segunda-feira, 28 de outubro de 2013

SERÁ QUE EXISTE ESSE TAL DE "SÃO NUNCA"?


          Em tempo de criança, quem nunca escutou, ao fazer pedidos difíceis aos pais, a resposta desanimadora: - "Só no dia de São Nunca"?
          Lembro-me que, ao ouvir essa frase, eu corria para a folhinha em busca desse famoso Santo... E nunca o encontrei...
          Sendo assim, e baseado na minha própria experiência, gostaria de pedir aos pais e aos adultos de modo geral, que não falem em São Nunca. Não liguem a idéia de Religião a obstáculos intransponíveis. Nossa gente já tem alguma tendência ao fatalismo, e precisamos cuidar para não incentivá-lo.
          Não existe São Nunca. O impossível não nos deve assombrar, nem levar a esmorecer-nos.
          Gosto de ouvir dizer: - "Possível é o que se faz brincando. Impossível é o que custa um pouco mais."
          Os pessimistas costumavam  dizer: - "Nunca o Homem dobrará o Cabo das Tormentas."  Nossos irmãos portugueses o ultrapassaram e ele virou Cabo da Boa Esperança.
          Os pessimistas agouravam: - "Nunca o Homem conseguirá voar."  E um brasileiro, Santos Dumont, deu asas ao Homem, e hoje ultrapassamos, rindo, a barreira do som.
          Os pessimistas juravam: - "Nunca será possível se falar de uma cidade a outra, e ainda menos de um a outro Continente." E hoje, o rádio e a televisão levam, com a maior facilidade, a voz humana, a imagem,  e os sons em geral, aos mais distantes pontos da Terra. Inclusive até aos outros planetas.
          Os pessimistas apregoavam à boca cheia: - "Nunca o Homem se arrancará da Terra para atingir a Lua."  E milhões de pessoas do Mundo inteiro viram o Homem caminhando na Lua...
          Ninguém mais duvida que seja questão de dias o desembarque pelos planetas afora, até aqueles que, por enquanto, nos parecem os últimos, os mais distantes no espaço sideral.
          Depois de o "São Nunca" ter sido posto a escanteio, tantas vezes, eu me divirto com a audácia com que muitos continuam descobrindo situações que parecem impossíveis, e as rotulam de "nunca".
          Há quem pense e diga que as guerras nunca deixarão de surgir. Mas as guerras estão ficando cada vez mais absurdas, a ponto de a repulsa contra elas vir crescendo sempre mais.
          Tenho a convicção de que as guerras, um dia, pertencerão ao passado e passarão a existir apenas nos Museus!  O homem será tão insensível a ponto de aceitar uma guerra nuclear que pode acabar com a vida na Terra?...
          Há quem se escandalize com a idéia de o Homem vir a criar vida em  laboratório. O Homem sozinho, por suas próprias forças, nunca! Mas Deus fez Homem e Mulher participarem de Sua natureza divina e de Seu poder criador... Por que imaginar um Deus ciumento, com o medo da sombra que Homem e Mulher Lhe venham a fazer?
          Quanto mais longe a Humanidade chegar, mais glória dará ao Criador e Pai de todos os pais.
          Mais uma vez, nada de "São Nunca"... Longe de ser ligada ao fatalismo, a obstáculos intransponíveis, a Religião deve ser uma força libertadora. Pelo poder recebido de Deus, não há impossível, nem nunca para Homem e Mulher neste nosso mundo criado e habitado por Deus!...
      
          

  
                 
          
          

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ABRAÇAR!...


          
            Abraçar! O abraço pode tornar-se uma prece pela união de todos nós em torno de um objetivo comum. Não é preciso muito raciocínio para verificar que há muita divisão entre continentes, entre nações, entre cidades, entre políticos, entre religiões, entre estamentos sociais e, muito triste, dentro das famílias, em que Esposos se entediam e, aos poucos, se tornam estranhos um para o outro dentro da mesma casa.
            Entre pais e filhos, separados pela assim dita crise entre gerações: entre irmãos, filhos dos mesmos pais; entre vizinhos no seio da Comunidade. Entre classes sociais, que digladiam em busca de pretensos direitos; entre partidos políticos; entre associações de bairros, choques e divisões dentro de diferentes países, até entre Continentes...
            Por que nós, que nos identificamos como irmãos dentro do Cristianismo, não experimentamos nos abraçar, pedindo a Deus entendimento entre homens e mulheres, aproximação, união entre os filhos do mesmo Pai de todos os pais?
            Durante a Santa Missa, na hora de rezar o "Pai Nosso" a Comunidade costuma dar as mãos... É claro que não basta dar as mãos, abraçar, dizer "Paz de Cristo"... É um sinal, mas sabemos que os sinais valem na medida em que envolvem o compromisso de viver as realidades que eles significam...
            Talvez seja pensando na união de homens e mulheres de todo o mundo em torno de objetivos comuns, que nos meus tempos de infância em Poços  de Caldas, no interior de Minas, eu gostava tanto  do "Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar", que um bando de crianças vizinhas e eu cantávamos à noite, sob a luz de um poste de iluminação pública, no bairro onde morávamos...
            Talvez, inconscientemente, sonhássemos com o impossível de uma imensa "Ciranda" em redor do Mundo, para além, muito além dos racismos que envergonham a Humanidade. para além, muito além dos egoísmos individuais, dos egoísmos de classes, dos egoísmos nacionais...
            A verdade é que homens e mulheres conseguem cavar fossos difíceis de cobrir: às vezes, dentro de uma mesma cidade, como aconteceu em Berlim, dentro de um mesmo País, como a Coréia ou o Vietnã... Os homens e mulheres se dividem e se chocam, e a união nacional se torna ainda mais difícil, porque há interessados nas divisões, nos embates, nos choques, nas guerras e guerrilhas...
            Abraçar! Está lá na Bíblia Sagrada, em Isaías, quando o profeta nos apresenta audácias incomparavelmente mais absurdas, fora do milagre:

             o lobo e o cordeiro comerão no mesmo pasto;
             o leão comerá palha com o boi;
             a pantera dormirá, lado a lado, com o cabrito;
             a criança meterá a mão, sem perigo, no ninho dos escorpiões...


             E o mais espantoso é o anúncio de que as espadas e os canhões serão transformados em arados e charruas...
             Por isso, é muito legítimo o clamor que vem das ruas:
             Homens e mulheres de boa vontade, do Mundo inteiro, abracemo-nos, como prenúncio dos dias de paz anunciados pelo Profeta.
             Homens e mulheres de esperanças, visionários, sonhadores, nós todos que teimamos em proclamar que o ódio não será a palavra final, e que a morte será ferida de morte, abracemo-nos!
             Filho de Deus, Jesus Cristo, que Te fizeste Homem, Irmão dos homens e mulheres: abraça Céu e Terra, abraça os Continentes, as Raças, as Religiões, os Povos todos...
             Vieste ao Mundo para unir. Envolve-nos, pois, a todos, em Teu abraço de amor, de paz e de redenção!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

- "NÃO TENHO TEMPO!..."


         Nos meus tempos de Faculdade de Teologia, em São Paulo, na década de 60, era lido no refeitório o livro de Michel Quoist, "Poemas Para Rezar", livro este já em várias edições no Brasil. O eventual e heróico leitor deste meu blog, se puder, chegando a uma livraria católica pergunte se ela tem o livro e, se tiver, compre-o, pois esse é o tipo de livro que a gente não se cansa de ler e tem gosto de emprestar para os amigos.
         Em um de seus poemas, Michel Quoist chama a atenção do leitor para a desculpa que nós todos apresentamos, tantas vezes, de falta de tempo:
         - "Desculpe-me, não tenho tempo"; "Estão me esperando"; "Preciso ir": "Só disponho de um minuto"; "Não tenho tempo"...
         Quando se quer mesmo, o tempo aparece. É um fato indiscutível. Às vezes acabo de despachar alguém, que talvez estivesse necessitadíssimo de falar, de ser ouvido, talvez  a minha fosse a última porta em que seu desespero estivesse batendo... Despacho-o sem ouvir, ou ouvindo às pressas, alegando falta de tempo; surge alguém ou algo que me interesse, e o tempo também aparece...
         Quantas vezes o encontro se arrasta durante horas, e assim que  chego em casa, eu me lembro de que faltou na conversa um assunto importantíssimo: e haja telefonema daquele tamanhão!...
         O tempo! Confesso que só consigo avaliar como o tempo passa, se evapora, contemplando meu relógio, no ponteiro dos segundos...
         Dificilmente chego a considerar que o importante não é tentar o impossível de fazer o tempo parar. O importante, me parece, é aproveitar o tempo, transformando-o em positiva eternidade.
         Pensando bem, se aparentemente eu perco meu precioso tempo para pensar em Deus e abrir espaço para o próximo; se não guardo, avaramente, todo o tempo só para Ele, muitas vezes acabo tendo uma surpresa de ver como o tempo se multiplica
         A pessoa que anda com o tempo sobrando, que não tem nada para fazer,  já dá uma prova de que anda sem olhos para ver e sem ouvidos para ouvir.
         Se visse e ouvisse, apareceria muita coisa para fazer. Não é de modo algum perda de tempo um papo amigo, ou uma diversão, ou um passeio que me ajude, que me descanse... O horrível é atender alguém já lhe dizendo antecipadamente que só disponho de três minutos, ou mesmo de cinco, ou de dez, ou de quinze. Marcar o prazo, ficar olhando o relógio, sobretudo para os tímidos, é um desastre. A pessoa nem encontra mais o que dizer.
        Claro que existem pessoas que abusam, que têm o hábito de tomar todo o meu tempo, mesmo sabendo que tenho outros compromissos.
        Depois de muito ler, conversar com pessoas mais velhas e experientes, consegui aprender a organizar as grandes linhas de minha vida e do meu tempo. Aprendi a prever as grandes tarefas de cada dia. Principalmente, cheguei à conclusão de que não é egoísmo salvar, além dos compromissos, tempo para um encontro, mesmo rápido, mas profundo, com Deus, na oração.
         Não é perda de tempo reservar um pouco de tempo para reabastecer-me, inclusive ler um bom livro. Se me deixar pura e simplesmente devorar-me no trabalho, muito em breve não acharei nada mais para oferecer aos que me rodeiam, algo de válido, com simplicidade e amor.
         Devo sempre ter presente que o Amor de Deus ajuda a quem se dispõe a gastar bem o seu tempo, transformando-o em boa eternidade!...

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DEUS, O PAI NOSSO E DE TODOS OS PAIS


         Creio que é preciso alimentar a mística do nosso Pai! Claro que não se trata de levar cada um a esquecer seu próprio pai. Trata-se na verdade de ajudar a que se viva a realidade do pai, riquíssima de consequências, de que todos nós temos o mesmo Pai. Ao lado de meu pai, o nosso Pai!
            Cristo Jesus nos ensinou a apresentar nosso Pai como o mais amável, e largo, e generoso dos Pais.
        Ele não gosta de modo algum de quem dá esmola para se exibir. Ele gosta quando nem a mão esquerda sabe das coisas boas feitas pela mão direita. Está lá nos Evangelhos, que é necessário ler e meditar todo dia. Além de colocá-lo em prática no dia-a-dia.
           Nosso Pai não gosta muito de farisaísmo:
         - em lugar de pessoas que entram  Igreja-a-dentro, querendo ser vistas e louvadas e que, na hora da prece, mais se louvam e se exibem do que pensam e falam com Deus.
         Nosso Pai prefere pessoas que se trancam no quarto e rezam a Ele que vê as coisas e intenções escondidas, não perde uma palavra, um gesto de oração sincera e humilde.
          Nosso Pai está longe de ser um Fiscal, de lápis na mão, farejando falhas humanas para anotar... 
       Ele é o Pai que fica de olho na estrada, na certeza de que o filho pródigo há de retornar ao lar; e quando o Filho tenta dizer, como nos ensinou, que não é mais digno de ser chamado Filho,  que vinha para ser um empregado na Casa do Pai, - pois nenhum empregado da Casa paterna sofria o que ele estava sofrendo, - o Pai nem deixa que ele acabe: manda abrir e iluminar a casa, improvisa uma festa, chamando músicos, porque há mais alegria no Céu por um pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que perseveram. 
        Meu eventual leitor: o Mundo mudaria completamente se cada um de nós se tornasse um pouco menos injusto, e se o Pai Nosso em nossos lábios não fosse uma oração mecânica, dita só com os lábios, mas fosse uma oração sentida, vinda do nosso íntimo, fosse prece tão sincera que atingisse o Pai que se acha no Céu e dentro de nossa alma.
      Gostaria que psicólogos, educadores, pregadores principalmente, me ajudassem a descobrir as maneiras mais eficientes de gravar para sempre, no espírito das crianças, que o Pai do Céu é nosso, e não apenas meu, e que o Pão que pedimos a Ele não é só meu pão ou pão nosso, no sentido da pequena Família na qual Deus me fez nascer: - pão nosso no sentido da outra nossa ampla Família Humana, da qual ninguém fica fora. Família que abraça todas as criaturas, de todas as raças, de todos os lugares, de todas as Religiões!


     

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

LAVADEIRA, TU LAVAS O REINO DE DEUS


          Tempos atrás, antes de vir para Curitiba, eu vivi muitos anos em Barbosa Ferraz, pequena mas acolhedora cidade no interior paranaense, banhada por um lado pelo Rio Corumbataí, e do outro pelo Rio Lontra ou das Lontras. Pois junto a esse rio Corumbataí, num trecho bastante pedregoso e chamado de "Salto" pelos barbosenses, as lavadeiras das imediações costumavam reunir-se aí todas as manhãs para lavar suas roupas. Eu, rapazola, gostava de circular por ali, vendo aquele grupo de mulheres na sua faina diária enfrentando trouxas e mais trouxas de roupas a serem lavadas.
         Vendo-as, raciocinava comigo mesmo:  será que nas grandes cidades deste nosso Paraná ainda existem esses bolsões de lavadeiras à beira dos rios, ou elas com o tempo irão desaparecer?
          Será que as lavanderias e as máquinas de lavar derrotarão a figura profundamente humana e sofredora da Lavadeira?...
          O fato é que as lavadeiras parecem ainda ser necessárias para muitas famílias, para as quais vivem diariamente entregando a roupa lavada, passada e engomada, e sempre levando nova trouxa de roupa a ser lavada, passada e engomada, como sempre se fez, e como sempre se fará. enquanto o mundo for mundo...
          Roupa lavada, só Deus e as lavadeiras sabem à custa de quanto sacrifício: deu trabalho catar água ali na bica, lavar a roupa em tinas de madeira, esfregar, esfregar, até tirar toda a sujeira. Esta é a lei das lavadeiras: encontrar um local apropriado à beira pedregosa do Corumbataí, suficientemente espaçoso, limpo e a salvo de pessoas menos escrupulosas. E às vezes, por culpa dos muitos pecados,  acontece que o rio traz uma tranqueira imensa de detritos de toda espécie, atrapalhando e atrasando o trabalho, quando não uma água poluída, pondo em risco não só a roupa, mas a própria vida da lavadeira!
          "Coradouro", palavra um tanto quanto esquisita, é o pequeno espaço de chão onde a roupa ensaboada e enxaguada é posta para corar, para secar... Pode não ser muito higiênico, mas dá saudade encontrar roupa estendida no chão, por onde, não raro, galinhas, quando não cachorros, aparecem de vez em quando, pondo em alvoroço a pobre lavadeira...
          Usa-se também estender a roupa lavada em cercas, muitas vezes de arame farpado, que costuma deixar pequenos furos nos tecidos...
          Quando faltam o coradouro e a cerca, o jeito é pendurar onde for possível, o que me faz lembrar uma passagem inesquecível do poema "Chão de Estrelas", muito lido nos meus tempos de ginásio:
        
           " Nossas roupas comuns, dependuradas
             na corda, qual bandeiras agitadas,
             pareciam um estranho festival..."


           Quem escreveu estes versos? Nem me lembro mais, e tenho preguiça de pesquisar. Heroína sem nome nos jornais, no rádio ou na TV, a lavadeira no interiorzão deste nosso Brasil tem um trabalho cuja dignidade e cuja remuneração adequada, em muitos casos, precisamos ajudar a defender... Contento-me por ora em lembrar a beleza dessa missão: lavar, limpar, purificar a roupa de muita gente!

           Nascido no interior de Minas Gerais, tendo convivido com minha mãe lavadeira, juntamente com muitas outras mulheres na mesma lida,  católico e religioso que sou, lembro-me que a Mãe de Jesus e nossa Mãe, Nossa Senhora, com toda certeza também foi lavadeira, na humilde e abençoada Nazaré!...
           Quem me dera que ainda hoje, nestes nossos tempos modernos, todos nós tivéssemos ainda roupa a ser lavada pelas tradicionais e quase sumidas lavadeiras... Lembro-me agora de um dito popular que é um anseio compreensível, mas injusto: pobre, mas limpo!... E completo este dito com o ainda preconceituoso costume de achar respeitável e digno quem chega até nós bem vestido, e considerar maloqueiro, maconheiro e ladrão quem anda sujo e descalço...
           É preciso lembrar que para andar limpo necessita-se ter água e roupa para ser mudada: entretanto, mais de dois terços de habitantes deste nosso mundo vivem na miséria e na impossibilidade física de limpeza...
           Daí, precisamos lavar injustiças, limpar egoísmos, como o melhor dos caminhos para que cada um e cada uma tenha o gosto de andar limpo de roupa, de corpo e de alma! Principalmente de alma!...

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

SE EU PUDESSE!...


          Se eu pudesse...
          contrataria barcos que deslizassem suavemente, na hora em que Curitiba, à tarde, volta em disparada para casa...
          Se eu pudesse, à noite, no caminho de todas essas pessoas minhas irmãs desanimadas, pessimistas, amargas, revoltadas contra tudo e contra todos, arranjaria rodas de crianças brincando e cantando:

           - Sozinho eu não fico
              nem hei de ficar
              pois uma destas meninas
              há de ser o meu par...

          Se eu pudesse, na hora mais dolorosa do sepultamento de meus filhos Raquel e Júlio, quando suas urnas funerárias eram levadas túmulo a dentro, eu faria com que uma revoada de andorinhas pairasse sobre as cabeças dos presentes, lembrando a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, penhor da Ressurreição de meus queridos filhos falecidos...
          Se eu pudesse, pertinho das casas em que houvesse pessoas se sentindo sós e abandonadas como eu, haveria uma voz bonita cantando canções dessas que nunca morrem, são sempre belas e vão diretas ao coração de quem sofre:

           Sempre em meu coração...
           Eu sei e Você sabe...
           Faz tanto tempo, e eu me lembro sempre...

          Também serviria algum instrumento musical bem tocado, bem bonito, bem saudoso: um violão, um bandolim, uma flauta, uma clarineta...
          Aqui perto de casa mora uma vizinha que tem o dom de adivinhar quando estou triste, pensando em meus mortos queridos, e ela se põe a tocar em seu piano aquelas músicas de sempre, mensagens para mim tão cheias de harmonia, de beleza, de consolo e de paz...
          Se eu pudesse, nas caminhadas solitárias de quem enfrentasse estradas sem fim, sem luz, sem companhia, eu faria surgir vagalumes alumiando o caminho, e colocaria nem que fosse o canto de uma cigarra para quebrar a solidão...
          Se eu pudesse, ao cair da noite, todas as igrejas de Curitiba tocariam o Ângelus, convidando a rezar... É uma hora diferente, marcada pela Graça de Deus... No cair da tarde, até as pedras do calçamento perdem a dureza... Os enormes edifícios de cimento armado não esmagam a gente; quase se harmonizam, perdem de todo a aparente agressividade...
           Se eu pudesse, as bandas de música, de vez em quando, sairiam sozinhas, aqui pelas ruas do bairro por onde circularam felizes a Raquel e o Júlio, voltariam a tocar aquelas retretas saudosas que foram a alegria de suas vidas agora cortadas... Há "dobrados" das bandas de música que ficam para sempre no coração da gente...
           Se eu pudesse, estenderia no céu de Curitiba o arco-íris, e tentaria descobrir um jeito de fazer o arco-íris aparecer de noite, iluminando a minha solidão...
          Se eu pudesse, daria a esse mesmo arco-íris a força mágica de desfazer ódios, intrigas, divisões, de modo que ele voltasse, de fato, como sinal e mensagem de entendimento, de amizade, de amor e de paz...
          Ah! Como seria bom se eu pudesse!...
          E se Vocês, meus amigos, também pudessem, o que aconteceria?...

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         (Dedico este texto a todas as pessoas que, como eu, estão chorando a morte de um ente querido!)

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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

PALMEIRA IMPERIAL

]         (Antes de entrar no meu texto de hoje, impõe-se a necessidade de agradecer, penhorado, aos meus amigos e ex-alunos dos tempos idos em Barbosa Ferraz, no interior do Paraná, à Amadora e ao Celso, pelas palavras de conforto e encorajamento por ocasião do trágico falecimento de meu filho Júlio).

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          Poema dedicado à Palmeira imperial:

          Palmeira imperial:
          aflige-me tua retidão
          quase excessiva
          para uma simples criatura
          Perto de minha janela
          ao alcance de meus olhos
          prefiro outras árvores
          de galhos tortuosos
          mais pecadores
          mais humildes
          mais humanas... 

         Tomo a liberdade de publicar este poema do Arcebispo de Olinda e Recife, o saudoso Dom Hélder Câmara, falecido em 28 de agosto de 1999, isto porque, contemplando a  foto da Palmeira Imperial numa enciclopédia, sinto que ela parece me entender. O fato é que a achei lindíssima. De impressionante majestade. Palmeira realmente de porte imperial.
         Se a sua retidão, quase excessiva, parece afligir-me, certamente é porque acho muito difícil ela, uma Criatura, subir sempre, de virtude em virtude, de luz em luz, sem jamais uma escorregadela, sem nem de sombra, uma queda...
         O verdadeiro perigo seria que no fim a Criatura, sempre em linha reta, sempre em ascensão, sempre mais banhada de luz, acabar se julgando de matéria diferente e olhando com desprezo ou, no mínimo, sem compreensão com os que tropeçam, os que tombam, os que se sujam no pó ou até da lama dos caminhos...
         É sempre bom lembrar o que o salmista hebraico diz ao Senhor: -"Tu és bom porque me humilhaste."
         Se eu caio e me levanto, se eu caio e não desanimo - recomeço humilde e alegremente depois de cada queda - os escorregões, os tombos, o mergulho na água ou na lama dos caminhos, podem tornar-me mais compreensivo e mais humano!...
         Não quero que meu eventual e heróico leitor se escandalize de eu gostar das árvores de galhos tortos, "mais pecadores, mais humildes, mais humanos..."
         É claro que eu, como cristão católico, não me alegro com o pecado de ninguém. Mas se o pecado torna mais humilde, ajuda a entender as fraquezas alheias, é o caso de cantar com meu santo favorito, Santo Agostinho: - "Ó culpa feliz, ó pecado abençoado, que nos trouxe tão sublime Redentor!"
         A propósito de árvores e de vidas humanas, minha neta adolescente me perguntou numa tarde, em conversa sobre certas atitudes nossas: - "O que é que Você prefere: - "Quebro, mas não vergo!" ou: - "Vergo, mas não quebro"?
         Demorei com a resposta porque, dependendo das circunstâncias e da maneira de entender, acho que eu gostaria de ambas as alternativas.
         "Quebro, mas não vergo", é um lema esplêndido, desde que nele não entre nem orgulho, nem presunção, e a confiança de não vergar esteja mais no auxílio de Deus do que em mim mesmo. Quem pode garantir que nunca se vergará?
           É bom pedir a Deus, diariamente, nas orações, que Ele não me deixe vergar. Posso até dizer a Ele que prefiro quebrar do que vergar...
           Mas, bem entendido, o "vergo, mas não quebro" é também muito forte e muito belo. Mas a verdade é que eu preferiria dizer:  -"Vergam-me, mas não quebro", no sentido de que podem nos vergar o corpo contingente e finito, mas ninguém poderá me vergar e, definitivamente, jamais me vergará a alma, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo! E posso dizer a Ele: - "Prefiro quebrar, a vergar..." Ainda aqui, porém, só com a ajuda de Deus e com muita humildade.
           Palmeira Imperial!
           Árvore que pode quebrar, mas nunca vergar!
           Todas as demais árvores que quebram, mas nunca vergam! O que peço para Vocês e para mim, bem como para todos os meus irmãos humanos, a Deus, é a humildade, pois os Evangelhos nos dizem que só os humildes têm a protegê-los a invisível mas misericordiosa mão de Deus!