terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O LIXÃO DA GRANDE METRÓPOLE



            Manchete do jornal:

            - "Pessoas, vacas, cavalos, urubus e cães vadios dividem espaço no lixão do Embocoí".

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            Alguém menos prevenido poderia achar normal semelhante cena, mas, no meu entender, um mínimo de percepção da realidade em que vivem vastas parcelas de nosso povo das periferias da  Capital, marginalizadas e desassistidas pelos poderes públicos, nos diz que o quadro é tremendo.
            Quando os primeiros caminhões da coleta do lixo urbano nem bem acabam de descarregar no lixão da metrópole , numa imitação trágica das histórias da carochinha, eles vêm, não se sabe bem de onde. Uns "moram" por perto, outros vêm de longe, chegam, encostam carrinhos ou abrem sacos, e começa a disputa: de um lado, seres humanos, ansiosos e tristes; do outro, urubus e cães vadios, famintos.
            Os bandos de urubus e de cães ficam à espreita. Descarregados os caminhões, eles avançam sobre o lixo; os enormes veículos não os assustam. Então aparecem os perigosos concorrentes: crianças, jovens, adultos, velhos, todos irmanados na ânsia de colher alguns restos que lhes proporcionem um minguado dinheirinho para as necessidades do dia-a-dia. Ávidos, começam a procurar e a catar. Tudo serve: restos de comida, latas, ferro velho, papel, garrafas descartáveis, latinhas de cerveja, plásticos, papelão. Qualquer coisa que possam comer ou vender. É o espetáculo gratuito da miséria.
            Assustando as aves da carniça e os cães, espantando-os, os párias da celebrada Capital "fuçam", como porcos, a imundície. Armados de paus e pedras espantam os cães e os urubus que tentam roubar-lhes o pouco que esperam recolher. Quando já conseguiram o suficiente para vender no ferro-velho ou nos depósitos de recicláveis, correm para trocar por míseros reais o que a busca lhes proporcionou.
           Outros, com menos sorte, depois de seguidas vezes mexendo e remexendo o grande amontoado de lixo, sentam-se sobre a sujeira, contemplando-a desiludidos, até que os tratores da Prefeitura venham fazer o seu serviço, esparramando-a e cobrindo-a de terra.
           A poucos passos do grande palco onde se representa o mais vergonhoso drama da vida real, erguem-se os barracos de mais uma das centenas de invasões de que sofre a metrópole. Das portas, mulheres encarquilhadas, mais pela fome crônica do que pela idade, contemplam seus maridos e filhos na árdua e triste batalha com urubus e cães vadios.
           Nada mais as impressiona. Quem mora em favelas ou em áreas de invasão acostuma-se a assistir a qualquer dessas cenas sem se emocionar. Crianças desnudas de ambos os sexos, brigas, palavrões atirados em altas vozes, pragas e imprecações são comuns no linguajar de adultos, adolescentes e crianças. A ingenuidade, a pureza e a delicadeza de sentimentos não existem, desde os mais tenros anos, para aquelas pobres vítimas da sociedade globalizada e egoísta.
           Quantas vezes, após uma busca prolongada, que resultou infrutífera, uma frágil menina-moça ou um garoto ainda imberbe aceitam o convite de um dos malandros que de longe os observam, e daí a pouco haverá um ou mais jovens a perambular pelas ruas da Capital, nos caminhos da prostituição ou do tráfico de drogas.
            Este é o espetáculo da marginalização, da miséria e da fome, à sombra dos arranha-céus da celebrada metrópole paranaense, cantada em prosa e verso pelos poetas de ocasião.
            Diante de quadros como este, compreendo melhor o grito de revolta e de incontida indignação do grande romancista e polemista, além de cristão dos bons, que a França nos legou, Léon Bloy:
            - "Ah! Se torcessem vossas roupas de grife, elas haveriam de sangrar! Se espremessem esse automóvel de luxo e vissem como foi adquirido, vocês o achariam feito do pão arrancado à boca dos pobres. Quando recordamos que é preciso que uma criança sofra fome e frio num barraco gelado, para que uma menina cristã e rica desfrute das delícias de uma boa mesa junto à lareira, como nos custa esperarmos a justiça de Deus!"
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Aroldo Teixeira de Almeida é licenciado em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
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