segunda-feira, 9 de junho de 2014

A CÓLERA DE DEUS



           É de Carl Barth, líder inconteste do protestantismo luterano, esta frase:
          - "Ser homem significa situar-se na presença de Deus como Jesus está, isto é, suportar a cólera de Deus."
         Não me agrada um "otimismo" que se encolhe diante da verdade. Mas ela tem de ser compreendida. Jesus suporta a cólera e Ele vive. Porque Ele a suporta e vive, nós a suportamos e vivemos; não, porém, por nossa própria força, e sim pela dEle.
         E porque Ele a suportou na Cruz, a cólera se torna para nós amor, nos salva, nos purifica, nos redime.
          Perdoe-me o eventual e benévolo leitor, mas aqui estou, talvez, acrescentando minhas idéias de católico ao protestante Barth; idéias tão bem e tão terrivelmente expressas na mística de São João da Cruz.
            Compare-se isto do catecismo calvinista com a "Noite Escura" de São João da Cruz:
            - "Que compreendeis pela palavrinha "sofreu"?
            - "Que Ele todo o tempo de Sua vida, mas especialmente no fim, suportou no corpo e na alma a cólera de Deus contra toda a raça humana."
            Nada há aqui do "dolorismo" de certos tipos de piedade dos devocionários populares. A perfeita seriedade que encerra é de qualidade que revira num só instante toda a nossa vida. Outras perspectivas falam dos sofrimentos de Cristo com requintados pormenores físicos: escapa-lhes, entretanto, o essencial, que é a cólera teológica.
            As dores do Senhor são enumeradas como as de alguém que em realidade não foi atingido. São quantitativas, pormenorizadas, retorcidas até à última gota essencial de agonia. Mas a seriedade da cólera não está aí, porque  -  como gradualmente se percebe  - , na mente do pregador. Deus está satisfeito, contente com a dor. Porém, quando a palavra "cólera" é pronunciada, toda essa piedosa elaboração se torna desagradavelmente frívola.
           A cólera significa que Deus não está satisfeito, não está "contente" com as dores do Redentor, cujo amor suporta a cólera e nos redime, afastando-a de nós. Nós já perdemos o sentido da cólera de Deus. A verdadeira cólera é ontológica. Atinge até as mais íntimas profundezas da alma.
           
          Creio que terei de tornar-me cristão!...
           

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