segunda-feira, 14 de outubro de 2013

LAVADEIRA, TU LAVAS O REINO DE DEUS


          Tempos atrás, antes de vir para Curitiba, eu vivi muitos anos em Barbosa Ferraz, pequena mas acolhedora cidade no interior paranaense, banhada por um lado pelo Rio Corumbataí, e do outro pelo Rio Lontra ou das Lontras. Pois junto a esse rio Corumbataí, num trecho bastante pedregoso e chamado de "Salto" pelos barbosenses, as lavadeiras das imediações costumavam reunir-se aí todas as manhãs para lavar suas roupas. Eu, rapazola, gostava de circular por ali, vendo aquele grupo de mulheres na sua faina diária enfrentando trouxas e mais trouxas de roupas a serem lavadas.
         Vendo-as, raciocinava comigo mesmo:  será que nas grandes cidades deste nosso Paraná ainda existem esses bolsões de lavadeiras à beira dos rios, ou elas com o tempo irão desaparecer?
          Será que as lavanderias e as máquinas de lavar derrotarão a figura profundamente humana e sofredora da Lavadeira?...
          O fato é que as lavadeiras parecem ainda ser necessárias para muitas famílias, para as quais vivem diariamente entregando a roupa lavada, passada e engomada, e sempre levando nova trouxa de roupa a ser lavada, passada e engomada, como sempre se fez, e como sempre se fará. enquanto o mundo for mundo...
          Roupa lavada, só Deus e as lavadeiras sabem à custa de quanto sacrifício: deu trabalho catar água ali na bica, lavar a roupa em tinas de madeira, esfregar, esfregar, até tirar toda a sujeira. Esta é a lei das lavadeiras: encontrar um local apropriado à beira pedregosa do Corumbataí, suficientemente espaçoso, limpo e a salvo de pessoas menos escrupulosas. E às vezes, por culpa dos muitos pecados,  acontece que o rio traz uma tranqueira imensa de detritos de toda espécie, atrapalhando e atrasando o trabalho, quando não uma água poluída, pondo em risco não só a roupa, mas a própria vida da lavadeira!
          "Coradouro", palavra um tanto quanto esquisita, é o pequeno espaço de chão onde a roupa ensaboada e enxaguada é posta para corar, para secar... Pode não ser muito higiênico, mas dá saudade encontrar roupa estendida no chão, por onde, não raro, galinhas, quando não cachorros, aparecem de vez em quando, pondo em alvoroço a pobre lavadeira...
          Usa-se também estender a roupa lavada em cercas, muitas vezes de arame farpado, que costuma deixar pequenos furos nos tecidos...
          Quando faltam o coradouro e a cerca, o jeito é pendurar onde for possível, o que me faz lembrar uma passagem inesquecível do poema "Chão de Estrelas", muito lido nos meus tempos de ginásio:
        
           " Nossas roupas comuns, dependuradas
             na corda, qual bandeiras agitadas,
             pareciam um estranho festival..."


           Quem escreveu estes versos? Nem me lembro mais, e tenho preguiça de pesquisar. Heroína sem nome nos jornais, no rádio ou na TV, a lavadeira no interiorzão deste nosso Brasil tem um trabalho cuja dignidade e cuja remuneração adequada, em muitos casos, precisamos ajudar a defender... Contento-me por ora em lembrar a beleza dessa missão: lavar, limpar, purificar a roupa de muita gente!

           Nascido no interior de Minas Gerais, tendo convivido com minha mãe lavadeira, juntamente com muitas outras mulheres na mesma lida,  católico e religioso que sou, lembro-me que a Mãe de Jesus e nossa Mãe, Nossa Senhora, com toda certeza também foi lavadeira, na humilde e abençoada Nazaré!...
           Quem me dera que ainda hoje, nestes nossos tempos modernos, todos nós tivéssemos ainda roupa a ser lavada pelas tradicionais e quase sumidas lavadeiras... Lembro-me agora de um dito popular que é um anseio compreensível, mas injusto: pobre, mas limpo!... E completo este dito com o ainda preconceituoso costume de achar respeitável e digno quem chega até nós bem vestido, e considerar maloqueiro, maconheiro e ladrão quem anda sujo e descalço...
           É preciso lembrar que para andar limpo necessita-se ter água e roupa para ser mudada: entretanto, mais de dois terços de habitantes deste nosso mundo vivem na miséria e na impossibilidade física de limpeza...
           Daí, precisamos lavar injustiças, limpar egoísmos, como o melhor dos caminhos para que cada um e cada uma tenha o gosto de andar limpo de roupa, de corpo e de alma! Principalmente de alma!...

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