sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

AOS MEUS FILHOS E NETOS



            "Como um sopro se acabam os nossos anos. Pode durar setenta anos a nossa vida; os mais fortes talvez cheguem a oitenta."  (salmo 89).
            Foi meditando nestas palavras do salmo 89, que rezo diariamente na "Liturgia das Horas", é
que  me decidi a escrever-lhes esta carta, parafraseando, aliás, uma outra escrita pelo professor Afonso Antoniuk. Ele, com certeza, é também pai e avô, e por isso compreenderá o por quê eu me atrevi a imitá-lo.
            Em janeiro entro no meu octogésimo terceiro ano, dentro, portanto, dos limites estabelecidos pelo salmista. Sendo assim, talvez muito em breve, ou talvez com maior demora, quando este velhote meio careca já não for o mesmo, peço-lhes a caridade de terem comigo um pouco mais de paciência e compreensão.
            Quando eu derramar sopa ou café na roupa, ou esquecer de amarrar os cordões dos também velhos sapatos, lembrem-se das muitas vezes em que passei um bom tempo mostrando a vocês como amarrar os seus.
            Quando amigos e vizinhos vierem conversar comigo e vocês me ouvirem repetir sempre as mesmas histórias de antigamente, e que vocês já sabem de cor e salteado como é que terminam, não me olhem com olhos gozadores, nem me interrompam. Lembrem-se de que, quando eram pequenos,
à beira de seus leitos eu lhes contava centenas de vezes a mesma história do Chapeuzinho vermelho e do lobo mau, até que o sono chegasse, e vocês conseguissem adormecer. Sem esquecer, é claro, que muitas vezes eu me atrevia até a cantarolar com voz desafinada ingênuas cantigas de ninar, quando o sono lhes custava a chegar.
            Quando me virem embasbacado e ignorante diante da parafernália eletrônica que hoje é café pequeno para vocês, tenham paciência e não me lastimem com sorrisos zombeteiros. Lembrem-se de que fui eu quem lhes ensinou as primeiras letras e a vencerem os obstáculos da vida, como agora vocês o fazem muito bem, manuseando com maestria teclados de computadores, engenhosos celulares ou cordas de guitarras elétricas.
            Quando eu for à igreja e demorar muito a sair de lá, atrapalhado entre os bancos ou porque me foi difícil encontrar a saída, sejam pacientes e saibam que dezenas de vezes me dirigi a esse lugar santo para pedir a Deus que nunca faltasse nada aos meus filhos e netos, nem alimentos, nem passeios, nem divertimentos sadios, nem tudo aquilo que pudesse dar-lhes alegria e torna-los contentes e felizes.
            Quando me faltarem as pernas no caminhar, e nem a bengala conseguir manter-me em pé,
deem-me suas mãos para ajudar-me a trocar os passos, como eu fiz com vocês para ensiná-los mais depressa a andar.
            Se porventura eu molhar ou sujar as roupas íntimas por conta da incontinência própria da velhice, não me censurem, pois quantas vezes eu ajudei sua mãe ou avó a trocar as fraldas sujas ou molhadas de vocês...
            Peço-lhes agora, e isto é muito importante para mim, perdão pelas minhas constantes ausências naqueles tempos já distantes em Barbosa Ferraz, vocês ainda crianças, ir e voltar do trabalho, manhã, tarde e noite, deixando-os dormindo de manhãzinha e encontrando-os adormecidos à noite, isto me fazia sofrer muito. Mas deveu-se à luta pela subsistência e para conseguir, com meu trabalho diuturno, proporcionar-lhes o melhor, o que nem sempre foi possível fazer, e aqui também lhes peço compreensão.
            Quando me ouvirem dizer que estou cansado  da vida e que me custa muito carregar nas costas oitenta e dois anos de idade, não fiquem zangados nem tristes, pois algum dia vocês entenderão que o que digo não contradiz o carinho e o amor que sempre tive por vocês.
            Não fiquem chorosos ao me verem encurvado e trêmulo, muitas vezes perdendo o equilíbrio e desabando no chão, deem-me as mãos, ajudem-me a levantar e me amparem, como eu os acompanhei em suas caminhadas, e eu lhes devolverei gratidão e sorrisos pela atenção que tiverem comigo.
            E se eu, em consequência da idade, começar a esquecer os seus próprios nomes e até a confundir uns com os outros, por caridade, nunca se esqueçam de mim!...
           
            Seu pai, e seu avô, Aroldo.

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sábado, 18 de novembro de 2017



                                             Darcy minha irmã
                                             quarenta e quatro anos
                                             Raquel minha filha
                                             quarenta e três anos
                                             ambas meus dois amores

                                              morte e vida severina
                                              
                                              ambas na minha memória
                                              Darcy
                                              numa mesa de cirurgia plástica
                                              procurando mais vida
                                              na vida encontrou a morte
                                             
                                               morte e vida severina

                                              Raquel
                                              num hospital a sofrer
                                              lutava contra a morte
                                              mas lutando contra a morte
                                              na morte encontrou 
                                              a Vida  eterna 
                                                
                                               morte e vida severina

                                              Darcy e Raquel
                                              ambas meus dois amores
                                              descansem na Casa do Pai
                                              do Pai de todos os pais

                            


                              
                               

                                  

                                             


                                       




                                             

                                              
                 
                                             
                                             
                                              
                                             
                                            

                                             

                                                                                          


                                  

                                             


                                             
                                             



                                           

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

CUIDAR DE QUE OU DE QUEM?



                  Eis aí uma questão que nos obriga a refletir:  a Caridade nos convoca a estarmos sempre prontos a atender às necessidades de todos quantos nos rodeiam, sem distinção de classe, de cor, de religião. Como quer que seja, somos todos irmãos em Cristo, e responsáveis cada qual pelas necessidades e carências de cada um.  Neste sentido, o desafio prático do cuidado com o outro consiste na determinação de seu objeto. Que valor, que pessoa, que causa, que bem, merece o esforço pessoal de nosso cuidado?
                 Por vezes a perspectiva da retribuição facilita a escolha, quer haja apenas reciprocidade ou até mesmo lucro. Muitos fenômenos de nossa vida de cada dia podem ser analisados do ponto de vista do cuidado: expressam escolhas de objetos privilegiados por e para nosso cuidado com o outro.
                 Como quer que seja, o preceito é amar o  próximo como a si mesmo, onde e como ele estiver, e amar a Deus conjuntamente.
                  A humanidade, no fundo, não mudou muito depois do poeta latino da antiguidade romana, Ovídio, que estudei nos tempos de ginásio, e que em seus escritos dizia que "a humanidade não mudou muito, porque o que conta sempre é o poder do dinheiro. Ele consegue honras, ele consegue amizades e, com isso, o pobre é sempre pisoteado."
                  O crente piedoso reza sem saber como se entrosam o cuidado que cabe a nós e o cuidado para com o divino. A oração de pedido, muito exercida entre nossa gente, entende pressionar o cuidado divino num sentido que sempre nos pareça favorável, esquecendo-se de que o cuidado divino em resposta à nossa oração de pedido não toma obrigatoriamente a forma de milagre contrário às leis naturais quando atendido.
                  Diz-nos o catecismo que Deus age normalmente pelo jogo normal da natureza, de modo que o mesmo acontecimento pode, de um certo ponto de vista, explicar-se cientificamente e, de outro ponto de vista, ser atribuído pelo crente à vontade de Deus, no plano da oração de pedido e de ação de graças.
                 De qualquer maneira, o cuidado brota num contexto de solidariedade. Seu horizonte terrestre, humano, é a justiça e a paz. Muitos, entretanto, não conseguem ver que a paz, como todo bem, possui seu preço a pagar, pois resulta em benefício pessoal, este interesse pessoal sem o qual a maioria das pessoas não é capaz de levantar um dedo.
                Frequentemente se esquece que  cuidar das coisas que se referem a Deus, cuidar da terra, cuidar do próximo, é também cuidar de si mesmo, tarefa de toda uma vida.
                É sempre bom pensar nisso de vez em quando.

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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O PROBLEMA DO MAL E O DILEMA DE EPICURO



            "Ou Deus quer eliminar o mal do mundo, mas não pode, ou pode, mas não quer eliminá-lo, ou não pode nem quer; ou pode e não quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode  e não quer, não nos ama; se não pode nem quer, não é o Deus bom e, ademais, é impotente. Se quer e pode - e isto é o mais seguro - então, de onde vem o mal e por que Ele não o elimina?",  (Epicuro, apud Lactâncio,  in "Ira Dei" - "A ira de Deus)."


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            Nesse livro, escrito provavelmente em 313, Lactâncio adverte os partidários de Epicuro de que Deus não é somente bondade, mas também é justiça vindicativa contra os maus.
            Antes de entrar no tema em foco, peço licença ao benévolo e eventual leitor, para uma ressalva: quando,  pelas minhas colocações, pareço atribuir a Deus a responsabilidade pela presença  do mal físico e moral no mundo,  ou uma alusão mais desairosa à Igreja,  isto não representa necessariamente, e em sua totalidade, o que penso a respeito. Minha intenção é provocar uma reflexão mais aprofundada sobre alguns problemas da vida eclesial e da Teologia, porque não podemos instalar-nos sobre as conquistas já feitas, sob o pretexto de coisa definitiva e absoluta. Tratando do problema do mal no mundo, eu o trato sob as perspectivas abertas por Andrés Torres Queiruga, em três de suas obras: "Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus", "Recuperar a Salvação", e "Creio em Deus Pai". E o cito:
            -"Desde que a primeira mãe deu à luz com dor e a primeira criança nasceu chorando, foi posto o problema. A vida humana está assediada pelo mal, o mundo está cheio de crucificados, e surge a pergunta pelo porquê disso tudo. Pergunta inaugural e permanente". (Andrés Torres Queiruga, "Teologia em Diálogo").
             Lendo também o livro de H. Bechert, "Buddismus", na página 322, em que ele fala da concepção budista do nirvana como símbolo da aniquilação absoluta da existência pessoal, encontrei um dito que vem muito a propósito do que pretendo tratar neste nosso diálogo: -"Tudo é dor."
             À  primeira vista, nada tão oposto ao Deus de Jesus de Nazaré, que conhecemos pelos Evangelhos como Pai de amor e de bondade infinita, que a presença do mal no mundo criado por Ele, presença terrível e sem remédio, que se estende por todos os tempos e a todos os seres, sem exceção. Em forma de catástrofe cósmica, de enfermidade e sofrimento  orgânico, de padecimento ou deformação física ou moral, o mal se ergue como uma barreira,  aparentemente intransponível, entre a sensibilidade espontânea do homem e mulher, e a bondade presente em Deus.
             "O problema do sofrimento e do mal está na raiz de numerosas crises de Fé. Se Deus existe, por que este fracasso, esta morte prematura, esta traição ao nosso amor, este acidente de trânsito, esta doença que me faz sofrer, esta perda de emprego, este revés na vida?" (Missal Dominical, segundo domingo da Quaresma).
             Andrés Torres Queiruga, ao tratar do tema em seu livro "Do Terror de Isaac ao Abbá de Jesus", nos lembra que, considerando-se em abstrato a onipotência divina, impõe-se reconhecer que, em pura honestidade lógica, as alternativas propostas pelo Dilema de Epicuro são insuperáveis. Com efeito, nessa perspectiva, se no mundo há mal, é porque Deus onipotente não quer eliminá-lo. E da mesma forma, se considerarmos o dilema sob o prisma da possibilidade de um mundo sem mal, e se apesar de tudo, o mal existe, é porque o Deus   "bom" não pode evitá-lo.
             Sendo assim, não seria o ateísmo a única solução lógica para o ser humano acossado pelo mal sem remédio, conforme  proclama pelo mundo inteiro o profeta do ateísmo moderno, Richard Dawkins, com seu livro recente, "Deus, um delírio?"
             Diga-se o que se disser, apresentem-se os mais consoladores argumentos, recorra-se à teodiceia ou à retórica piedosa, atéia ou agnóstica, o fato é que um "deus" que em si mesmo fosse     impotente e limitado não seria Deus. Um "deus" bom que, podendo, não quisesse evitar o imenso horror do mal no mundo, tampouco seria Deus. Inclusive, qualquer pessoa simples e decente estaria em patamar superior a esse pretenso "deus", pois ninguém  que possua um mínimo de humanidade deixaria, se estivesse em seu poder, de acabar com a miséria e a fome de milhões de crianças em vastas áreas do planeta, com o espanto dos crimes e das guerras, do terrorismo sem freio, ou com os tormentos da doença e da morte.
             Este é o dilema que proponho à consideração do prezado e benévolo leitor.
             Como católico, lembro que o Concílio do Vaticano II abriu a Igreja Católica para o mundo, arejou o marasmo em que se encontrava a sua teologia, e se tornou uma alvorada de esperança para as pessoas de boa vontade de toda a ecumene e, na sequência, o novo Código de Direito Canônico, a seguir publicado, deveria continuar esta abertura e inserção no mundo, mas o Código frustrou as expectativas ao insistir na centralização do poder eclesiástico na Cúria Romana, castrando assim a colegialidade do episcopado e a efetiva participação do Povo de Deus nas decisões de interesse de suas comunidades.
             Tomo aqui a liberdade de fazer ao benévolo leitor os seguintes questionamentos: a Igreja Católica, tanto em nível local como em nível universal, continuará exibindo essa estrutura fortemente piramidal, conforme o espírito do  Concílio Vaticano I, em uma única mão, a do  Papa? ou, ao contrário, estará mais próxima das bases eclesiais, segundo o Vaticano II?  Ou ela continuará centralista ou pluralista, dogmática ou dialógica, de forma ingenuamente autocentrada ou, apesar de todas as dúvidas da Fé, capaz de encarar decididamente o futuro?
             Neste enfoque, trago um texto do grande e controvertido teólogo suíço, Hans Kung, no seu livro "Teologia a Caminho".  A citação é um tanto longa, mas creio que é de suma e vital importância para o que venho tratando até aqui. A seguir:
             - "A Igreja Católica procurou conservar seu paradigma medieval e da Contra Reforma até o Concílio Vaticano II, por meio de decretos autoritários, sanções disciplinares e estratégias políticas. (...) Ela se refugiou na centralização e burocratização. Será que a imposição autoritário-inquisitorial por parte da Cúria, de uma estrutura hierárquico-burocrática corresponde à situação religiosa pós-moderna, embora essa estrutura fosse legitimada e elevada à condição de dogma de fé pelo Vaticano I (1870)? Será que a atual ressacralização dessas estruturas eclesiais, (no pontificado de João Paulo II), feudais e pré-modernas, é a resposta correta à situação religiosa pós-moderna de esvaziamento de um catolicismo culturalmente hermético e fechado em si mesmo?"
             O certo é que não podemos permanecer enclausurados na repetição por assim dizer mecânica de um passado morto, mas devemos abrir-nos para a recriação autêntica de uma experiência que há de ser tão atual como a refletida nos textos tradicionais e que exige de nós seja traduzida em palavras vivas que falem à nossa compreensão, e alimentem as possibilidades de nossa vida e de nossa história, nos tempos em que vivemos. Gostemos ou não, temos que pagar nosso tributo à pós-modernidade e aos sinais dos tempos, como diria o saudoso João XXIII.
             Devo dizer que não aceito uma leitura literalista ou fundamentalista da Bíblia Sagrada, isto é, tomar ao pé da letra o que nela está contido,  sem uma segura exegese histórico-crítica de seu conteúdo. Muitas denominações evangélicas fazem isto, e acabam resvalando para os maiores absurdos. Vários setores do catolicismo também o fazem, inclusive boa parte do "Catecismo da Igreja Católica" e a comunidade "Canção Nova", sem esquecer, é claro, a maioria das pregações nos púlpitos de nossas igrejas. Por causa dessa leitura fundamentalista da Bíblia, há muitas verdades que os cristãos, católicos e protestantes, afirmam, mas no íntimo chegam a não crer nelas. São demasiadas as palavras da Bíblia que dizem aceitar, mas suspeitando que alguma coisa pode não ser bem assim como está nela.
             Diz-nos o teólogo Andrés Torres Queiruga ("Recuperar a Salvação") que atualmente, diante dos progressos da pesquisa e da hermenêutica bíblica, nem o mais conservador dos teólogos pode - embora o pretendesse - levar ao pé da letra a estrela de Belém, ou a fuga para o Egito, ou a ascensão física de Jesus atravessando as nuvens para chegar ao Céu. Como dificilmente poderá "crer" na milagrosa entrada de uma legião de demônios numa vara de porcos, nem na moeda na boca do peixe para pagar o imposto devido aos romanos.
             E mais:
              - Quem é capaz de pensar que Deus castigou durante milênios a milhões de seres humanos por um pecado pretensamente atribuído a nossos primeiros pais, quando nenhuma pessoa decente é capaz de maltratar uma criança, por maior que seja o crime que seu pai ou sua mãe tenham praticado?
             - Acredita-se que o pecado de Adão e Eva tenha sido transmitido ao longo da linhagem masculina de acordo com santo Agostinho. Que tipo de filosofia ética é essa, que condena todas as crianças, mesmo antes de nascer, a herdar o pecado de um ancestral remoto?
            - Qual a mãe que poderia crer de verdade que sua pequenina criatura recém-nascida, diante da qual seu coração se desfaz em ternura, está em pecado e condenada a nunca fruir da visão beatífica, se morrer antes de ser batizada?
             Felizmente a nova liturgia do Batismo, após o Concílio Vaticano II, abandonou aquela esdrúxula fórmula usada até tempos atrás, quando o sacerdote, depois de soprar três vezes sobre o rosto da criança a ser batizada, dizia com voz enfática: -"Sai dela, ó espírito imundo, e dá lugar ao Espírito Santo Paráclito..."
             - Em que cabeça cabe que Deus pudesse exigir a morte violenta de Seu filho feito homem, Jesus de Nazaré, para resgatar os pecados da humanidade, como lemos nos manuais de piedade em uso por aí?
             William P. Loewe, em seu livro "Introdução à Cristologia", adverte-nos de que esta maneira de falar "pode levar a imagens grotescas de Deus como um tirano sanguinário, que exige a morte de um filho inocente para apaziguar Sua ira, imagens da morte de Jesus como um caso supremo de crueldade divina contra o próprio filho."
             Esta afirmação de Loewe é corroborada por Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) em "Introdução ao Cristianismo", pág. 208:  _ "Diante da atitude expressa em certas práticas religiosas impõe-se, praticamente, a convicção de que a Fé cristã na cruz se baseia na imagem de um Deus que, em Sua justiça intransigente, exige de um pai o sacrifício de um ser humano, o sacrifício do próprio filho.  Aterrorizadas, muitas pessoas mais sensíveis viram as costas a uma justiça que, com sua ira sinistra, torna implausível a mensagem do amor."
            - É aceitável a monstruosidade de um Deus que, chamado  "Pai" pelos cristãos, tenha exigido de um outro pai, Abraão, que lhe sacrificasse seu filho único e querido, Isaac, como prova de obediência?
          -  Quem pensaria hoje em louvar a Deus dizendo que Ele é um guerreiro que "Se cobriu de glória afundando no mar cavalo e cavaleiro", como rezamos semanalmente na "Liturgia das Horas"?
           - Quem veria hoje um gesto de fidelidade e religiosidade profunda no cumprimento de um voto que, como no caso de Jefté, no livro dos "Juízes", implicava sacrificar a Javé sua filha inocente?
           -  "Se Deus previu o pecado de Adão  com todas as suas funestas consequências, e não tomou medidas bem seguras para evita-lo, carece de boa vontade para com o homem... e se fez tudo o que pôde para impedir a queda do homem e não o conseguiu, então voltamos ao dilema de Epicuro: não é todo-poderoso como supúnhamos." (Pierre Bayle, "Réponses aux questions", citado por Queiruga, em "Recuperar a Salvação").
             A respeito do problema do pecado de Adão ser transmitido a toda a sua descendência, o teólogo luterano Pannemberg, em sua "Teologia Sistemática II", tem colocações muito oportunas que peço licença para citar:
             -"Foi rejeitado como revoltante para a sensibilidade ética a afirmação de que Deus teria imputado o pecado de Adão a seus descendentes como culpa, ainda antes que tivessem cometido, de sua parte, qualquer ato mau. Este princípio, imputar aos filhos de Adão o pecado de seu ancestral, pareceu inconciliável com a fé na justiça de Deus e em Seu amor que perdoa."
             - "Pode-se conceber que um Deus que é amor, na ousada afirmativa do evangelista João, se dedique a castigar com tormentos inauditos e por toda a eternidade, no assim dito inferno, um ser humano que em momentos de fraqueza tenha cometido uma ação que os moralistas chamam de mortal?
             - "E sem falar que o teólogo oficial da Igreja até tempos atrás, São Tomás de Aquino, tenha afirmado na sua "Suma Teológica" (questão XCIV, art. III) que a contemplação dos tormentos padecidos pelos condenados no inferno aumenta o gozo dos bem-aventurados no Céu?"
             Verdadeiro absurdo.
              Estes são apenas alguns exemplos do modo de falar dos cristãos, mas que não tem mais lugar hoje em dia, diante de uma leitura crítica da Bíblia Sagrada. Nesta leitura é de fundamental importância que se faça uma distinção urgentíssima entre aquilo que os autores bíblicos pensavam em seu tempo, e tudo aquilo que nós, aprendendo com eles, devemos pensar nos dias de hoje.
             Voltando finalmente ao dilema de Epicuro, não importa a que deus se refere ele, seja Marduc, Baal, Moloc, Júpiter, Javé, ou outro qualquer do panteão dos povos. O que interessa é que o seu questionamento atravessou os séculos, e tem intrigado filósofos e teólogos; teses e livros têm sido escritos sobre tal dilema, tanto entre católicos como entre protestantes. Inclusive homens sem religião, agnósticos, ateus, ou como Hegel, Kant, Kierkegard, Feuerbach, entre outros, se debruçaram sobre esse famoso dilema, e cada qual deles procurou dar-lhe uma resposta, o que nem sempre conseguiram.
             "Admitir que o mal tem sua origem na liberdade e no livre arbítrio do ser humano não é capaz de desonerar o Criador da responsabilidade por essa Sua criação. Seja qual for o modo como a criatura é livre, ela é criatura de Deus justamente nessa sua liberdade."  (Pannenberg, "Teologia Sistemática", II).
              Este é o âmago da questão, e é por esse âmago que Epicuro questiona os sábios de seu tempo, e esse fato ressoa até os dias de hoje, como nos atesta Torres Queiruga ao tratar do tema em vários de seus livros:
              - "Existe Deus? Se existe, onde está Ele, quando nos acontece uma desgraça, ou nos sentimos infelizes? Como se situa Ele em nossa vida e em nossa história? "
              E eu ponho ponto final no meu blog de hoje propondo, ao  eventual e benévolo leitor, dois pensamentos que me perturbaram durante todo o tempo em que redigia este texto:
               - "Toda a ciência do mundo não vale as lágrimas de uma criança que sofre, implorando a Deus, em vão, o fim desse sofrimento."  (Dostoievski, "Os irmãos Karamazov").
               - "Eu me recuso até à morte amar uma criação na qual crianças, seres inocentes, são torturadas." (Camus, "A Peste").

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(Quem visitar o Hospital Pequeno Príncipe, ou o setor de cancerologia do Hospital Erasto Gaertner, ambos aqui em Curitiba, poderá ser testemunha pessoal da terrível verdade das palavras do romancista russo).

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segunda-feira, 7 de agosto de 2017

MEU VIZINHO E O DANADO DE SEU GATO...



            Conversando hoje com um vizinho, que é Ministro da Eucaristia na minha Paróquia cá em Curitiba, nosso assunto eram pormenores interessantes da Bíblia Sagrada.
            Em certo ponto de nosso bate-papo ele me disse:
            - "A título de curiosidade, nunca encontrei na Bíblia qualquer alusão ao gato, enquanto o cachorro é citado muitas vezes..."
            Então foi a minha deixa para mostrar-lhe que a Bíblia, na verdade, fala várias vezes do cachorro, mas não se esquece do gato, animal para mim tão encantador. E lhe respondi:
            - "Engano seu. Abra sua Bíblia em Baruch , capítulo 6, versículos 20-21, e lá Você encontrará o seu gato".
            Dei-lhe minha Bíblia para procurar o texto citado, e o vizinho o encontrou e o leu em voz alta:
             - "Suas faces estão negras da fumaça que se espalha na casa. Corujas, andorinhas e outros pássaros voam sobre seus corpos e suas cabeças, e gatos também passam sobres eles."
            Referência aos ídolos da Babilônia... É   ali que o gato aparece na Bíblia... O homem agradeceu-me pela informação, e eu fiquei satisfeito com a dica que lhe dei gratuitamente...
            Para que o benévolo leitor também encontre o danado do bichano em seu texto sagrado, não se esqueça, lembro mais uma vez:
            - "Procure Você também: Livro de Baruch, 6, 20-21."
            E assim consegui praticar uma boa ação, satisfazendo a curiosidade do meu vizinho, e eventualmente também a sua!...


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quinta-feira, 22 de junho de 2017

DEPOIMENTO PESSOAL


dois
            Oitenta e três anos de idade, boa saúde, e ainda com o privilégio de ser amante de um bom vinho, não me falta melhor fortuna  que me sentar  à sombra de bela árvore no quintal de minha casa e mergulhar na leitura de meus autores prediletos: os lá dos primeiros séculos da história da Igreja, como o que estou lendo atualmente, São Cipriano, bispo e mártir do século III depois de Cristo.
            Antes do mais, ele, Doutor da paz e Mestre da unidade, não gostava que um cristão rezasse sozinho e em particular, como que  rezando só para si mesmo. De fato, não dizendo: - "Meu Pai que estais no Céu"; nem "Meu pão de cada dia dai-me hoje". O correto, para São Cipriano, seria dizer: "Nosso Pai; Nosso pão".
            Do mesmo modo, rezando-se o "Pai nosso", não se pede só para si o perdão da dívida de cada um, ou que não caia em tentação e seja livre do mal, rogando cada um para si mesmo.   Nossa oração, dizia ele, deve ser pública e universal, pois quando oramos não o fazemos para um só, mas para o povo todo, já que todo o povo forma uma só realidade, que é a Igreja.
            O Deus da paz e Mestre da concórdia, Jesus, que nos ensinou a viver a unidade, quis que orássemos um por todos, como Ele em Si mesmo se lembrou de todos, na Sua obra de redenção.
            Lemos no Antigo Testamento que os três jovens, lançados na fornalha  ardente, observaram esta lei da oração, harmoniosos na prece e concordes pela união dos espíritos. A firmeza da Bíblia Sagrada assim o declara e, narrando de que maneira eles oravam,  apresenta-os como exemplo a ser imitados em nossas preces, a fim de que nos tornássemos semelhantes a eles. Então, nos ensina a Bíblia, os três jovens, como que por uma só boca, cantavam um hino de louvor  e bendiziam  a  Deus. Falavam como se tivessem uma só boca e que Cristo ainda não lhes havia ensinado a orar.
            Por isto a palavra foi favorável e eficaz para os orantes. De fato, a oração pacífica, simples e espiritual, mereceu sempre a Graça do Senhor.
            De igual modo oravam os apóstolos e os discípulos depois da ascensão do Senhor: -"Eram perseverantes, todos unânimes na oração com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos".
            Perseveram unânimes na oração, manifestando tanto pela persistência como pela concórdia de sua oração, que Deus os faz habitar unânimes na Sua casa, só admite na Sua eterna e divina casa aqueles cuja oração é unânime.- "Rezai assim, diz o Senhor:  Pai nosso, que estais nos céus".
            Homem e mulher, renascidos pela Graça, restituídos a Deus, dizem, em primeiro lugar, "Pai",
porque já começaram a ser filhos.
            - "Veio ao que era seu e os seus não O receberam. A todos aqueles que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, a todos aqueles que creem em Seu nome.
            Quem, portanto, crê em Seu nome e se fez filho de Deus, deve começar por aqui, isto é, por dar graças e por confessar-se filho de Deus ao declarar ser Deus o seu Pai nos céus.
            E paro por aqui, encerrando o texto de hoje com uma oração muito do gosto de São Cipriano, e que ela se torne também para nós a oração de todo o dia, mesmo naqueles dias em que não pudermos passar sem uma bela taça de vinho:
            - "Ó Deus, anunciarei o Vosso nome a meus irmãos enólogos pela alegria que nos dais ao degustarmos sobriamente o fruto da videira, lembrando que Vós,  no Vosso amor para conosco, deu-nos a graça de Vos termos sempre conosco, no sacrário de nossas igrejas, sob as espécies sacramentais do pão e... do vinho, consagrados pelo sacerdote, durante a Santa Missa.
             Assim seja. Amém.

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quarta-feira, 7 de junho de 2017

O CRISTÃO E O MUNDO SEM DEUS



            Volto ao tema, porque ele me parece importantíssimo em nossa peregrinação pelos caminhos muitas vezes tortuosos e espinhentos da vida.
            Em Português, a palavra "mundo"  comporta uma grande variedade de sentidos. Na cristandade da  Idade Média e em épocas posteriores o conceito de "mundo" era religioso,  além de que parecia algo que devia ser rejeitado e esquecido pelo crente.
             Para isto era sempre lembrada a primeira carta de João (2, 15-17) na qual eram os cristãos exortados:
             - "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Quem ama o mundo, não está nele o amor do Pai, porque todas as coisas do mundo, tais como a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o fausto da vida não vêm do Pai, mas do mundo. E quem faz a vontade do Pai permanece eternamente."
             É muito clara esta advertência, não deixando margem a nenhuma dúvida porque, neste caso concreto, "mundo"  é o reino do egoísmo e do pecado. O mundo, assim considerado, "não pode receber o Espírito Santo"  (Jo 14,7), porque a paz de Cristo não é um dom semelhante aos dons deste mundo. Com certeza, "mundo", neste sentido, deve ser tomado como uma "criação má", algo puramente material oposto por sua natureza ao mundo espiritual.
             Infelizmente, esta interpretação derivada do maniqueísmo e do agnosticismo nos foi imposta durante muito tempo no decorrer da História, como uma visão "tenebrosa" do mundo, carente da luz de Cristo e oposta à vontade de Deus.
             Entretanto, o mundo material, porque criado por Deus, no rigor do termo não pode ser "tenebroso", e nem por sua natureza se opõe a Deus. As trevas do mundo não estão no seu aspecto
material, mas unicamente no pecado de homem e mulher, que rejeitaram o amor de Deus, muitas vezes sob o pretexto de uma religiosidade mal compreendida. Neste sentido, o mundo "tenebroso"  não passa de um mundo sem amor, distante de Cristo, um mundo formado por pessoas enrodilhadas sobre si mesmas, egoístas e sem calor humano.
             Tradicionalmente, a oposição cristã ao "mundo" é uma oposição de fundo teológico, enquanto rejeita o mundo na medida em que confina a liberdade de homem e mulher numa escravidão a preconceitos e paixões, sumariamente descritos pelo apóstolo Paulo na sua Carta aos Romanos (1, 18-32).
            Creio que há, sem dúvida nenhuma, o lado positivo deste quadro. Se o cristão deve permanecer "no mundo", mas não ser "do mundo"  (Jo 15, 18-19; 17,11), deve entretanto permanecer no mundo como testemunho e manifestação de Cristo, que é a "luz do mundo" (Jo 8,12) e que por Sua morte e ressurreição expulsa  dele o mal e atrai homens e mulheres para Si, para um mundo novo, mundo este vivido pelo cristão, no qual  não há mais lugar para o mal, o ódio, a ganância, o egoísmo, a mentira, a frustração e o desespero; mas que, muito mais que isso, tem como seu trabalho
central e mais íntimo a realização das promessas salvíficas de Deus, no Reinado de Cristo e na Sua obra de redenção.
              A Fé cristã, ao confessar esta verdade, esta presença redentora de Cristo num mundo de pecado, e por isso mesmo pecador, assume a chave do sentido pleno de homem e de mulher, do mundo e da história, inclusive de todas as injustiça e desumanidades, que corroem a profundamente a vida humana.
              Precisamente porque a Fé não se baseia na evidência clara, externa e científica, mas na fidelidade ao Deus das promessas bíblicas, ela exige de nós um compromisso pessoal com a pessoa de Cristo, que ama o mundo e sua História, que redimiu homem e mulher, e que sustém a vida, o mundo e seu destino em Suas próprias mãos benéficas e benfazejas.
              E esta é a esperança que nos anima a caminharmos sem descanso, apesar de todos os pesares e percalços trazidos pelos nossos pecados, em busca deste Reino que nunca terá fim: o reinado de nosso Deus e redentor, Jesus Cristo, o Filho de Maria. Amém.  

sexta-feira, 26 de maio de 2017

VIDA PARA ALÉM DA MORTE



             Esta frase que serve de título ao meu texto de hoje, e lembrando-me também de meus filhos  inesquecíveis, minha  filha Raquel e meu filho Júlio, que flecharam o Céu buscando o Infinito, levou-me a meditar nesta manhã de sexta-feira e perguntar a mim mesmo: dentro da Fé que professo, se é possível uma visão positiva do fenômeno universal da morte. E a Fé que me anima responde-me que sim, porque dentro da vida humana há uma chance única na qual homem e mulher, pela primeira vez, nascem totalmente ou acabam de nascer, justamente na morte.
            Esta resposta pode ser profundamente frustrante, pois a morte sempre foi entendida como o fim da vida. Ela é dolorosa e triste como um final de festa ou como o derradeiro e definitivo aceno de uma despedida.
             A morte é, sim, o fim da vida. Ela marca a ruptura de um processo vital. Como que criando um corte entre o tempo presente e a eternidade. Mas ela, felizmente, cobre um aspecto apenas do ser humano: o biológico e o temporal. Homem e mulher  constituem algo muito superior ao biológico, porque são mais do que um animal. São também superiores ao tempo, porque suspiram pela eternidade do amor e da vida.
            Homem e mulher são pessoas, e mais que isso, interioridade. Para eles, a morte não é simplesmente um fim, mas um fim-plenitude, um fim alcançado, o lugar do verdadeiro e definitivo nascimento. Lembra-me a mulher grávida que, entre angústia, dor e esperança, segura o filhinho recém-nascido e murmura, agradecida: atingi, ó Deus, minha meta de mulher: sou mãe!
            Este fim-plenitude alcançado pela morte só é encontrado por nós na Fé. É nesta Fé que encontramos a base para a Esperança de que nossa vida não se perde no vazio do nada. Esta nossa convicção se baseia em Deus. Neste Deus que Se revelou na ressurreição de Jesus de Nazaré, e que ressuscitará também a nós pelo Seu poder infinito.
            E foi nesta Fé que meus filhos inesquecíveis, a Raquel e o Júlio, alcançaram, na morte, o seu nascimento definitivo, que é o Deus de Jesus Cristo e de todos nós, cristãos!


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sexta-feira, 12 de maio de 2017

RELENDO O "DIÁRIO DE ANNE FRANK"



            Estou lendo, pela terceira ou quarta vez, o diário de Anne Frank, a menina que, a seu tempo, por ocasião da segunda guerra mundial, emocionou o mundo inteiro, com a publicação de seu "Diário".
            Anne Frank morreu, juntamente com sua irmã, Margot, num campo de concentração nazista. (Margot morreu na câmara de gás, e Anne morreu de morte natural, vitimada pelo tifo).
Alguns dias antes de morrer Anne Frank escreveu em seu "Diário" estas palavras que sempre me emocionam quando eu o releio:
            - "Verdadeiramente minha vida mudou, e para muito melhor, porque Deus não me abandonou, e não me abandonará jamais."
             Estas palavras me fazem lembrar daquelas outras proclamadas não pelo Deus de Israel, mas por Seu Filho, tornado homem na Terra, para assumir a condição  e os sofrimentos de homens e de mulheres, bem como a dar a eles e a elas um novo sentido à sua esperança: - "Deixai vir a Mim os pequeninos."
             Apesar de sua saúde frágil, marcada por sofrimentos horríveis nos tempos de cativeiro, a alma de Anne Frank era daquelas  que, desde sempre,  responderam às palavras de Jesus de Nazaré: Deus, de fato, nunca a abandonou.]
             Naquele campo de torturas e de mortes, em Bergen-Belsen,  com seus fatídicos fornos crematórios e com o desencadeamento demoníaco das mais atrozes demonstrações da barbárie nazista, é preciso confessar que este Deus que Anne Frank  mal conseguia definir, mas cuja imagem estava presente em seu coração, nunca haveria mesmo de abandoná-la até seus últimos dias, como nos comprova o "Diário".
            E eu o creio, porque Deus, o "Abbá" de Jesus é Pai, e também porque, no mais profundo de nossas fraquezas humanas diante do sofrimento,  no recesso mais sombrio de nossas angústias e revoltas, Anne Frank representa para nós uma das mais eloquentes certezas da realização plena de nossa esperança teologal..
            Ela, que se considerava um nada, conseguiu romper a muralha de silêncio culposo  das religiões (o Papa Pio XII?) e mostrar ao mundo inteiro  nas páginas de seu "Diário", a chaga sangrenta das deportações em massa e do extermínio dos judeus nos campos de concentração. E pensar que nós, no Brasil,
estivemos bastante próximos dessa nefasta ideologia nazista na sua versão tupiniquim  do  integralismo de Plínio Salgado, cópia mal feita do fascismo de Mussolini, aliado confesso de Hitler.
            O Prêmio Nobel da Paz, o Padre Pire, que  à sua sexta aldeia européia  acolhia os refugiados de todas as regiões da Europa,  deu-lhe o nome de Anne Frank, a pequenina mártir que emocionou a  todos nós, e se tornou a menina querida do mundo inteiro..
            E termino o meu texto recomendando a todos que tenham oportunidade, que leiam o "Diário de Anne Frank", pedindo a Deus que nunca mais aconteça neste nosso mundo a tragédia da guerra e dos fatídicos campos de concentração, onde milhares e milhares de inocentes pagaram com a vida  a bestialidade dos que se julgam os senhores do mundo.

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segunda-feira, 1 de maio de 2017

O BATISMO QUE NOS PURIFICA



            Sou um "curioso" inveterado dos  assim ditos "Padres da Igreja",  da mais remota antiguidade que deixaram para nós, cristãos deste nosso século, obras teológicas de grande valor e de perene riqueza de Fé a fortalecer-nos em nossa caminhada para Deus.
             Tenho hoje diante dos olhos um texto do grande bispo São Basílio, que viveu e pontificou no século IV, escrevendo sobre o Espírito Santo. Como eu gostei muito do texto, peço licença ao eventual e benévolo leitor para transcrevê-lo aqui, valorizando o meu modesto blog:

              "Do Livro sobre o Espírito Santo,  de São Basílio, Bispo da Igreja Católica":

               O Espírito vivifica

               O Senhor, que nos vivifica, e que nos concede a vida, estabeleceu conosco a aliança do Batismo, como símbolo da morte e da vida. A água é imagem da morte e o Espírito nos dá o penhor da vida. Assim torna-se evidente o que antes perguntávamos: por que a água está unida ao Espírito? É dupla, com efeito, a finalidade do Batismo: destruir o corpo do pecado para que nunca mais produza frutos de morte, e vivificá-lo pelo Espírito, para que dê frutos de santidade.
             A água é a imagem da morte porque recebe o corpo como num sepulcro, e o Espírito, por sua vez, comunica a força vivificante que renova nossas almas, libertando-as da morte do pecado e restituindo-lhes a vida. Nisto consiste o novo nascimento da água e do Espírito: na água realiza-se a nossa morte, enquanto e Espírito nos traz a vida.
             O grande mistério do Batismo realiza-se em três imersões e três invocações, para que não somente fique expressa a imagem da morte, mas também a alma dos batizados seja iluminada pelo dom da ciência divina. Por isso, se a água tem o dom da Graça, não é por sua própria natureza, mas pela presença do Espírito. O Batismo, de fato,   não  é uma purificação da imundície corporal, mas o compromisso de uma consciência pura diante de Deus. Eis porque o Senhor, a fim de nos preparar para a vida que brota da ressurreição, propõe-nos todo o programa de uma vida evangélica, prescrevendo que não nos entreguemos à cólera,  sejamos pacientes nas contrariedades e livres da aflição dos prazeres e do amor ao dinheiro. Isto nos manda o Senhor, para nos induzir a praticar, desde agora, aquelas virtudes que na vida futura se possuem como condição natural da nova existência em Deus.
             O Espírito Santo restitui o Paraíso, concede-nos entrar no Reino dos Céus  e voltar à adoção de filhos. Dá-nos a confiança de chamar a Deus nosso Pai, de participar da Graça de Cristo, de sermos chamados filhos da luz, de tomar parte na glória eterna, numa palavra, de receber a plenitude de todas as bênçãos, tanto na vida presente quanto na futura.
             Dá-nos ainda contemplar, como num espelho, a graça daqueles bens que nos foram prometidos e que pela Fé esperamos usufruir como se já estivessem presentes.
             Ora, se é assim o penhor, qual não será a plena realidade? E, se tão grandes são as primícias, como não será a consumação de tudo na presença de Nosso Senhor Jesus Cristo?

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             E eu encerro este blog de hoje, com a seguinte prece, que retiro da  "Liturgia das Horas":  

                                           Quando emerge nossa carne das águas do Batismo,
                                           Deixando   ali sepultos os crimes do pecado,
                                           A pomba do Espírito vem voando para nós,
                                           e vem do Céu, trazendo a paz que Deus nos dá,
                                           e a Igreja é figurada pela Arca da Aliança..
                                           Bendito sacramento da Água Batismal
                                           pela qual nos tornamos capazes
                                           de entrar na Vida Eterna
                                           purificados de todos os pecados da vida passada.
                                           
                                           Amém. Aleluia.

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sexta-feira, 21 de abril de 2017

PINGOS E RESPINGOS...



            ***  O Deus de minha Fé não é o Deus que muda as leis da Natureza a Seu bel prazer, ou segundo Suas conveniências. E muito menos o Deus que desatende as súplicas de nós, Seus filhos, ainda que sejam justas, como acabar com a fome de populações inteiras em várias partes deste nosso mundo, mandar a chuva benfazeja para regiões martirizadas pela seca, ou curar nossas doenças.
           ***   Nosso Deus é, antes de tudo, amor. É o grande companheiro que está com os deserdados da sorte, com o enfermo, e não com a enfermidade, contra a qual Ele pouco pode intervir, porque ela permanece na esfera autônoma da Natureza, que Ele respeita.
          ***   O homem de Fé e o ateu não habitam mundos diferentes; simplesmente habitam de maneira diferente um só e o mesmo mundo. Ambos vivem a mesma vida, só que a vivem de modo diferente.
          ***   A bondade de Deus é tão universal, que não exclui ninguém, nem mesmo os maus, os pecadores, ou mesmo os que O negam. Faz nascer o sol igualmente sobre os bons, como também sobre os justos e injustos. Por isso, perdoa sempre, até ao ponto de, como o pai da parábola do filho pródigo, não castigar nem repreender, mas alegrar-se e fazer festa pelo regresso do filho á casa paterna.
         ***  Aquilo por que Deus Se interessa no homem e na mulher é tudo, enquanto realização positiva do homem e da mulher. Literalmente tudo, como corpo e alma, cultura e alimento, trabalho e religião. Aliás, Deus não é nada religioso, porque religião é pensar e servir a Deus, mas o Pai de Jesus de Nazaré não pensa em Si mesmo nem precisa ser servido por homem e mulher. Na verdade, Ele pensa em nós e busca exclusivamente nosso bem, não quer servos nem incensários que proclamem Sua glória. Busca-nos a nós mesmos, deseja nossa existência e nossa felicidade. Para isso criou o mundo e o colocou em nossas mãos.
        *** Isto me acontece dia e noite, e talvez para todo o sempre: diante do sofrimento angustiante de minha falecida filha Raquel, nos quatro anos de sua doença, com um insidioso câncer que tomou todo o seu cérebro, me custou muito tentar convencê-la de que Deus nos criou por amor. Confesso francamente hoje, diante da dolorosa ausência de minha inesquecível Raquel, que em certos momentos sou tentado a crer que eu, que me digo cristão, me sinto totalmente consciente desta cruel dúvida:  - Será mesmo verdade que Deus nos criou por amor? Que Ele, na Sua misericórdia, me perdoe!
      

segunda-feira, 17 de abril de 2017

O PERTURBADOR SILÊNCIO DE DEUS



            Num certo sentido, homens e mulheres deste nosso mundo estão cercados por todos os lados pelo doloroso e angustiante silêncio de Deus, abandonados totalmente à própria sorte de seres contingentes, finitos, entregues à morte.
           "Homens e mulheres sentem que suas vidas se intercalam entre duas gigantescas noites: a noite da não existência. Ontem não eram. Esse ontem recua bilhões de anos até o famoso big-bang inicial. E antes dele paira o silêncio do nada. Após a morte, abre-se nova noite escura sem término. Entre essas duas ameaças do caos inicial e final, homem e mulher caminham solitários, sem luz.
            É o que leio em "Introdução à Teologia", de Libânio/Murad.
            Ou nas perturbadoras palavras do cientista J. Monod:
            - "Homem e mulher sabem que estão sós na cega imensidão do universo, de que saíram por puro acaso).
            Ou como diria Albert Einsten:
            - "Estranha é nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta passagem, sem saber por quê, ainda que algumas vezes tentando adivinhar um propósito".  (Dawkins, "Deus, Um Delírio").
            Continuando, poder-se-ia invocar Pascal, nos seus "Pensamentos":
            - "Aspiramos à verdade, e só encontramos incertezas. Buscamos a felicidade e só achamos miséria e morte. O silêncio eterno desses espaços infinitos nos apavora..."
            O saudoso Papa Bento XVI em seu livro "Jesus de Nazaré", comentando o salmo 73, em que o justo sofredor protesta diante de Deus contra os males que nos acometem, pergunta:
            - "Deus não vê nada, realmente? Não ouve? Não se preocupa com o destino do homem?" E cita um dos lamentos do salmista:
            - "Foi então para nada que conservei um coração puro? Sou provado a cada hora e molestado continuamente..."
            É de fato um grande enigma, e diante dele os crentes sentem duramente o peso do silêncio divino, não como negação da existência de Deus, mas sim como sensação de abandono e indiferença por parte de Deus. Este silêncio enigmático e sufocante desconcerta a muitos cristãos menos prevenidos, sempre desejosos de qualquer manifestação sensacional de Deus. Uma espécie de teofania do Antigo Testamento, com raios e trovões, que purificasse para sempre o mundo corrompido, curasse todas as mazelas e sofrimentos da humanidade, e reconduzisse à Fé teocêntrica os povos e as nações.
            Acossados por este silêncio de Deus para eles incompreensível, homem e mulher de todas as etnias fazem ouvir o seu gemido angustioso, um gemido que vem de longe, expresso por boca humana, e que parece refletir uma dor primeira que remonta às origens do mundo. Não um gemido genérico do animal ferido que sente a terra entreabrir-se para devorá-lo, mas o gemido existencial do homem e da mulher, isto é, o gemido da alma erguida que se levanta e interroga a Deus, pedindo-Lhe explicações para a onda de mal e de sofrimento que envolve por todos os lados o mundo por Ele criado.
          Começando pelo bíblico Jó ("Pereça o dia em que nasci, que sobre ele não brilhe a luz); continuando pelos salmistas; assumido dramaticamente por Jeremias nas suas elegias, até culminar no angustiado grito de Jesus de Nazaré na cruz, este gemido secular perpassa por toda a Bíblia, num clamor contínuo e sem respostas:
            - "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Clamo de dia, e não respondes; grito de noite, e não encontro repouso..."  - (Salmo 22).
            Nos quatro evangelhos a tradição existencial do silêncio de Deus aparece de forma muito explícita em dois momentos muito importantes da vida de Jesus de Nazaré: no Horto das Oliveiras (Mt 27, 36-46, Mc 14, 32; Lc 22, 39-46 e, em seguida, na cruz (Mt 27, 46; Mc 15,  Lc 23,46, Jo 19-28).
            Já em nossos dias, visitando o campo de concentração de Auschiwtz, onde um milhão e meio de judeus foram mortos pelos nazistas, o Papa Bento XVI deixou-se levar pela emoção e lançou também este brado, que surpreendeu e comoveu o mundo inteiro:
            - "Por que, ó Deus, o Senhor permaneceu em silêncio? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava Deus naqueles dias? Por que ficou Ele em silêncio? Como pôde permitir esse massacre sem fim, esse triunfo do mal?
            E eu, parodiando a pungente pergunta do judeu alemão Hans Jonas na Europa do pós-guerra, tomo a liberdade de acrescentar:
- "Onde está Deus, que não vem libertar-nos da violência das guerras e do terrorismo desenfreado que acomete regiões inteiras deste nosso mundo?
            E poderia ainda acrescentar com Andrés Torres Queiruga, no seu livro "Recuperar a Salvação":                                                         
- "Onde está Deus quando nos acontece uma desgraça, ou nos sentimos infelizes? Onde se situa Deus em nossa vida e em nossa História?"
            A tentação exercida entre nosso povo simples e marginalizado, principalmente os das periferias, pelo baixo espiritismo e pelas incontáveis seitas pentecostais e milagreiras, é prova de uma fome quase doentia de milagres, fome de apalpar, de apreender, de agarrar essa presença ou ausência misteriosa que governa o mundo:
            -"Ah! Se rompesses os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de Ti!" (Isaias, 63,19).
            Para a mentalidade contemporânea, homem e mulher experimentam uma dificuldade quase insuperável no seu ansiado contato com Deus. Isto porque "Deus, enquanto mistério indizível, não pode ser encontrado em nosso mundo, parece não poder entrar nesse mundo com que nós temos de nos haver, pois que assim Ele Se tornaria o que não é, a saber: uma realidade singular lado a lado com outra realidade que não Ele." (Karl Rahner, "Curso Fundamental da Fé").
            Na verdade, para nós cristãos-católicos,  Deus nos fala sem cessar. E é justamente a Liturgia  que nos  vem continuamente lembrar esta realidade empolgante: Deus está no mundo. Deus desceu sobre a Terra e se fez como um de nós. Não é apenas uma presença figurada como na Arca da Aliança. É uma presença tão difundida e tangível, que nos envolve como uma atmosfera por todos os lados, como envolve o mundo. Já o disse Teilhard de Chardin, sacerdote e cientista, no seu livro "El Medio Divino":
            - "Que nos falta então para que O possamos abraçar? Somente uma coisa: vê-Lo."
            Presença que se tornou concreta e palpável na Encarnação. Deus Se fez carne, na pessoa de Seu Filho, levantou Sua tenda entre nós, entrando na história humana para dela não mais sair. Portanto, para nós,  "a vida histórica de Jesus é a revelação mais plena do Deus cristão." (Leonardo Boff, "Jesus Cristo Libertador").
            Deus Se nos manifesta, sim, e nós O conhecemos pela mediação de Jesus de Nazaré. Em Jesus, Deus Se manifestou a nós como Aquele que Se interessou de tal modo por nós, que quis participar intimamente do nosso destino, e assim tornar-Se o Deus próximo e familiar, o "Deus conosco", o "Emanuel" que conhecemos pelos Evangelhos.
            Como cantou o padre Zezinho, evangelizando através da música: "Em Jesus, Deus Se tornou refeição e Se fez o caminho."
            Lembremo-nos, também, do que está escrito no Apocalipse:
            - "Eis que estou à porta, e bato", significando que Deus está na soleira e bate à porta, mas, se não a abrirmos livremente, Ele não entrará. Por absoluto respeito à nossa liberdade, recusa-Se a forçar a entrada do nosso coração e da nossa vontade livre. Permanece, entretanto, presente sempre, perdoando e salvando, não Se vai embora, e continua a bater.
           Por isso, é muito salutar que tomemos consciência desta verdade terrível:  - É próprio da liberdade humana poder, com sua minúscula recusa, perdida nas imensidades do tempo e do espaço, deter o oceano da Graça divina."  (Charles Moeller, "A Fé em Jesus Cristo").
          Jesus de Nazaré, pela Sua vida e pela Sua prática,  como o "Abbá"- Seu  Pai - é bom e misericordioso. Não quis ofuscar-nos com a luz de Sua glória e poder; por isso penetrou sorrateiramente entre homens e mulheres, fez-Se um entre muitos, e é preciso descobrir a Sua presença escondida, encarnada sob as vestes do quotidiano. Ele está aí e nos chama; nós, porém, nem sempre ouvimos Sua voz, nem sempre queremos abrir nosso coração à Sua Palavra que Se fez carne, que Se fez Eucaristia.
          Assim, este perturbador "silêncio de Deus"  é um silêncio causado por nós próprios, que sufocamos os apelos divinos com os nossos barulhos inúteis. Não há "silêncio de Deus", e sim incapacidade humana para captar imediata e claramente Sua voz. Voz que insiste, apesar de tudo, e que é experimentada, quando A percebemos como dom pessoal e gratuito, porque Deus não Se mostra de modo arbitrário, mesquinho ou favoritista. Revela-Se a todos e desde sempre na generosidade irrestrita do Seu amor por todos nós.
         E é o que acabamos de celebrar na quaresma, e estamos ainda a celebrar neste tempo pós-pascal,  em nossas igrejas e no recesso de nossos lares.


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quinta-feira, 13 de abril de 2017

CRISTO, O CORDEIRO PASCAL



            "O Cordeiro Pascal Jesus Cristo, imolado na cruz, libertou-nos da morte para a vida!"

             "Muitíssimas coisas foram preditas pelos profetas sobre o mistério da Páscoa, que é Cristo, "a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém". Palavras do Apóstolo Paulo, que leio em Gálatas, 1,5."
              O Senhor Jesus Cristo desceu  dos céus à Terra para curar a enfermidade de homem e mulher, maculados pelo pecado e condenados à perdição eterna, não fosse a misericórdia gratuita de Deus. Revestido da nossa natureza no seio da Virgem Maria,  Jesus Se fez homem, tomou sobre Si os sofrimentos do homem num corpo humano sujeito ao sofrimento e à morte. Seu espírito, que não pode morrer, fez morrer a morte homicida.
            Foi levado à cruz como cordeiro pascal e morto como ovelha, libertou homem e mulher das seduções do mundo e do pecado, como outrora tirou os israelitas da escravidão no Egito, como salvou-nos da escravidão do demônio, como outrora salvara o povo eleito das mãos do faraó, marcando nossas almas com o sinal de Seu espírito e nossos corpos com o Seu sangue redentor.
            Jesus venceu a morte e confundiu o demônio, como outrora Moisés ao faraó. Foi Ele que destruiu a iniquidade e condenou a injustiça à esterilidade, como Moisés no Egito.
            Foi Jesus que nos fez passar da escravidão do pecado para a liberdade, das trevas para a luz, da morte para a vida,  da tirania para o reino sem fim, e fez de nós um sacerdócio novo, um povo eleito para sempre. Foi Jesus a Páscoa da nossa salvação eterna.
            Foi Ele que tomou sobre Si os sofrimentos de muitos: foi morto em Abel, vendido em José, amarrado de pés e mãos em Isaac, exilado de Sua terra em Jacó, exposto em Moisés infante, sacrificado no cordeiro pascal, perseguido em Davi e ultrajado nos profetas.
            Foi Ele que Se encarnou no seio da Virgem Maria, foi traído por um amigo,  suspenso na cruz, sepultado na terra fria, mas, sustentado por Deus, ressuscitado dos mortos pelo Pai, e subiu ao mais alto dos céus.
            Foi Ele o cordeiro que não abriu a boca, o cordeiro imolado, nascido de Maria, foi Ele a ovelha retirada do rebanho, levada ao matadouro, imolada à tarde e sepultada perto da noite. Ao ser crucificado, não lhe quebraram osso algum, e ao ser sepultado, não experimentou a corrupção do corpo; mas ressuscitado dos mortos, ressuscitou também a humanidade das profundezas do sepulcro.

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Da Liturgia das Horas, da quinta-feira santa:

                                                 Todos os homens e mulheres pecaram
                                                 e carecem da glória de Deus
                                                 sendo justificados, de graça,
                                                 mediante a libertação
                                                 realizada por meio de Cristo,
                                                 Deus destinou que Cristo fosse, por Seu sangue,
                                                 a vítima da propiação
                                                 pela Fé
                                                 que recebemos nEle mesmo.
                                                 Eis aqui o Cordeiro de Deus,
                                                 o que tira o pecado do mundo

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