quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A PARÁBOLA DA ESPERANÇA


                   - "Amsterdam, sexta-feira, 26 de maio de 1944.
                   Mais de uma vez tenho-me perguntado se não teria sido preferível para todos nós não nos escondermos, e estar juntos a esta hora, do que passar toda esta miserável situação, sobretudo por causa dos nossos protetores que, pelo menos, não estariam em perigo. Mesmo que esta idéia nos faça recuar, amamos ainda a vida, não esquecemos a voz da natureza, esperamos, apesar e contra tudo."
                  Terça-feira, 6 de junho de 1944.
                  A mais bela coisa do desembarque dos aliados é a idéia de me tornar a  reunir a meus amigos. Tenho sentido a faca na garganta e, oprimidos há tanto tempo por esses horríveis nazistas, não podemos impedir-nos de estar impregnados de confiança, pensando na salvação de nossos amigos.
                 ...Margot diz que talvez eu possa enfim ir à escola em setembro ou outubro."

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                 Até aqui o diário de Anne Frank, que era judia e teve de se esconder durante meses, nos fundos da loja de uma pequena casa holandesa, na segunda guerra mundial.
                 Foi num livro de imagens consagradas a Israel que encontrei o texto acabado de citar, e que mais tarde, li integralmente no "Diário de Anne Frank", então publicado. Nesse livro de imagens, em página inteira, vem a fotografia de uma menina, levando na mão estendida um pinheirinho, um dos seis milhões que a juventude plantou nos arredores de Jerusalém, floresta de mártires, floresta dos seis milhões de judeus mortos pelos nazistas, e que o deserto fez reviver.
                Essa menina parece pensar em Anne Frank, da qual um texto que li mais tarde me informou que ela não foi à escola, porque morreu num campo de concentração, em Bergen-Belsen.
                A cabeça da menina está ligeiramente voltada para quem olha; à sua direita vê-se o braço de um rapaz, levando também uma muda de pinheiro.
                Ela tem o corpo envolvido em roupas pesadas, por cima da calça masculina; apenas um leve lenço lhe feminiza o perfil. Suas feições são pueris e sérias, porque os jovens de sua geração cresceram depressa. Os lábios são pequenos e carnudos. Seus olhos é que nunca se esquecem: muito abertos, calmos e sombrios, olham.
               Ali está a esperança que nasce, inscrita num gesto, e cantada pelo profeta Ezequiel, quando disse:
               - "Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eis que eles dizem: Os nossos ossos secaram e pereceu nossa esperança... Assim diz o Senhor: Eis que eu abrirei as vossas sepulturas, e vos farei sair dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos trarei à terra de Israel."
               Que terra de Israel Anne Frank encontrou neste mundo? Eis a pergunta que nos faz esta jovem judia, porque o povo de Israel, ontem como hoje, é a imagem mais nua, mais miserável e mais verdadeira, da condição de homens e de mulheres neste nosso mundo de contestações,  de violências e de terrorismos sem freio. É a pergunta também que nos fazem os milhões de pessoas que morreram, e ainda morrem, hoje, cativos e aflitos, em seus corpos ou em suas almas.
               - "Que fizestes das esperanças dos homens e das mulheres? Que fizestes do Senhor, esperança do mundo?"
               Nós vivemos numa época incomparável e grandiosa, porque rica em possibilidades e em perigos. Mas se ninguém for capaz de se colocar à altura das suas exigências, ela poderá converter-se na era mais miserável da história, marcando penoso retrocesso da humanidade.
               Entretanto, a Criação inteira espera; NOS espera.
               E estaremos nós prontos para apostar tudo pela salvação dos homens, das mulheres e principalmente das crianças do mundo inteiro?

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Aroldo Teixeira de Almeida - bacharel em Teologia e Filosofia
Licenciado em Língua Portuguesa e Francesa, pela Pontifícia Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC
Professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense
Tem dois livros publicados: "Páginas Esparsas",  e "Capitu".

 

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