segunda-feira, 2 de julho de 2012

O SILÊNCIO DE DEUS



      - "E, contudo, Deus não disse absolutamente nada."
      Esta frase de Robert Browning exprime o nosso sentimento perante o drama de muitas pessoas que, sempre fervorosas em sua vivência do dia a dia e em suas preces, não sejam especialmente protegidas por Deus, em meio aos perigos da tentação e do pecado.  Não mereciam elas que Deus lhes enviasse um anjo para impedi-las de tropeçar?
      A Teologia nos responde que Deus não o faz porque respeita a nossa liberdade. Ele não intervém a cada instante para obstar o desdobramento das consequências das nossas secretas cumplicidades; com efeito, os frutos revelam a raiz que alimenta a árvore.
     Estamos então abandonados a nós mesmos perante o pecado inscrito com tanta antecedência em nosso íntimo, de tal maneira que nada de humano o pode apagar?
      Não: se estamos infinitamente mais longe de Deus do que imaginamos, estamos também mais perto dEle do que podemos supor. A Graça divina trabalha nas profundidades do ser. Ou melhor dizendo: só Deus pode fecundar o solo último e secreto do nosso ser espiritual, só Deus pode desfazer e recompor a nossa vida, e tornar a criá-la à Sua imagem e semelhança.
      A verdade é que o Senhor permite-nos medir, em nossos pecados, a profundidade da nossa fraqueza congênita, apesar de isto não significar que não seja preciso lutar sempre contra as tentações e os impulsos para o pecado.
      O aparente abandono e o silêncio de Deus na tentação é, portanto, o reverso de Sua presença divina. Depois do pecado, nós tomamos consciência que, apesar dos esforços ascéticos e da oração que devemos realizar sem tréguas, (Deus não nos salva sem a nossa cooperação, diz-nos a Teologia), somente a Graça de Deus que sonda a profundidade dos pensamentos e dos corações, pode devolver-nos a verdadeira liberdade espiritual.
      Em outros termos: os esforços ascéticos, as preces quase sempre inábeis, assemelham-se aos exercícios que um aluno de natação realiza fora da água; se não fosse a água profunda da Graça, jamais a aprendizagem da nossa liberdade se transformaria na liberdade autêntica dos filhos de Deus.
      O fato é que, a experiência pessoal do pecado, embora não diretamente desejada por Deus, nos ensina esta verdade fundamental. Se nós nunca nos surpreendêssemos débeis ou fracos, se nós nunca nos considerássemos pecadores em profundidade, jamais descobriríamos de que abismo profundo precisaríamos gritar pelo socorro de Deus.
      Nunca adivinharíamos por quais caminhos secretos Deus nos ajuda, por quais despojamentos do nosso orgulho nos ensina a corrermos ao Seu encontro. É uma verdade da qual muito pouco nós tomamos consciência, mas que a leitura do Livro de Jó nos tornaria patente: é ali, no âmago do abandono aparente de Deus, que o Senhor atua, conforme o testemunho do teólogo:
       - "Como não ver que Deus nos trabalha sem cessar? Nosso drama quase nunca é representado no plano que julgamos, e do qual por vezes nos é dado escolher apenas um aspecto fugaz e lamentavelmente incompleto. Até à nossa morte, permaneceremos misteriosos a nós mesmos, estaremos diante de nós mesmos como desconhecidos que se olham e não se compreendem." (Charles Moeller, "O Silêncio de Deus", I, pág. 400).

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