quarta-feira, 6 de junho de 2012

A "REVOLUÇÃO TEMPORAL" PARA A "SALVAÇÃO ETERNA"



            O poeta e ensaísta francês Charles Péguy dizia numa de suas crônicas que "é necessário fazer uma revolução temporal" para a "salvação eterna" da humanidade. Não é possível deixar homens, mulheres e crianças no "inferno da miséria". É necessário fazê-los transpor o limiar que os separa da pobreza, que é em si "um purgatório". E citava um texto evangélico:
      - "Aquele que diz amar a Deus, e que não ama seu irmão, é um mentiroso; porque, como pode ele dizer que ama Deus, que ele não vê, se não ama seu irmão, a quem vê?"
      Estas palavras são de uma simplicidade esmagadora. Impossível alguém furtar-se a elas. O cristão deve estar presente em todos os esforços da cidade temporal, quando esta procura edificar um mundo mais humano. Não pode jamais resignar-se "com o sofrimento dos outros".
      Ele sabe, melhor do que ninguém, que a causa fundamental do sofrimento no universo, é o pecado. Não apenas o pecado de Adão, que introduziu a morte no mundo, mas os seus próprios pecados cotidianos. Ele sabe que as guerras, as revoluções sociais, os levantes, as revoltas de povos desesperados, provêm dos pecados coletivos das nações: regiões onde reina uma espécie de feudalismo, fundamentado na corrupção principalmente política, que dá a alguns a posse privilegiada de imensos recursos desviados da coletividade, são terras de injustiça que clamam aos céus.
      O pecado das nações é também o dos indivíduos. Nossos maus pensamentos e nossas más ações envenenam o ar. A cadeia dos nossos atos desdobra-se até ao infinito. Nós próprios somos já vítimas, antes de por nossa vez nos convertermos também em carrascos e pestíferos.
      No livro de George Gheorgiu, escritor romeno que acabo de ler, no seu impressionante romance A Vigésima Quinta Hora, o mal estendeu-se às dimensões do globo, a ponto de ninguém poder dizer onde está a raiz envenenada que seria preciso arrancar; e contudo esse mal vem da estupidez e da maldade de homens e de mulheres. A maldade de homens e de mulheres contra outros homens e mulheres. Contra semelhante peste todos, indistintamente, deveriam unir-se.
      O cristão consciente sabe melhor do que ninguém até que ponto é responsável por ela. Até que ponto também, se ele vivesse a sua religião com autêntica santidade, o mundo se tornaria melhor. O exemplo de santos como Francisco de Assis, Vicente de Paula e Terezinha do Menino Jesus assim o mostra. Suas vidas permitem entrever onde pode chegar a Graça tomada a sério; ela salva a alma, mas também salva o corpo. Os milagres operados pelos santos, através da Graça de Deus, são tão importantes para a salvação do mundo, quanto as reformas sociais mais urgentes.
      É necessário que a santidade se encarne nas estruturas sociais, políticas, judiciais e econômicas. Aqui principia o drama. A Igreja, que é santa na sua estrutura divina, é também humana, porque está nas mãos de homens que precisam ser cotidianamente resgatados de seus pecados, que a salvação do mundo redimiu. Embora transcendente no tempo, pela sua essencial mensagem de ressurreição, a Igreja deve também esforçar-se por cristianizar as formas sucessivas que revestem as estruturas humanas.
      Muito grave é a tentação de nos instalarmos num estado de coisas estabelecido há certo tempo. Quanto mais perigosa ainda a tentação de nos servirmos de meios temporais para obrigar o mundo a proteger a Igreja, ou de utilizar meios espirituais com o fim de ser obtido um proveito temporal. A "cristandade" da Idade Média foi uma coisa bela. Mas que perigo para os cristãos de hoje sonhar com a sua restauração!
      A Igreja deve "sujar as mãos"; ela deve viver no mundo, porém sem ser do mundo. O que a humanidade pede aos cristãos é uma religião pura de toda a ligação terrestre malsã; uma presença leal nos esforços sociais e políticos. Os cristãos devem mais do que nunca testemunhar que a sua Fé não é uma ideologia, um mito social político ou econômico.
      Os cristãos não devem misturar suas esperanças do além, com seus esforços temporais. Um Cristianismo baseado na esperança pascal da ressurreição, numa alegria de ressuscitado, tal deve ser o seu testemunho: uma colaboração real com todas as forças de justiça deste mundo, tal é o seu dever concreto.
      Os cristãos têm também  "encontros" na Terra. Direi mesmo que os seus únicos "encontros" são aqui, porque é no amor aos homens e mulheres que eles praticam o amor de Deus. Sua Fé neste ponto é muito mais exigente ainda que a "religião" dos "sem Deus", porque não lhes reclama uma filosofia puramente humana, mas uma prova de amor sobrenatural.
      Quando os cristãos trabalham para o aperfeiçoamento da vida social, é necessário que transpareça em seu amor o amor de Deus, aquele amor que Jesus de Nazaré proclamou quando deu ao mundo a mensagem das Bem-aventuranças.
      Se, materialmente, os seus gestos são os mesmos, a luz que os ilumina é sobrenatural. Se o mundo visse que o amor dos cristãos pelo próximo, que o seu sacrifício pelos homens e mulheres salva mais profundamente os seus irmãos humanos, sem dúvida se volveria com melhor vontade para a fonte desse amor, que é a mensagem pascal de Jesus, o Cristo de Deus.
      Termino, parodiando o poeta e ensaísta francês, Charles Péguy, afirmando que a revolução temporal e a salvação devem realizar-se simultaneamente.
      Ora ET labora - reze E trabalhe -  dizia o monge São Bento.
      É preciso lutar, como se tudo dependesse de nós. Mas também pôr-se de joelhos, como se tudo dependesse de Deus.

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