"Ser homem, diz o teólogo luterano Karl Barth, significa situar-se na presença de Deus, como Jesus está, isto é, suportar a cólera de Deus."
Não gosto de um "otimismo" que se encolhe diante da verdade. Mas ela tem que ser compreendida. Jesus suporta a cólera e Ele vive. Porque Ele a suporta e vive, nós também a suportamos e vivemos. Não, porém, por nossa própria força, e sim pela dEle. E porque Ele a suportou na Cruz, a cólera se torna para nós amor, salva-nos, purifica-nos, abre-nos as portas do Céu.
Aqui estou eu, neste entardecer muito frio de Curitiba, talvez indevidamente tentando acrescentar minhas pobres idéias católicas às do luterano Barth. Idéias, aliás, tão bem e tão terrivelmente expressas em São João da Cruz, na "A Subida do Monte Carmelo".
Comparem, portanto, isto do catecismo calvinista com a "Noite Escura", também de São João da Cruz:
- "Que compreendeis pela palavrinha "sofreu"?
"Que Ele, todo o tempo de Sua vida, mas especialmente no fim, suportou no corpo e na alma a cólera de Deus contra toda a raça humana."
Nada há aqui do "dolorismo" de certos tipos de piedade. A perfeita seriedade que encerra é de qualidade que revira num só instante toda a nossa vida. Outras perspectivas falam dos sofrimentos de Cristo com requintados pormenores físicos. Escapam-lhes, entretanto, o essencial, que é a cólera teológica, que atinge terrivelmente as fibras mais íntimas e profundas da alma.
Em certos tipos de literatura piedosa as dores do Senhor são enumeradas como as de alguém que em realidade não foi atingido. São quantitativas, pormenorizadas, retorcidas até à última gota essencial de agonia. Mas a seriedade da cólera não está aí, porque - como geralmente se percebe -, na mente do pregador Deus está satisfeito, contente com a dor. Porém, se a palavra "cólera" é pronunciada, toda essa piedosa elaboração se torna desagradavelmente frívola e vazia.
A cólera significa que Deus não está satisfeito, não está "contente" com as dores do Redentor, cujo amor suporta a cólera e nos redime, afastando-a de nós.
A triste verdade é que já perdemos o sentido da cólera de Deus. Ela é apenas trovão, simples manifestação de poder. A verdadeira cólera é ontológica. Atinge até as mais íntimas e profundas fibras da alma, chamando-a à razão e à reflexão, com uma urgente transformação de vida.
Diante da cólera de Deus, creio que terei de tornar-me cristão!
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