres deste mundo carente de Fé, Esperança e Caridade, colocamos e aguardamos nossa salvação.

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