sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O MEU TÁXI E EU


            Nestes meus sofridos 79 anos de idade, em Barbosa Ferraz, querida cidadezinha do interior paranaense onde residi por trinta anos, três carros passaram pelas minhas mãos de motorista bisonho e desastrado: um fusquinha 63 vermelho, depois trocado por uma Brasília também vermelha, pois a família era grande e o fusquinha não dava conta do recado. Não sei o destino da Brasília, só sei que eu não mais a possuía e, precisando de outro carro, adquiri um Uno, novinho em folha, e ele serviu bem à família, até que meu falecido filho Júlio o destruiu, numa batida que não deu para aproveitar nem os restos mortais do veículo.
            Não sei por que cargas d´agua, mas noites atrás sonhei que era motorista, mais propriamente motorista de praça, Pois é, sonhei que era motorista e estava para sair com meu táxi. Eu o chamo de meu porque o comprei e paguei, e muito mais pelo amor que tenho a ele, pois é quem dá o pão de cada dia a mim e à minha família.E saibam que é um pão muito sofrido e suado!
            Pois é, foi um sonho, dentre muitos que costumo ter e anotar para a posteridade. Sonhei que ia sair com o meu táxi, pois preciso, antes de tudo, ganhar e reservar um dinheirinho para pagar o seu financiamento junto à Caixa. Além do combustível, pneus e manutenção, e só depois é que poderei cuidar do feijão e do arroz do dia-a-dia de minha família.
            Antes de sair com ele, costumo sempre fazer uma prece ao santo de minha devoção, São Cristóvão, para que eu não perca a cabeça e não faça a loucura de sair por aí em disparada, arriscando-me a morrer e a matar...
            Por mais cansado que eu esteja, com os nervos rebentando, que meu santo me ajude ainda a ser delicado com os eventuais passageiros, mesmo que receba grosserias deles... em lugar de uma bem merecida gorjeta!...
           Que São Cristóvão livre a mim, e aos meus companheiros, de assaltos de malfeitores que além de levarem nossa féria, rebentam nosso carro quando nos deixam com vida...
            Que eu dirija com atenção e ainda me defenda dos que não sabem dirigir, principalmente se forem mulheres... Que eu jamais atropele ninguém, nem mesmo animaizinhos, como cachorros vadios, terror de muitos motoristas por aí...
            Que eu tenha o maior cuidado com idosos e com crianças à saída da escola. Mas, Senhor, livra-me de muito pedestre  que tem a imprudência de atravessar ruas movimentadas sem prestar a mínima atenção ao tráfego de veículos. A cidade, para o meu gosto, está cada vez mais ficando quase impossível de guiar.
            Há momentos em que o tráfego fica de tal modo engarrafado, que só pedindo de novo paciência ao meu São Cristóvão prá não perder a calma e não fazer alguma besteira...
            Mas o que eu te peço mesmo, meu santo, é que dirigindo meu carro, eu aprenda a dirigir minha vida, com segurança interior, com calma, sem atropelos... 
            Será que eu vou conseguir ir para o Céu, de táxi?
            Li na minha Bíblia que Você, meu Jesuzinho, andava montado num jumentinho pelas estradas da Galiléia... Então, se por acaso eu Te encontrar na estrada, eu Te peço de joelhos: aceita a minha carona. Está claro que para Você é de graça, e me sentirei muito bem pago por todas as canseiras da vida.
            Aliás, estou me lembrando agora que Você anda sempre no meu velho táxi  -  pois o padre da minha igreja me disse que Você está vivo no meu próximo, em cada cliente que eu atendo:
           É só abrir os olhos e Te descobrir em cada  meu freguês!

                                                 **************************
      
            
               
            
             
             

terça-feira, 25 de agosto de 2015

UM ESTRANHO DESPERTAR



            É domingo, seis horas da manhã. Fico quieto na cama, ouvindo os sinos da Paróquia São Pedro e São São Paulo, cá no Tingui, bairro de Curitiba onde moro, convidando os fiéis católicos para Santa Missa das seis e trinta. 
            Enquanto continuo indeciso, se me levanto ou fico mais meia hora na cama, o grito da passarinhada nas árvores em redor de minha casa faz-me perguntar a mim mesmo: Como é que eles não se cansam de cantar, horas seguidas, enquanto o sol não faz sentir o seu calor e os leve para paragens mais amenas, já que o bairro possui vários conjuntos de arvoredo, sempre cheios de pássaros palradores?
            O grito dos pássaros marcam, como diria o poeta, o "point-vierge" da aurora que surge sob um céu ainda desprovido de luz real. Esse é um momento, para mim, de um temor reverente e de inexprimível inocência, quando o Pai, em perfeito silêncio, parece abrir os olhos da passarinhada para o novo dia que começa, e eles se põem como que a falar-Lhe. Não em um cantar fluente, mas com uma pergunta despertadora que é o estado de aurora deles. Sua pergunta é se chegou o tempo, para eles, passarinhos, de "ser", e o Pai parece responder-lhes que  "sim". Então a legião de pássaros, por todo o arvoredo, desperta, e faz ouvir cada vez mais forte o seu cantar.
           Entretanto, o momento mais maravilhoso do dia que renasce é aquele em que a Criação toda, em sua inocência, pede licença ao Pai para "ser" de novo, como foi, na primeira manhã que uma vez existiu.
           Toda sabedoria procura preparar-se e manifestar-se neste ponto cego e suave do amanhecer. A sabedoria humana é incapaz disto, pois caímos no autocontrole e não podemos pedir licença a ninguém. Enfrentamos nossas manhãs de cada novo dia como homens de propósito sério, pois sabemos a hora e impomos os termos. Está claro que estamos sempre em posição de impor termos, pensamos. Temos um relógio que prova desde o início que estamos certos. Sabemos o que seja o tempo. Estamos em contato com as leis interiores ocultas, e podemos dizer antecipadamente que espécie de dia este deverá ser.
          Em seguida, de for necessário, tomaremos medidas certas para fazer esse dia enquadrar-se em nossas exigências...
          Para os passarinhos, não existe um tempo que conheçam, e sim o ponto virgem entre trevas e luz, entre o não-ser e o ser. Nós é que, em nossa alto-suficiência, podemos calcular a hora pelo despertar dos pássaros, se somos experientes. Mas isso é nossa loucura, não a deles.
         Eles, pois, despertam: primeiro os pardais, barulhentos; mais tarde, as andorinhas festeiras.
      Diante deste fato, um estranho pensamento me vem à mente: o Paraíso nos envolve e não o sabemos. Ou será minha filha Raquel precocemente falecida, e cujo aniversário de falecimento choramos nestes dias, que parece querer comunicar-se conosco?

        

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

SAUDADES DA RAQUEL



          No dia 21 de agosto de 2010, uma hora da madrugada, no Hospital Erasto Gaertner, entregava sua alma ao Pai de todos os pais minha querida e inesquecível filha Raquel, vitimada por insidioso câncer de mama.
          Que Deus a tenha na Sua paz!


                                                             *******************


                                                 Minha filha Raquel, que te partiste
                                                 tão cedo desta vida, descontente,
                                                 repousa lá no Céu, eternamente,
                                                 e viva eu cá na Terra, sempre triste.


                                                                        Se lá no assento etéreo aonde subiste
                                                                        lembrança desta vida se consente,
                                                                        não te esqueças daquele amor ardente
                                                                        que em meus olhos de pai tu sempre viste.


                                                E se vires que pode merecer-te
                                                alguma coisa, a dor que me ficou
                                                da mágoa, sem remédio, de perder-te,

                                                                      Roga a Deus, que teus anos encurtou,
                                                                      que tão logo daqui me leve a ver-te,
                                                                      quão cedo de meus olhos te levou!


                                                        *************************


                  A Raquel separou-se, fisicamente, de nós, mas passou a viver mais intensamente do que nunca com sua filha adolescente Isabela, com seus irmãos Carlos e Aroldo Júnior, e com seus chorosos pais, após seu falecimento em 21 de agosto de 2010, em hospital de São José dos Pinhais, vitimada por insidioso câncer.
                 Numa união misteriosa e singular, no Espírito Santo, comunicada às coisas que deixou e aos acontecimentos do dia-a-dia em que viveu conosco por esse tão curto tempo, a verdade é que ela partiu para a eternidade, mas continua a viver conosco pela dor sem remédio da saudade.
                 Sua morte fez com que a revivamos nos objetos em que tocou, nas vestes que deixou e que nós conservamos com carinho; na lembrança das palavras que com ela trocávamos, nos fatos alegres ou tristes que juntos vivemos, e agora até mesmo nos fatos que se seguiram à sua partida, e que nós lhe comunicamos diariamente na prece, e com ela conversamos como se estivesse ainda viva em nosso hoje solitário lar.
                A morte, destino de todos os agora ainda viventes, a levou, mas a devolveu de novo a nós, banhada pela luz da eternidade com Deus e pela gloriosa certeza de sua ressurreição NA morte, que é a Fé que anima e conforta seus pais, e que os mantém ainda vivos para cultuarem sua memória.
               Continuando viva entre nós, por essa humilde, invisível e misteriosa presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que impregnamos de esperança a nossa saudade, como também a grande alegria da certeza de que ela, na Casa do Pai de todos os pais, passou a velar por nós, agora na plenitude de sua vida com Deus e os santos do Céu.
               Nesta certeza, nós a temos sempre a nosso lado, em nossa vida de cada dia, velando por sua filha Isabela, por seus irmãos, por seus chorosos pais.
          Presença permanente nos trabalhos do dia-a-dia, no silêncio e na solidão das noites, enxugando-nos as lágrimas da saudade imorredoura.
           Se a sua ausência física entre nós enche-nos de uma angustiosa e pungente tristeza, paradoxalmente, pela sua vida plenamente vivida na família e no trabalho, pela sua Caridade ardente por todos que a rodeavam, a certeza inabalável de que ela descansa hoje no Reino de Deus, tudo isto nos enche também de uma radiosa e prazerosa alegria, compensando a dor da separação.


                                                           
                                                       Eu esperei a morte como se espera o Bem Amado
                                                       ignorava quando ela viria
                                                       nem como viria
                                                       mas eu a esperava
                                                       e não havia medo nessa expectativa
                                                       havia somente ânsia e curiosidade
                                                       porque a morte do Cristão é bela
                                                       porque a morte do Cristão é uma porta
                                                       que se abre para lugares desconhecidos
                                                       mas imaginados
                                                       como o Amor
                                                       que nos leva para um outro mundo
                                               
                                                                               como o Amor
                                                                               que nos promete uma outra vida
                                                                               diferente da nossa
                                                                               
                                                      Eu esperei a morte como se espera o Bem Amado
                                                      porque eu sei que em breve ela viria
                                                      e me receberia
                                                      em seus braços amigos

                                                                              Seus lábios frios tocarão minha face
                                                                              e sob a sua carícia
                                                                              eu adormeceria o sono da Eternidade
                                                                              como nos braços do Bem Amado

                                                     Sei que este sono
                                                     será um ressurgimento
                                                     porque sei que a morte é Ressurreição
                                                     é Libertação
                                                     é Comunhão total
                                                     com o Amor Total
                                                    com o Amor Total e Infinito
                                                    do Pai de todas as vida

                                                                            Quero ir para o Último Andar
                                                                            no Último Andar é mais bonito
                                                                            do Último Andar se vê o mar
                                                                            é lá que eu quero morar

                                                  Sei que o Último Andar é muito longe
                                                  custa-me muito a chegar
                                                  mas é lá que eu quero morar

                                                                          Todo o Céu fica a noite inteira
                                                                          sobre o Último Andar
                                                                          é lá que eu quero morar

                                                 Quando faz lua cheia
                                                 no terraço fica todo o luar
                                                 é lá que eu quero morar

                                                                        As andorinhas lá se escondem
                                                                        prá ninguém as maltratar

                                                 No Último Andar
                                                 de lá se avista o mundo inteiro
                                                 tudo parece perto, no ar 

                                                                      É lá que eu quero morar

                                                                                                            Teu pai


                                                         ***************************************

                                                                      Curitiba, 21 de agosto de 2015

                                                                     Saudades de tua filha Isabela
                                                                     Saudades de tua mãe Cida
                                                                     Saudades de teus irmãos Carlos e Júnior
                                                                     Saudades de todos nós
                                                                     Descansa na Paz do Senhor

                                                                 *************************
                                                                   



                                                                                                          
                                  
                  


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

APRENDENDO COM AS ONDAS DO MAR



           Minha família tem a ventura de possuir uma casa à beira mar, no Pontal do Paraná, e que é a grande alegria de minha neta adolescente, a Isabela... Pois parece mentira, mas devo confessar que nunca vi o mar! Minha mulher diz que é por causa de minha alergia à água... E eu acrescento: ela está  terrivelmente muita próxima da verdade!
           Como seria bom se eu também aprendesse com as ondas, como dizem estes meus pobres versos:

                                           Aprendamos com as ondas
                                           que recuam,  
                                           mas para voltar
                                           sem cansaço
                                          sem desistência
                                          noite e dia
                                          enquanto a Mão Divina
                                          não der sinal
                                          de ter sido atingida
                                          a plenitude
                                          das grandes águas vivas

            Diz-me a Isabela que é impressionante como as ondas não se cansam. Vão recuando, recuando, mas de repente, voltam. teimam, insistem. E se há horas de maré vazia, há também horas de maré enchente, de maré cheia...
           Como é grande verdade, que nós temos muita coisa que aprender com as ondas...
           Nestas vésperas de entrar nos meus sofridos oitenta anos de idade, aprendi como é triste desanimar na primeira dificuldade. Tentei aprender inglês, ou vencer uma boa partida de xadrez, ou deixar de lado a preguiça, e fazer uma saudável caminhada pelo bairro toda manhã... 
          Quanto tempo perdido! O certo é que sempre desanimo na primeira dificuldade. Não me passa pela cabeça que, se não consigo de uma vez, tenho de repetir, dez, cem, mil vezes, se se fizer necessário.
          Consola-me o fato de que, além de mim, há muitos maridos que juram de pés juntos que vão deixar de lado o vício do jogo, e tantas vez falhou. O filho mais velho parecia que ia tomar jeito e botar a bebida de lado, e chega em casa, uma noite, amparado por dois companheiros de botequim...
          Li na Bíblia Sagrada que o Apóstolo Pedro perguntou a Cristo se era uma boa conta perdoar sete vezes... E Cristo comentou:  Que sete vezes, Pedro! Perdoa setenta vezes,sete, o que, na linguagem do Mestre, queria dizer:
         - "Pedro, cada vez que houver uma sombra de arrependimento e de boa vontade, perdoa sempre, sem medir, nem contar"...
         Nosso povo, na sua sabedoria inata, costuma repetir que "papagaio velho não aprende a falar".
        E isto serve de desculpa a muita gente que começa a aprender e logo desanima. Concordo que o papagaio velho não aprenda. Mas Gente séria, quando se decide, não há idade que atrapalhe.
        Há quem se desculpe diante de faltas cometidas: "Eu sou assim. Minha natureza é esta. Quem me quiser, tem que ser assim; não vou mudar"...
        Até onde estou querendo chegar? Muito simples: a provar que quem começa, recomeça e torna a recomeçar; quem não desanima, e teima, e insiste, e não desiste, essa pessoa acabará vencendo...
        E é para provar esta verdade, que torno a repetir os versos que iniciaram este blog:

                                                 Aprende com as ondas
                                                 recua
                                                 mas para voltar
                                                 para insistir
                                                sem cansaço
                                                sem desistência
                                                noite e dia
                                                enquanto a Mão Divina
                                                não der sinal
                                                de ter sido atingida
                                                a plenitude
                                               das grandes águas vivas!

                                  *********************************

(Na próxima semana faz cinco anos que minha inesquecível filha Raquel partiu prematuramente para a Casa do Pai de todos os pais, vitimada por insidioso câncer. Um momento de prece por ela com toda certeza trará ao prezado leitor a benevolência do nosso Deus! Que assim seja. Amém!

                                 **********************************


          

                                          




         


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

FELIZES OS QUE SONHAM - SEJAMOS SONHADORES



            Entre as bem-aventuranças de Cristo,  creio que caberia também esta, que tomo a liberdade de propor: - "Felizes os que sonham, pois alimentarão a esperança de muitos, e correrão o doce risco de ver, um dia, seus sonhos realizados'1... 
            A frase não é minha, mas do saudoso Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, numa conferência por ele feita na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, quando ali eu me bacharelei em Teologia Sistemática.
            A propósito, lembro do escritor predileto de meus tempos de juventude, o "feiticeiro" Júlio Verne, que em seus livros, que devorei, "sonhou" com várias invenções que, mais tarde, se concretizaram... Sonhou com o balão dirigível, avô dos aviões de hoje; sonhou com os submarinos... Ele tinha ânsias de subir às nuvens e de descer às profundezas dos mares...
            Com isso, guardo a impressão de  que todas as grandes ânsias do Homem e da Mulher, todos os nossos grandes sonhos, mais hoje, mais amanhã, tenderão a realizar-se.
             Voar era sonho que, há séculos, acompanhava a Humanidade. Hoje, a gente dorme e sonha com naves interplanetárias, que talvez não sejam mais sonhos, mas fantástica realidade, que assistimos diariamente pela TV...
              Antes de surgirem os astronautas com suas viagens espaciais, eu as antecipava nas histórias em quadrinhos e nos filmes para´científicos, que eram minha coqueluche em tempos já perdidos no tempo e no espaço!... Que saudades  dos "gibis" de antanho, que me valeram muitas surras de meus pais, que tentavam retirá-los de minhas mãos, pois se tornaram um vício na minha adolescência!
              Confesso que eu me vi uma criança decepcionada ao assistir, pela TV, a chegada efetiva do Homem à Lua... O filme para-científico já me mostrara um desembarque muito mais vivo e muito mais interessante...
              Hoje, às vésperas do meu octogésimo ano de vida, tenho pena daqueles que se amarram a dados, a estatísticas, números, e só acreditam no que vêem, pesam, medem tocam... Isto, e só isto, é que lhes parece objetivo e científico... perderam os sonhos da primeira infância!
               Daí o alarme em que ficam os economistas que são pura e simplesmente economistas. Conhecem as reservas de petróleo existentes nas profundezas dos mares... indicam com precisão matemática quando essas reservas vão acabar... E fazem o mesmo com as principais riquezas da Natureza.
               Felizes de quem preza os estudos, os números, os dados, as estatísticas, as pesquisas científicas. Mais feliz de quem completa, com o sonho, a parte de realidade que nossos sentidos conseguem registrar.
              Feliz de quem conta com as surpresas. E com o imprevisto. E com os anseios e sonhos do espírito humano, sempre a muitos passos adiante da realidade.
              Quem poderia imaginar que, dentro do átomo, dormisse uma força como a energia nuclear que, infelizmente, pelo mau uso dela, chegamos a destruir cidades inteiras, como fizemos com Hiroshima, no Japão?
              Quem poderia supor as riquezas imensas do fundo do mar?...
              Quem pode prever o que o Homem descobrir nas suas rodadas esplêndidas pelas estrelas?...
              Não me cansarei de repetir sonhos que eu desejo se tornem sonhos de todos nós para que, sem demora, se transformem em maravilhosa realidade:
              - Sonho com o final das guerras! Sonho que um dia vencerá o bom senso, e o Homem deixará de preparar a destruição total da vida na Terra...
              - Sonho com um mundo mais justo e mais humano, sem Vencidos nem Vencedores; sem Oprimidos nem Opressores...
              E rezo, com toda a minha alma:
              - "Espírito Santo de Deus, envia sonhos ao Homem e à Mulher de nosso tempo! Não sonhos enganosos, alienados e alienantes. Envia sonhos, belos sonhos que, amanhã, se transformem em feliz e grandiosa realidade!..."

                                                  ****************************

Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

                                                 ****************************
            

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

VIAGEM AO REDOR DE MIM MESMO


                   O que vou narrar hoje neste meu blog aconteceu na então pequenina cidade de Caldas, sul de Minas Gerais, quando eu deveria ter sete ou oito anos de idade.
               Minha mãe foi para trancar a porta da sala, mas cadê a chave? Não estava onde normalmente ela deveria estar. E não é que minha mãe cismou que fui eu o causador da perda de tão valioso objeto?
                    Exigiu, então, que eu virasse pelo avesso os dois bolsos de minha calça e os dois bolsos da jaqueta com que eu estava me protegendo do frio.
                      Quanta coisa saiu de dentro! Tudo, menos a maldita da chave.
                    À medida que eu ia esvaziando meus bolsos, mais minha mãe foi ficando furiosa com o que lhe parecia bugiganga que via saindo bolsos a fora...Aí me dei conta de como é difícil para os adultos entenderem as crianças!
                    Um carretel vazio! Como é que minha mãe podia lá entender que parecia carretel, mas era telefone eletrônico a usar na travessia dos desertos, quando por lá eu viajasse, encarapitado num belo e vistoso camelo, como nos filmes de Tarzan?...
                     Um pedaço de cordão!... Como é que a gente grande podia aceitar que não se tratava de um simples cordão, mas de corda mágica a ser estendida de montanha a montanha, ou por cima das águas quando fosse preciso atravessar rios caudalosos?
                      Algumas pedrinhas de tamanhos e cores diferentes: aqui é que a gente grande ia mesmo torcer o nariz, sem poder de modo algum acreditar que eram pedaços da Lua, a mim oferecidos por um astronauta de passagem pela cidade!...
                      Vendo sempre mais sair de dentro dos bolsos as coisas mais absurdas e inesperadas, menos a maldita chave da porta, minha mãe viu aparecer um guizo, não se conteve e disse de modo mais maneiroso:
                      - "Afinal, uma coisa que eu entendo... Guizo! Você merecia andar de guizo no pescoço, nas mãos, nos pés, e onde mais o Diabo quisesse, seu palhaço!..."
                      Confesso que fiquei triste, e quase ia lhe dizendo que se tratava de um guizo mágico, trazido por algum peixe do fundo do mar...  ou então um guizo que espanta a tristeza e atrai muita alegria... Tive vontade de lhe dizer isso, mas me calei, certo de que ela não ia entender. Gente grande é mesmo tão difícil de entender as coisas mais simples de que um garoto gosta...
                      Ainda consigo me lembrar que mais coisas saíram do meu bolso:  Vários grãos de milho e algumas sementes não me lembro de quê, um prego, um pião, três ou quatro bolinhas de gude, um recorte de jornal com a foto da Marta Rocha...
                      As bolinhas estava na cara que eram para uma disputa com os moleques do bairro... O pião devia ser o campeão de dança do mundo dos piões... os grãos de milho e as sementes, quem tiver imaginação criadora, logo perceberá que eles bem plantados darão nascimento a tudo o que se quiser...  até pamonha quentinha pronta para se comer...
                      O prego! Ora, o prego: mas que mania mais besta de querer explicação para tudo!... Por que não deixar o prego para alguma surpresa mais tarde?... Vai ver que antes da noite ele vai ser usado e aproveitado pelo menos uma meia dúzia de vezes...
                      Seria o cúmulo da besteira se minha mãe me perguntasse a razão da presença do retrato da Marta Rocha no meu bolso!...
                      De toda essa história estapafúrdia, uma lição eu consegui tirar para o resto de minha vida: que paciência as crianças precisam ter com esses ignorantes, que é a gente grande!

                                                  ***************************

Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e de Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

                                                ****************************
                      
                    

sábado, 1 de agosto de 2015

VIVER É MUITO PERIGOSO!... POR CAUSA DA MESMICE...



            Faz já muito tempo que não releio o "Grande Sertão, Veredas", volumoso e belo romance regionalista de Guimarães Rosa. Mas me lembro sempre daquela frase misteriosa que ele punha nos lábios de Riobaldo, o herói da narrativa: - "Viver é muito perigoso!"
            De fato. Nestes meus sofridos setenta e nove anos de idade, há momentos em que tenho a impressão de que me cansei de viver, e assalta-me a vontade de partir para a morada do Pai de todos os pais... Mas é um pensamento passageiro, pois sei que tenho responsabilidades nesta vida, principalmente cuidar de minha esposa, quase sempre doente, e de minha neta adolescente e órfã de mãe, a Isabela, de quem procuro cuidar com o maior desvelo.
            Certo, contudo volta e meia, diante de tantos problemas  que surgem nas estradas da vida, lá me vem a frase do jagunço Riobaldo:  "Viver é muito perigoso!" E fico a matutar com os meus botões:
            
                                                        "Quem de nós
                                                          tem direito de estranhar
                                                          que o trem e os bondes
                                                          se irritem,
                                                          se rebelem,
                                                          se descarrilem?..."

            O problema é que o automóvel (já tive três), o ônibus, o caminhão, não se prendem a trilhos, nem a lanças, e a fios...
           Você, meu ilustre leitor, já pensou como deve ser monótono ir e vir sempre pelo mesmo caminho, sempre pelos mesmos trilhos, sem poder afastar um palmo, nem para lá, nem para cá?...
            O cansaço dos bondes e dos trens é o cansaço dos que devem enfrentar todos os dias, os mesmos ambientes, as mesmas caras, as mesmas vozes.
            O cansaço dos bondes e dos trens é o cansaço dos que têm o trabalho monótono, sempre igual, sempre o mesmo, o mesmíssimo...
            Lembra-se de Charles Chaplin, o querido Carlitos do cinema, que imortalizou a crítica à sociedade que obriga, muitas vezes, o homem a um só gesto, como apertar um parafuso de uma peça em construção?
            Pois é, a parte dele na fábrica é só aquele parafuso, na qual ele deve dar aquele aperto oito horas por dia. Acaba ficando com o trejeito de apertar o parafuso, mesmo quando já saiu da fábrica, e caminha pelas ruas, para casa... sempre no gesto de apertar parafusos!
            Como deve ser monótono o dia todo mergulhar as xícaras de café em água quente, escaldá-las, pô-las no balcão para que outro colega nelas derrame o café para os fregueses... No meu tempo de faculdade de Teologia, meu professor de Ética, o saudoso padre Araújo queixava-se sempre, nas aulas que nos ministrava, como é grande a monotonia do sacerdote confessor, ao ficar horas e horas no confessionário, ouvindo sempre os mesmos pecados, dias, semanas, meses, anos!...
            Voltando ao bar, em geral os fregueses nem pensam no cansaço de quem os serve, nem pensam na monotonia de quem o dia todo escalda xícaras ou enche as xícaras de café...
            Graça maravilhosa, e que só Deus nos pode dar, é a de vencer a rotina e fazer tudo como se fosse a primeira vez.
            Ver todos os dias o mesmo rosto, ouvir as mesmas vozes, circular nas mesmas salas, contemplar as mesmas paisagens, é correr o risco de adoecer de "mesmice" -  o mesmo, sempre o mesmo: a mesma, sempre a mesma.  -  Se Deus não ajudar  -  acabamos caindo na "mesmice..."
            Peçamos a Deus olhos de crianças! Procuremos ver todos e ver tudo pela primeira vez. Pensando bem, tudo é novo cada manhã. Eu próprio sou o que era ontem mais a experiência que ontem adquiri, e pronto para as surpresas que o dia de hoje vai me apresentar...
            Creio que o mesmo acontece com todos e com tudo em volta de mim... A luz que desce do alto, hoje, não é a que ontem me banhou com seus raios. O vento frio curitibano que passa assoviando, pelos meus ouvidos, assanhando-me os ralos cabelos de minha cabeça,  é o irmão do vento de ontem, mas não é o mesmo de ontem.
            Meu benévolo leitor, que me dá a subida honra de ler as minhas "mesmices", divirta-se em descobrir os aspectos novos de tudo o que parece sem mudança...
            Faça como os santos, como Francisco de Assis, alegrando-se ao descobrir como a Criação de Deus, com a colaboração de Você, de mim, e de todos os homens e mulheres, recomeça cada dia, é nova Criação cada manhã, e renasce cada madrugada de nossa vida!


                                                         *********************

Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo, e professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.
Tem dois livros publicados: "Páginas Esparsas" (ensaios) e "Capitu", (relendo Machado de Assis).

                                                       **********************

Neste mês, em 21 de agosto, faz 5 anos que minha filha Raquel partiu para a Casa do Pai de todos os pais. Que ela descanse na paz do Senhor.
Saudades de sua filha Isabela e de seus pais, Cida e Aroldo.

                                                         **********************