Charles Moeller, escritor belga, na sua monumental obra em três volumes, "Littérature du XXe. Siècle et Christianisme", estudando Bernanos, romancista francês, chama-o de "profeta da alegria". De minha parte, lendo os livros publicados por Georges Bernanos: "Sob o sol de Satã", "O impostor", "Diário de um pároco de aldeia", "O diálogo das carmelitas", e o mais impressionante de todos, "A alegria", tomo a liberdade de ampliar o dito de Moeller, defendendo que Bernanos não é somente o profeta da alegria, mas é um profeta moderno em toda a extensão do conceito. Isto me leva a perguntar: qual é a fonte, qual é o segredo dessa inesgotável alegria que perpassa toda a obra de Georges Bernanos?
Com seu olhar profundo, o olhar de uma penetração fulgurante como eu o vejo nas suas fotos, ele parece abrir ao mundo as portas da eternidade. Lendo-o, somos forçados a mergulhar-nos no verdadeiro desafio de nossa vida, conforme diz ele no "Diário": -"Se as nossas felicidades são com frequência unicamente terrestres, nossas desgraças são sempre sobrenaturais." Suas mensagens não são apenas romanescas - foi excelente romancista - mas colocam-se entre aquelas que me parecem terem sido as mais trágicas do século XX, embora uma formidável força de alegria irrompa de todas elas, porque o mistério de toda a sua obra está centralizado no mistério pascal. Na morte e na vida.
É verdade que muitos críticos tecem acerbas considerações sobre sua produção literária, como também irrita muitos leitores, que o consideram mais um jansenista do que um escritor católico. Esta crítica eu a considero sem muita consistência porque, se lhe desculparmos certa empolgação de linguagem, uma certa concepção do sobrenatural muito particular e sem grande ênfase na sua transcendência, em todo caso é preciso ressaltar a autenticidade e a catolicidade de suas visões teológicas.
Depois de Graham Greene, com seu esplêndido "O Poder e a Glória", como assinalei num texto anterior, faltava-nos uma voz que nos desse a impressão de sentir, como que com as mãos, a presença do sobrenatural.
Os livros de Bernanos são um retrato autêntico de todas as nossas mais secretas angústias. Mas há também neles uma pletora muito maior de alegria. Aliás, o livro mais tenebroso escrito por ele tem, por paradoxo, o título de "La joie", (A alegria). E ele nos comunica essa alegria em frases como esta: -"Quando eu morrer, dizei ao doce reino da Terra que eu o amei mais do que nunca ousei confessar."
E eu, irmanando-me nesta sua confissão, sinto-me confortado pelo seu vigor viril, porque Bernanos, na sua ira visionária de profeta, pode aparentemente amaldiçoar o mundo mergulhado na apostasia e no pecado, mas é preciso lembrar que por baixo de suas maldições esconde-se uma ternura imensa por este universo criado por Deus, e que ele o vê transfigurado pela Graça Divina.
Voltando à frase em que Bernanos diz ter amado a Terra mais do que ousou confessar, é necessário acrescentar, com ele, que esta Terra nada seria sem a esperança, que por si mesma pode ser um martírio: -"Em sua mais alta pressão, a esperança acaba por nos consumir."
Concordo que a esperança, num mundo como este em que vivemos, nos martiriza, mas também nos transfigura: ela nos oferta o amor divino em troca dos nossos pobres sofrimentos humanos. É o que transparece deste magnífico texto:
-"Odiarmo-nos é mais fácil do que se supõe. A Graça está em esquecermo-nos. Se todo o orgulho tiver morrido em nós, a Graça das graças será amarmo-nos humildemente a nós mesmos, como não importa qual dos membros doloridos de Cristo."
Assim, todos os sofrimentos do mundo completam, misteriosamente, um retrato, o corpo de Jesus de Nazaré, no qual se esconde a paixão redentora. É por isso que a frase mais bela que se pode encontrar na obra de Bernanos, está, como já disse linhas acima, no livro mais terrível escrito por ele: - "Tudo é Graça."
Lendo-o, somos levados a perguntar-lhe mais uma vez pelo segredo de sua alegria. Ela é um mistério, porque a frase "Tudo é Graça" se encontra no livro "A alegria", em que ele narra a pavorosa agonia de uma jovem inocente, Chantal de Clergerie, a pequena santa a quem tudo roubaram, a inocência, a vida, e até a própria morte. Nestes tempos de violência e terrorismo planetários, Bernanos traz para nós a resposta da Fé ao perturbador silêncio de Deus. É portanto necessário dar a homens e mulheres deste mundo uma esperança que eles porventura ainda não a tenham. Uma esperança para os cristãos que talvez não saibam "a que preço foram resgatados."
A pergunta capital que nos faz Bernanos num de seus livros, e que eu transcrevo aqui, é esta:
- "Sois ou não capazes de rejuvenecer o mundo? O Evangelho é sempre jovem, vós é que sois velhos."
Feito este preâmbulo, se não me faltar tempo, disposição, e principalmente pachorra, pretendo trazer ainda neste blog um estudo mais aprofundado do genial francês, Georges Bernanos, o profeta do século XX.