quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O TORMENTO DE DEUS




               "Rorate caeli, et nubes pluant justum, aperiatur terra, et germinet Salvatorem".
                (Se Você, benévolo leitor, não tem a ventura de conhecer o Latim, traduzo para Você).

               "Céus, deixem cair o orvalho do alto, e as nuvens chovam o justo; abra-se a terra e germine o Salvador"
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            Ontem à noite, ali por volta das 23 horas, acabei de ler o grande romance do também grande escritor russo, Fiodor Dostoievski, "Os Irmãos  Karamazovi".
             Impressionou-me profundamente esta confissão patética de seu personagem, Kirilov, que resume a preocupação fundamental da vida do grande romancista:
             -"Deus me atormentou durante toda a minha vida."
             E em outro trecho:
             - "O problema essencial que, consciente ou inconscientemente, me atormenta, é a existência de Deus".
             Concordando com Dostoievski,  acrescento que Deus foi e será sempre uma das grandes preocupações do homem. Preocupação que pode manifestar-se de modos diversos, mas que estará presente sempre à trama de nossa vida, muitas vezes, de uma ou outra maneira, como um foco de angústia e de tormento.
             Está ali, seguidamente, no seu romance, a pergunta do velho Kirilov;
             - "Ivan, existe ou não existe Deus?"
             Quantas vezes, lendo e relendo esta angustiante inquirição, sinto-me solidário com ele, prestes a me colocar a mesma questão.
             É que eu, como certamente todo homem e mulher, pressentimos a existência de um Ser Supremo a que damos o nome de Deus, fonte perene do Bem, da Beleza, do Amor. O único Ser que é capaz de saciar o nosso coração de seres contingentes e mortais.
             Mesmo assim, para muitos de nós, humanos, entre pressentir e afirmar a Sua existência, vai uma distância enorme: quase a mesma que há entre o instinto e a razão.
             Quando estudante de Teologia em São Paulo, nos idos dias de 1960, meu livro de texto era a "Suma Teológica" de Santo Tomás de Aquino, e com ele aprendi que nosso coração é maior que a inteligência. E, como dizia também Pascal em seus "Pensamentos", que "é o coração que sente Deus, e não a razão".
             Deus  é também ao mesmo tempo Aquele que não vemos e Aquele de quem mais precisamos. Se nos fosse mais sensível, dEle sentiríamos menos necessidade. Aspiramos por Deus mesmo sem o saber. Mas às vezes não temos coragem de afirmar a Sua existência com todas as suas consequência práticas, ou então não ousamos negá-la tranquilamente, correndo o risco que tal negação implica para si mesmo e para a humanidade.
             A verdade, no meu entender, é que Deus é para muitos de nós não uma verdade evidente, mas um problema doloroso que para ser resolvido exige coragem, lealdade e paciência.
             Das necessidades do coração, da insuficiência de nossa razão, e do desarranjo de nossa vida, é que nasce o tormento de Deus.
             Tormento que Dostoievski experimentou em sua vida e traduziu em quase todos os seus livros.

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