Arrancando uma pagela do calendário sobre minha mesa de trabalho, referente ao dia 17 de março deste ano de 2016,, encontrei ali esta anotação:
"Aniversário da Raquel: se ela estivesse viva, faria hoje 49 anos, e toda a nossa pequena família estaria em festa!"
Infelizmente, esta é a pura verdade: não podemos comemorar seu aniversário natalício, mas apenas chorar a sua ausência dentre nós, pois está fazendo hoje quatro anos e sete meses que ela nos deixou, partindo definitivamente para a Casa do Pai de todos os pais.
Que Deus a tenha na Sua paz, minha filha querida!
Fique Você sabendo, querida Raquel, que hoje, de manhãzinha, este velhote já meio careca, apenas com alguns cabelos brancos na cabeça, carcomido pelo peso de seus oitenta anos, confessa francamente, de público, que chorou. Hoje seria seu aniversário, e cadê Você, para que pudéssemos abraçá-la, cantar-lhe o "Parabéns prá Você", comer uma fatia do bolo gostoso que sua mãe sempre fazia com tanto capricho, nesta data?
Você não está mais entre nós. Deixou órfã sua filha Isabela, hoje com dezoito anos, esbelta, com seus olhos azuis e seus cabelos encaracolados! ah, se Você pudesse vê-la aí do Céu, onde Você está! Iria admirar-se ao ver como ela está linda!
Não posso mais abraçá-la, filha querida! Mas sei que Você gostava de poesias. Infelizmente não tenho o dom sublime dos poetas, mas aceite estes meus rabiscos dedicados a Você após o seu falecimento, e que encontrei num velho caderno que até hoje guardo com carinho:
"...
se eu pudesse
na hora mais dolorosa
do sepultamento de minha filha Raquel
quando a sua urna funerária
era colocada túmulo a dentro
eu faria
com que pairasse sobre os presentes
uma revoada de andorinhas
lembrando
a sua Ressurreição NA morte
como é a Fé
que me anima e me mantém vivo
até hoje...
Oh! como seria bom
se eu pudesse!..."
Saudosa Raquel: sei que todos nós nos esquecemos muito facilmente de tudo quanto nos pode magoar. Uma vizinha, querendo confortar-nos, à sua mãe e a mim, ao contarmos a ela sobre os quatro anos e sete meses de seu falecimento, nos disse que o tempo cura todas as feridas, e com o tempo nós nos acostumaríamos com a ausência da filha querida.
A sós comigo mesmo, comecei a refletir sobre a opinião daquela senhora, e cheguei também à conclusão de que nos acostumamos com relativa facilidade. Sei que a gente se acostuma a andar pelas ruas e ver caras conhecidas ou mostruários de lojas. A ver bancas de revistas e folhear jornais, buscando notícias ou anúncios de coisas que nos interessam.
A gente também se acostuma com a poluição da cidade grande, as janelas de casa sempre fechadas, os portões sempre trancados a cadeado, por receio de eventuais larápios. Com as janelas sempre fechadas, logo nos acostumamos a não abrir as cortinas. E porque não abrimos as cortinas, logo nos acostumamos a acender mais cedo as luzes. À medida que se acostuma a isso, esquecemos o sol, esquecemos o ar puro, esquecemos a amplidão do olhar!
A gente se acostuma quase sempre para preservar a pele, para evitar feridas e sangramentos emocionais, para poupar os dissabores do dia-a-dia. Aos poucos, de tanto acostumar, nos acostumamos conosco mesmos, a ponto de não sabermos mais desfrutar das alegrias da vida.
Como escrevi linhas acima, a vizinha disse à minha esposa que o tempo cura todas as feridas, e o tempo a faria acostumar-se com a ausência da filha falecida. De fato, a gente se acostuma com muitas coisas para não sofrer. Em doses pequenas, fingindo não perceber, vamos afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Mas, será mesmo verdade que o tempo nos fará acostumarmo-nos com a ausência perpétua de uma pessoa querida, como sempre foi e como sempre será minha querida e falecida Raquel?
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Minha filha, hoje, data de teu aniversário, não podemos abraçar-te, fazer-te festas, mas tu estás aí no Céu, em companhia de teu irmão Júlio, cuja partida também choramos; tu estás junto de Jesus, junto de Sua Mãe Maria, junto com os anjos e com os santos. Então eu te peço apenas isto: roga a Deus, que teus anos encurtou, que tão logo daqui me leve a ver-te, quão cedo de meus olhos te levou, como diz este singelo poema que te dedico com todo o meu amor e minha saudade:
Minha filha Raquel, que te partiste
tão cedo, desta vida, descontente:
descansa lá no Céu, eternamente,
e fique eu cá na Terra, sempre triste.
Se lá no assento etéreo aonde subiste
lembrança desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que em meus olhos de pai tu sempre viste.
E se vires que pode merecer-te
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão logo daqui me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou!
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