O saudoso arcebispo de Olinda e Recefe, Dom Hélder Câmara, além de primoroso escritor, foi também poeta, e poeta dos bons. Possuo muitíssimos dos seus poemas e, entre eles, aprecio bastante este, em que ele celebra a mão esquerda, quase sempre esquecida por nós:
Perdoa, mão esquerda!
Se eternamente, és segunda...
Faz-me bem
A simplicidade com que acorres
Ao menor aceno
Da mão direita, tua irmã,
E como estás distante
De ressentimentos e mágoas,
Complicações e complexos...
Refletindo sobre este poema do ilustre arcebispo, não é verdade que há muitíssimas pessoas neste nosso mundo que passam a vida inteira no papel de mão esquerda?... Em quase todas as situações importantes, quem é que aparece? A mão direita. Quem toma a maioria das iniciativas? Qual é a mão considerada mais forte? A não ser nos casos, poucos, de pessoas canhotas, a mão direita sempre se apresenta como a rainha do pedaço, e a mão esquerda, coitada! é sempre a gata borralheira, como lemos nos livros dedicados às crianças do mundo inteiro.
Na vida real, quem faz muitas vezes o papel de mão esquerda é uma tia solterona que mora com a irmã, mãe de uma fieira de filhos. Nessa casa, quem mais trabalha, quem mais se cansa, quem se mata no trabalho doméstico, muitas vezes, muito mais que a mãe da molecada, é sempre a tia solteirona... Na hora de decidir, de tomar decisões importantes, nisto ela nunca é ouvida...
E a história se repete em muitos outros lugares e situações... Às vezes, principalmente em repartições ditas públicas, lá está o Diretor, o Chefe de seção... Os mãos direitas!... Mas ai deles se não houvesse um funcionário ou funcionária subalternos, que são verdadeiramente os que suportam todo o peso dos trabalhos da repartição... São os primeiros que ali chegam e os últimos que saem.
Quando se trata de qualquer missão difícil, grita-se por eles. Na hora de aparecer, na hora dos louvores e apertos de mão, aparecem o Chefe de Seção e o Diretor, as mãos direitas.
Sabemos que não é fácil ser mão esquerda. Ajudar a mão direita, com entusiasmo, com calor, com alma, sem nem por sombra passar-lhe pela cabeça tomar o lugar da mão direita.
Aliás, lembra-me aqui uma frase de Cristo, que disse em relação às esmolas: - "Não saiba tua mão esquerda o que faz a direita." (Até o Senhor Jesus botando prá escanteio a pobre mão esquerda? Estamos mesmo a caminho do fim do mundo...).
A beleza do trabalho da mão esquerda é fazer sem nada reclamar, fazer sempre, mas não como quem faz um favor ou como quem pensa que é necessário e insubstituível...
A autêntica mão esquerda é um prolongamento da direita, com quem trabalha em perfeita harmonia e no mesmo ritmo...
Passando agora à finalidade última deste "discurso": na vida, Você, meu eventual leitor, como é que Você se sente? Como mão direita ou como mão esquerda? Sente-se mão direita, sempre? Tem papel importante a cumprir? Papel de Diretor ou de Chefe de Seção? Tudo bem, mas valorize mais sua mão esquerda! Lembre-se que, sem ela, muito do que Você faz, não conseguiria fazer sem a prestimosa e gratuita ajuda dela...
Por acaso se sente mão esquerda? Ocupa um trabalho subalterno, humilde, em que outros brilham à sua custa? Sente doer-lhe as ingratidões, as injustiças, quem sabe, invejosas perseguições?
Deus me livre de aconselhar a mão esquerda a que assuma papel de escrava, papel de capacho...
Mas que ela, a minha querida mão esquerda, tenha bem presente que seu encanto é a sua simplicidade, o seu desprendimento, sua falta de inveja da mão direita... É tanto maior, quanto menos se preocupa em aparecer...
E, terminando, peço licença ao eventual leitor para saudar, com muito respeito e amizade, os milhões de criaturas que neste mundo de Deus têm na vida a missão desde todos os tempos reservada à minha irmã, à querida Mão Esquerda!...
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