quinta-feira, 14 de junho de 2012

O HUMANISMO CRISTÃO


      Se bem me lembro (já que participei ativamente dele no MUT - Movimento de União dos Teólogos - e na Frente Nacional do Trabalho, fundada em São Paulo pelo saudoso doutor Mário Carvalho de Jesus e pelo sindicalista Miéle), o ano de 1963 foi um tempo de profunda crise que abalou as estruturas políticas e sociais da vida brasileira.
      Estava nas ruas a campanha pelas "reformas de base" patrocinada pelo presidente João Goulart, pelos sindicatos de trabalhadores, pela juventude universitária vinculada à UNE, além das agitações nos meios campesinos por uma reforma agrária urgente e radical, atiçadas por idéias marxistas, que se infiltraram em vários setores da atividade urbana e rural.
      Neste caldeirão prestes a explodir (como de fato explodiu em 31 de março de 1964), surgiu no convento dos dominicanos em Perdizes, São Paulo, Carlos Josaphat Pinto de Oliveira, um frade dominicano cheio de carismas, e grande orador popular. Fiel às linhas de seu livro "Evangelho e Revolução Social", e liderando um vasto grupo de cristãos ditos "progressistas", fundou o jornal de esquerda mas de inspiração cristã, o "Brasil Urgente", que foi o catalizador de todos quantos lutavam pela justiça social, mas em campos opostos aos dos influenciados pelas idéias marxistas e revolucionárias, então em plena efervescência, sob os auspícios da recente e vitoriosa revolução cubana de Fidel Castro e Che Guevara.
      Eis que explode a "redentora" de 1964, liderada pelos militares, com as tristes e funestas consequências que todos conhecemos, principalmente para aqueles que batalhavam nas ruas pelas urgentes reformas sociais.
      Temerosos da influência de Frei Carlos Josaphat e dos seus seguidores, principalmente no meio universitário, os fautores do golpe militar empastelaram o valoroso "Brasil Urgente" e exilaram Frei Carlos na França. Se quiseram calar a voz profética do frade dominicano, ledo engano dos militares: Frei Carlos logo se tornou um dos mais conhecidos conferencistas nas grandes universidades francesas, de onde fez ecoar por todo o mundo as violações dos direitos humanos no Brasil perpetradas pelos então detentores do poder.
      Além de denunciar as violações dos direitos fundamentais da pessoa humana em sua pátria, Frei Carlos Josaphat, teólogo de gabarito que era, tinha como sua pregação predileta uma firme postura contra uma leitura individualista dos Evangelhos, a defesa de uma renovação urgente e integral da vida humana, incluindo  reforma profunda das instituições eclesiásticas, dentro de uma visão progressiva da História e da Escatologia Cristã,  num núcleo de pensamento a que seus seguidores chamaram de "Humanismo Cristão".
      O protocolo maior desse Humanismo Cristão, que ainda tenho em mãos, foi inspirado em duas frases do Apóstolo Paulo: - "Nós cremos, por isso falamos" (2Cor 4,13), e - "O Evangelho é a salvação para aquele (aquela) que crê" (Rom 1,16).
      Esta seria também a inspiração primeira de nossa vida. Quem professa o Humanismo Cristão crê igualmente na fecundidade social dos Evangelhos, no seu dinamismo criador e restaurador, na sua capacidade de pensar e engendrar mundos novos, principalmente, e sobretudo, quando velhas estruturas que nos sufocam exigem sejam enfrentadas e neutralizadas.
      Dizia Carlos Josaphat nas suas pregações populares, com enorme bom senso e profunda  empatia com seus ouvintes, que a doutrina de Jesus de Nazaré estabelece a união da Terra com o Céu, pois abraça homem e mulher no seu todo, na realidade de seu corpo e de seu espírito, de sua inteligência e de sua vontade, convocando-os a elevar-se das planícies áridas da vida terrena até às alturas da vida eterna.
      Assim o Humanismo Cristão, embora tenha como urgente missão colaborar na santificação pessoal de homens e mulheres deste mundo, é também missão primordial sua preocupar-se, ao mesmo tempo, com as suas necessidades cotidianas, não só no que diz respeito ao seu sustento, mas ainda no que se refere à prosperidade e à civilização humana em seus múltiplos aspectos, dentro das diversas e mutáveis conjunturas históricas.
      Esta preocupação com uma concepção integral do homem e da mulher constitui o núcleo animador do Humanismo Cristão, porque quem o professa crê também, e principalmente, no corolário social da Encarnação Redentora de Jesus de Nazaré, como igualmente não descrê das aspirações de todas as pessoas, bem conscientes de sua dignidade, em lutar por uma civilização solidária, cada qual no seu meio social e nas suas atividades do dia a dia.
      O humanista cristão crê em um sentido providencial para a caminhada histórica da humanidade, crê na dignificação do trabalho, e saúda as oportunidades concretas que sempre se abrem para a promoção e a ascensão do conjunto de homens e mulheres que lutam para a construção de um mundo melhor, mundo de justiça, e de paz.
      Não se esquecendo que aos poucos vai ficando para trás um triste passado de egoísmo e de misérias, herança de uma política e de uma mentalidade calcada no desamor. E crê ainda, com força total, que vai se firmando também uma alvorada de esperança, cujo penhor é o Sangue redentor de Cristo, que valoriza o suor de todos quantos lutam por uma civilização da União, da Paz, da Fraternidade e da Justiça Social, alimentada pela Fé, pela Esperança e pela Caridade.
      Em resumo: para quem professa e vive um autêntico Humanismo Cristão, crer em Jesus Cristo não é um repouso. É apostar tudo pela felicidade de homens e mulheres deste nosso mundo, já que, pelo dom da Graça Divina, todos nós podemos ser co-criadores com Deus.

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