domingo, 17 de junho de 2012

O CRISTÃO E O MUNDO SEM DEUS

            Em português a palavra "mundo" comporta uma grande variedade de sentidos. Na cristandade da Idade Média e em épocas posteriores o conceito de "mundo" era acentuadamente religioso, pois era algo que devia ser renunciado e esquecido pelo crente. Para isto era sempre lembrada a primeira Carta de João (2,15-17), na qual eram os cristãos exortados: - "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo: não está nele o amor do Pai, porque todas as coisas do mundo, tais como a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o fausto da vida não vêm do Pai, mas do mundo. E quem faz a vontade de Deus permanece eternamente."
      É muito clara esta advertência, não deixando margem a nenhuma dúvida porque, neste caso, "mundo" é o reino do egoísmo e do pecado. O mundo, assim considerado, "não pode receber o Espírito Santo" (Jo 14,7), porque a paz de Cristo não é um dom semelhante aos dons deste mundo. Com certeza, "mundo", neste sentido, deve ser tomado como uma "criação má", algo puramente material, oposto por sua natureza ao mundo espiritual.
      Infelizmente, esta interpretação derivada das heresias do maniqueísmo e do gnosticismo nos foi imposta durante muito tempo no decorrer da História como uma visão "tenebrosa" do mundo, carente da luz de Cristo e oposta à vontade de Deus. Entretanto, o mundo material, porque criado por Deus, no rigor do termo não pode ser "tenebroso", e nem por sua natureza se opõe a Deus. As trevas do mundo não estão no seu aspecto material, mas unicamente no pecado de homem e mulher, que rejeitaram o amor de Deus e preferiram os manjares terrestres, muitas vezes sob o pretexto de uma religião alienante e mal compreendida. Neste sentido, o mundo "tenebroso" não passa de um mundo sem amor, distante de Cristo, um mundo composto de pessoas enrodilhadas sobre si mesmas, egoístas e sem calor humano.
      Tradicionalmente, a oposição cristã ao "mundo" é uma oposição de fundo teológico, enquanto rejeita o mundo na medida em que confina a liberdade de homem e de mulher numa escravidão a preconceitos e paixões, sumariamente descritos pelo  apóstolo Paulo na sua Carta aos Romanos (1, 18-32).
      Há sem dúvida nenhuma o lado positivo deste quadro. Se o cristão deve permanecer "no mundo, mas não ser do mundo" (Jo 15, 18-19; 17,11), deve contudo permanecer no mundo como testemunha e manifestação de Cristo, que é a "luz do mundo" (Jo 8,12), e que por Sua morte expulsa dele o mal e atrai homens e mulheres para Si.
      Lembremo-nos também que a mais profunda palavra de João a respeito do mundo nos revela que "Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,18).
      O mundo vivido pelo cristão é um mundo que, em muitos e variados aspectos, é de fato um mundo em que está presente o mal, o ódio, a ganância, o egoísmo, a mentira, a frustração e o desespero, mas que, muito mais que isso, tem como sua realidade central e mais íntima as promessas de Deus, no Reinado de Cristo e na Sua obra de redenção.
      A Fé cristã, ao confessar esta verdade central, esta presença salvífica de Cristo Redentor no mundo pecador e sofredor, assume a chave do sentido pleno do homem e da mulher, do mundo e da História, inclusive de todas as injustiças e desumanidades presentes na História.
      Precisamente porque a Fé não se baseia na evidência clara, externa e científica, mas na fidelidade ao Deus das promessas, ela exige de nós um compromisso pessoal com a pessoa de Jesus de Nazaré, que ama o mundo e sua História, que redimiu homem e mulher, e que sustém o mundo e seu destino nas Suas próprias, benfazejas e divinas mãos.  

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