sábado, 14 de abril de 2012

O CRUCIFIXO E OS TRIBUNAIS


       Dizem os estudiosos que a  Constituição consagra nosso país como um Estado laico. Sendo assim, e suposta pela Constituição também a liberdade de se professar qualquer crença, não obstante fica o Estado proibido de favorecer esta ou aquela confissão religiosa. Isto, como consequência do laicismo em que deve viver o Estado no seu todo.
      Diante deste raciocínio, como aceitar a presença de símbolos religiosos, principalmente o crucifixo, nos tribunais e demais órgãos públicos?
      Se o Estado é laico, ele não pode ter vínculos institucionais com nenhum sistema religioso ou confissão religiosa particular. Eis aí um assunto querido e trabalhado por intolerantes de todos os matizes e cores ideológicas.
      O último, de que tenho conhecimento, provocou a réplica, na Gazeta do Povo, assinada por Joel Pinheiro da Fonseca, sob o título de "O crucifixo no banco dos réus". Diz o autor, textualmente:
      - "Estão tirando os crucifixos dos tribunais. Tudo em nome do Estado laico. Não sou jurista, não sei dizer se o crucifixo viola nossa legislação. Proponho, então, analisar o conceito de Estado laico e comparar diferentes aplicações possíveis dele à luz da razão."
      A partir daí, e depois de várias análises do significado do termo "laicismo", com exemplos de outros países, citando particularmente os Estados Unidos e um pronunciamento a respeito, por parte do presidente Obama, o autor  conclui que "o Estado laico benevolente reconhece sua própria história e tradições, sem por isso torná-las normativas."
      No meu entender, tirando as consequências desta afirmação, creio que a fé ou a ausência dela é questão essencialmente particular e individual, e o Estado não pode alegar nenhuma competência para intervir nesse campo, a não ser aceitar e proteger a livre manifestação religiosa de homem e mulher na sociedade e no lar.
      Entretanto, apesar destes parâmetros, é necessário reconhecer que sendo o Brasil um país predominantemente cristão, com ênfase nas tradições católicas desde o seu descobrimento (Terra da Santa Cruz), também nossas tradições jurídicas passam pelo cristianismo e pela Igreja Católica, na convicção de que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos fundamentais, independentemente de raça, sexo, cor, ou classe social, convicção esta que tem origem indubitavelmente na fé cristã, consubstanciada nos Evangelhos e na vivência quotidiana.
      Voltamos então ao início destas considerações: como aceitar a presença de símbolos religiosos, principalmente o crucifixo, nos tribunais e demais órgãos públicos, tão combatida por todo um exército de intolerantes dos mais diversos matizes?
      Se é um ateu, por que se preocupar com um símbolo religioso, se ele, como ateu, não vê nenhuma consistência por trás desse símbolo? Lembro-me aqui do filósofo francês ateu Jean Paul Sartre, que dizia não precisar de Deus. Entretanto, o nome de Deus era presença constante nas suas peças teatrais. Lembro-me que nessa época, década de sessenta, escrevi um artigo no qual afirmava que Sartre deu cabo de Deus, mas não sabia o que fazer com o cadáver, que se tornara para ele uma terrível  obsessão.
      Há quem veja no crucifixo um fator ofensivo a cristãos não-católicos que, não admitindo a veneração de imagens, consideram a presença desse símbolo uma ofensa a seus princípios. E eu tomo a liberdade de dizer que tal sentimento revela mais sobre essa pessoa do que sobre a própria presença do crucifixo.
       É verdade inconteste que o Estado brasileiro não depende da fé cristã para que aceitemos seus critérios e normas de comportamento; ir além disso e exigir que se extinga dos lugares públicos todo símbolo religioso, é exigir que toda uma cultura, toda uma tradição milenar se apague, só para que não seja uma certa ofensa a um credo que não se  professa.
      Apesar de laico, o Estado não precisa ser inimigo da religião, e nem sequer precisa fingir que ela não existe. Dentro de nossa secular tradição religiosa e cristã, faz muito sentido que o crucifixo, símbolo da salvação eterna para a maioria de nosso povo, esteja presente nos órgãos públicos, notadamente nos tribunais, onde se pratica a justiça, norma candente nas Escrituras Sagradas.
      Que a presença do crucifixo tenha se tornado questão séria a ser debatida nos meios de comunicação, vem ilustrar muito mais o caráter intolerante e belicista do nosso propalado laicismo, do que a própria questão em si.
       
     

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