Estando para entrar no meu octogésimo ano de vida, comentei com minha mulher que esse fato me leva a pensar que dei mais um passo em direção à morte. Minha mulher me repreendeu, dizendo que sou um pessimista, um neurótico, pois pois só penso em situações ruins e destrutivas...
Tive que defender-me, mostrando a ela que a morte pertence ao próprio conceito de vida terrestre. Esta é sempre vida mortal ou morte vital. Argumentei que, muito antes que homem e mulher tivessem emergido, na evolução, já as plantas mirravam e morriam os animais.
Esta constatação, aliás, tem sua importância porque a Bíblia e a Teologia apresentam a morte de homem e mulher como consequência do pecado de Adão, transmitido a todos os seus descendentes, através dos séculos e das gerações.
O apóstolo Paulo o diz claramente:
- "Através do pecado a morte invadiu o mundo."
E a Igreja, desde os concílios de Orange (529) e de Trento (1546) o relevam com igual clareza: "a morte é o preço do pecado".
Como entender tal afirmação?
Uma reflexão atenta sobre a sentença conciliar nos fará compreender a validade destas duas posições: uma que afirma a morte como fenômeno natural e outra que sustenta a morte como consequência do pecado.
A teologia clássica da Igreja, seguindo Santo Agostinho, sempre ensinou que a morte é um fenômeno natural enquanto a vida biológica vai se desgastando até homem e mulher terminarem seus dias. Não podemos dizer: homem e mulher não podem morrer. Constitucionalmente, homem e mulher são seres mortais.
Entretanto, em virtude de sua orientação original para Deus e na sua situação matinal, o homem primitivo (Adão) estava destinado à imortalidade, podemos deduzir dos dados bíblicos. Ele podia não morrer. O famoso teólogo Karl Rahner no seu livro "Sentido Teológico da Morte" afirma que é evidente que homem e mulher teriam terminado sua vida temporal. Teriam certamente permanecidos em sua forma corporal, mas sua vida teria chegado a um ponto de consumação e plena maturidade a partir de dentro... Adão e Eva teriam tido "uma certa morte". (Na sequência do texto, continuo desenvolvendo o ensinamento de Karl Rahner).
Quer dizer: haveria uma cisão entre a vida terrestre e a vida celeste, entre o tempo e a eternidade. Haveria uma passagem. Haveria, então, morte. Mas essa morte estaria integrada na vida. Devido à harmonia total do homem e mulher, a morte não seria sentida como perda, nem vivida como um assalto nem sofrida como um despojamento. Seria passagem natural, como natural é a passagem da criança do seio materno para o mundo, da meninice para a idade adulta.
Alcançada a madureza interior e esgotadas as possibilidades para homem e mulher corpo-espírito no mundo terrestre, a morte os introduziria para o mundo celeste... Adão e Eva morreriam como o "Pequeno Príncipe" de Saint-Exupéry: sem dor, sem angústia, sem solidão...
A realidade é que a morte é consequência do pecado original, que afeta o homem e a mulher, que perderam sua harmonia com a vida. A morte, para eles, é sentida como um elemento alienador e roubador da existência. É medo, é angústia, é solidão. A morte concreta e histórica, assim como é vivida (viver a morte e morrer a vida são sinônimos) resulta do pecado. Por um lado, como termo da vida é natural. Por outro, "no modo alienador" como é sofrida, é desnatural e dramática.
A morte implica uma derradeira solidão. Por isso homem e mulher a temem e fogem dela, pois a morte simboliza e sela uma situação de pecado que é a solidão do homem e da mulher que romperam a comunhão com Deus e com os outros.
Contudo, a Fé cristã nos ensina que é possível integrar a morte na vida. abraçá-la com total despojamento e derradeiro ato de amor como entrega confiante a Deus, não vendo nela a ladra traiçoeira da vida, mas a irmã que liberta e introduz na casa da Vida e do Amor, que é Deus!
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