quarta-feira, 26 de novembro de 2014

SONHOS DE UMA TARDE DE VERÃO



          Ele a encontrou à sombra de florido flamboyant, no jardim da cidadezinha. Não sei se esse encontro lhe trouxe alguma transformação para o futuro. O que posso afirmar, com certeza, é que nos rápidos momentos passados juntos, ela lhe proporcionou instantes de indizível felicidade.
 
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          Jovem camponês, filho de pequeno proprietário rural que teve seu sítio leiloado para cobrir dívidas de financiamento bancário, ao rapaz não sobrou outra alternativa a não ser deixar a enxada e o arado e vir tentar a sorte na cidade grande. Chegou há três semanas, com algum dinheiro no bolso de brim barato e um incêndio de boas intenções na cabeça.
          As avenidas rumorosas, a agitação poliforme, o trânsito desenfreado, o imprevisto e o inesperado assaltando-o a cada esquina, os odores diferentes, as roupas desinibidas e insinuantes das mulheres - coisa que não existia na roça - o maravilhoso das vitrines e dos logradouros urbanos, a cidade inteira alucina-o numa alegria deslumbrada.
          Na sua ingenuidade de recém-chegado, julga fáceis todas as coisas, abertos à sua frente todos os caminhos. Nesta ilusão perigosa, procura emprego com as mais fagueiras esperanças.
          Vê, porém, frustrados todos os seus anseios. Ou porque sua aparência não fosse lá bastante convidativa, ou porque a vida está mesmo apertada, o certo é que não conseguiu nenhuma colocação.
          Assim correm as semanas, as refeições vão-se encolhendo até se transformarem em míseros sanduíches de pão com mortadela, enquanto a cara da dona da pensão vai-se fechando a cada dia que passa. Situação trágica!
          Nesse dia o moço resolve dar o milésimo giro pela zona comercial, a ver se tem mais sorte desta vez. Aventura-se por um supermercado. Fala com o gerente. Oferece os seus serviços. O gerente não o conhece. O candidato não tem referências. Ademais, o salário mínimo subiu, os consumidores retraíram-se, a recessão bate à porta, a crise na Argentina assusta todo mundo: é necessário cortar na carne e, com isso, irá para a rua meia dúzia de funcionários. Voltasse outro dia. Talvez até lá surgisse alguma novidade.
          Desengano maldito!
          O pobre atira-se a todas as casas comerciais. Todas elas têm gente demais. Todas dizem que a tal política econômica do Governo acirrou a concorrência com os produtos importados da China, estão operando no vermelho, e que por isso são obrigados a comprimir despesas, não precisam de mais vendedores.
          Oficinas, bares, lojas de confecções, postos de gasolina, até mesmo um motel, tudo a mesma desculpa: não há vagas.
          E pelas calçadas rescaldantes, frustrado, arrependido de ter vindo para a cidade, caminha o infeliz na sua lentidão desiludida, coração opresso, até que cansado da busca infrutífera, se atira nos braços acolhedores de um banco de jardim.
          Foi então que ela chegou.
          E chegou faceira, cativante, ostentando suas graças e donaires na sedução irresistível das formas bem feitas. Como era linda! Encantadora mesmo! Se o rapaz estivesse a par da linguagem das novelas da televisão, diria que ela estava tentadora. Não conhecia essa linguagem, por isso se limitou a contemplá-la, embevecido, em muda admiração, pois nunca na sua vida ele viu uma beleza igual.
          E a borboleta - pois era uma linda borboleta, dessas grandes e douradas - atraída pelo perfume de rubicunda rosa, voava e tornava a voar, descompromissada, fazendo brilhar ao sol as suas asas de cetim. O divorciado da sorte deixa-se estar a namorá-la, na plácida modorra de um faquir. E então, aos seus olhos incrédulos, por entre as translúcidas asas da borboleta a voar, parece-lhe surgir tênue fumaça, que pouco a pouco se vai adensando até formar um rosto... e esse rosto é o seu!
          Nessa fantástica miragem, vê-se o rapaz transformado em grande ricaço, a exibir o fausto e a ostentação de uma situação privilegiada. A cada volteio da insinuante borboleta, mais e mais o rapaz se aprofunda no seu êxtase. É agora dono de rico palacete num condomínio fechado, centro de reunião de suntuosas festas da fina flor da sociedade local.
          Suas emoções crepitam. Passam-se minutos que lhe parecem séculos, neste deslumbramento de riquezas nunca jamais possuídas. Diante dele espelham-se, realizados, todos os seus mais ardentes desejos, e ele se vê na companhia de outros rapazes, de muitas e muitas moças maravilhosas, simpático, atraente, e com aquele ar desdenhoso e delirante da abastança regalada.
          As translúcidas asas da borboleta dourada transformam-se para o rapaz que sonha num televisor gigantesco, onde as imagens festivas do mundo se sucedem sem parar. O mundo está delirante, as pessoas cada vez mais belas e encantadoras, a cidade sempre mais cheia de magia, e ele entre tudo isto. Que delícia! Como é bom viver!
          O rapaz sonha. Está no auge de sua felicidade, com todos os seus desejos satisfeitos, apaixonado por todas as mulheres, possuidor de todas as comodidades da vida, fluindo todos os prazeres e luxos que só o dinheiro proporciona, quando um estudante, que enforcara a chata aula de Matemática, também avista as fulgurações da borboleta dourada!...
          Na ânsia de colher novo espécime para sua coleção, corre para ela, persegue-a, alcança-a, dá-lhe com o livro, derruba-a na grama verde do jardim. E, com ela, derruba também as falazes quimeras do infortunado sonhador!
 
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          O pobre moço vê destruída, de um golpe, toda a sua felicidade.
          Já agora o tortura o aguilhão da fome. Procura algumas moedas esquecidas no bolso. Nada. Vazio. E, melancólico, frustrado mais uma vez, roendo dolorosamente as unhas maltratadas, ergue os olhos para o horizonte longínquo, procurando, quem sabe, uma outra borboleta dourada que venha lhe trazer, por mais alguns instantes, outros retalhos de mentira à sua vida inútil e miserável!...

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