No "Blog do Mestre", publicado no dia 7 de dezembro de 2013, foi apresentado aos seus eventuais e heróicos leitores um texto intitulado "O Silêncio de Deus", no qual se disse que, "num certo sentido, Deus nos fala sem cessar. Noutro sentido, cala-se. Embora conheçamos o desígnio geral de Sua providência, ignoramos tudo quanto aos nossos intentos particulares. Abandonarmo-nos à Fé é portanto a nossa única atitude verdadeiramente cristã."
Diante deste silêncio enigmático, certos cristãos desejariam uma manifestação sensacional de Deus, numa espécie de trovoada celeste que limpasse de uma vez por todas a atmosfera e reconduzisse à Fé a massa imensa da humanidade descrente.
Essa doutrina do silêncio de Deus é conhecida, e não impede que tal silêncio pese terrivelmente sobre nós, num tempo em que seria tão necessária uma pequena trégua, ao menos para haver tempo de tomar fôlego antes de reiniciar a marcha para a frente, nesta nossa peregrinação secular pelos caminhos da vida.
Ora, o cristão atual, por mais autêntico que seja, não tem um minuto de trégua. Os problemas, dos mais variados aspectos e graus de intensidade, surgem-lhe ao mesmo tempo e de todos os pontos. Um só exemplo:
Certa família, muito religiosa, gasta pequena fortuna para levar um menino com doença grave numa peregrinação a Lourdes, com a esperança de que a Virgem Maria lhe obtivesse a cura. Irmãos e irmãs, pais e amigos, todos rezam; as comunidades religiosas prodigalizam as suas preces e penitências. Tudo em vão. O menino não se cura, e morre.
Estamos cansados de saber que o principal milagre de Lourdes, de Fátima, e de outros locais de peregrinação, reside justamente no fato de que os que não se curam voltarem resignados e mais amigos de Deus. Entretanto, a experiência mostra que o verdadeiro milagre não é a cura, mas a Fé. Portanto, se o milagre, por mais portentoso que se apresente, não é capaz de converter o mundo, uma cura miraculosa transforma a vida espiritual dos beneficiados.
Mas, por que se curam alguns, e não se curam todos?
Mistério insondável. Pode-se, deve-se mesmo dizer que a Fé daqueles que tudo sacrificaram para obter a cura de um filho, sem ser atendidos, é especialmente colocada à prova por Deus. - "Pois se agradas a Deus, terás de ser submetido à tentação," - diz-nos o livro de Tobias.
As pessoas cuja Fé foi submetida a mais duras provas com certeza estão mais perto de Deus, mais ativamente ocupadas na redenção e salvação do mundo, do que aqueles que apenas sofrem as dificuldades clássicas e normais da vida. Clamam: "Senhor! Senhor!" - mas não entrarão talvez no Reino de Deus.
Aquele que sofre e vê o seu sofrimento prolongar-se, sem cura, entrevê um Deus que julga melhor ainda que a melhor coisa dele conhecida no mundo: um filho Seu. Esse está muito próximo de Cristo.
Mal consigo escrever estas palavras; elas são verdadeiras, mas a quem não experimentou em si mesmo semelhante desilusão, estas frases assemelham-se à "tagarelice banal de certas consolações sacerdotais ouvidas nos confessionários de nossas igrejas".
Deus sabe o que faz. Mas eu acredito não pedir demais, suplicando muitas vezes ao Senhor que me conceda uma dessas consolações visíveis com que a minha alma - que afinal de contas está encerrada em um corpo débil - possa saciar-se um pouco para recuperar as forças...
O fato é que, na minha experiência pessoal, Deus recusa essa consolação aos seus melhores amigos. Aliás, é a Bíblia inteira que o clama, e sobretudo o Filho de Deus, Jesus Cristo, o Qual pede que o Pai Lhe afaste o cálice do sofrimento e da cruz, mas apesar de tudo o bebe, livremente, por amor!
É uma doutrina profunda, mas difícil. É pela perspectiva cristã sobre o "silêncio de Deus" que devemos procurar uma explicação para ela, porque é em Cristo que acreditamos: esta frase não é uma verdade banal para os cristãos, por muito que eles e eu nos extraviemos naquilo que tomamos pela via da Fé e pelo humanisno das Bem-aventuranças, sobre o qual devemos alicerçar a nossa trajetória neste nosso mundo...
*********************
(Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica, da capital paulista).
Nenhum comentário:
Postar um comentário