quinta-feira, 5 de julho de 2012

SAUDADES DA RAQUEL



      Após a morte de minha filha Raquel, em 21 de agosto de 2010, decidi-me a  ter um "diário", no qual pudesse descarregar um pouco da amargura, da tristeza, da melacolia que me dominava a alma, quando me lembrava da vida intensa que minha filha levava, nos poucos anos em que passou conosco.
      No dia em que, passado um ano, sua filha Isabela, 13 anos, minha esposa e eu, na Santa Missa celebrada em sua memória, choramos a sua dolorosa ausência física entre nós, tive a intuição de que a tristeza da separação somente pode ser minorada com o socorro do alto, do Céu, numa palavra, de Deus. E este socorro nós o conseguimos através da prece, da abertura de nosso coração diante de Deus e de Seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
      E foi relendo o "diário", nesse dia em que a ausência física de minha filha completava um ano, dolorido e cheio de saudade, que meditei novamente no que registrei, dia a dia, sobre a prece, sobre a oração, que se tornou a maneira mais simples e poderosa de colocar-me em contado espiritual com a Raquel.
      Com lágrimas de saudade é que fui lendo tudo aquilo que escrevi no dia 21 de agosto de 2011,  após voltarmos da Santa Missa, na igreja de nossa paróquia:
     "O consolo que buscamos pela ausência da pessoa amada, minha filha Raquel, só pode ser alcançado pela oração na presença de Deus, pois a oração é com certeza a respiração de nossa alma.
      Só a prece nos consola da felicidade que não conseguimos, e da infelicidade que nos tortura  pela ausência da Raquel, essa tortura que se tornou nossa alimentação diária.
       Horas há em que me sinto prestes a soçobrar à simples lembrança de tudo o que a vida me prometeu mediante minha filha, e que logo me retirou. E é nesse instante dolorido, que basta às vezes uma simples oração atentamente recitada para me aplacar a dor, para minorar todo o sofrimento do meu coração.
      Mesmo quando tudo nos parece perdido, é principalmente então que a oração nos revela que Deus é a melhor das consolações que podemos encontrar no sofrimento.
      Por mais dolorida que se torne nossa vida, é necessário não interromper a cadeia da oração, pois é somente a oração que resolve tudo, mesmo quando nosso mundo interior parece perdido.
      E eu creio firmemente que a oração resolve tudo, porque descobri que não podemos encontrar a paz a não ser enquanto oramos. E essa paz não é uma auto-sugestão, mas um abandono filial à vontade de Deus.
      Quando estudava Teologia, em São Paulo, nos inícios da década de sessenta, meu professor de Teologia Dogmática, monsenhor Roxo, nos dizia que a finalidade da oração é menos obter o que pedimos, do que tornarmo-nos outros. E acrescentava que seria preciso ir mais longe, e dizer que pedir alguma coisa a Deus nos transforma pouco a pouco em pessoas capazes de renunciar às vezes até ao que pedimos com tanta insistência.
      Refletindo sobre esta frase do Monsenhor, cheguei à conclusão de que ela deveria ser repetida a todos os que, rezando, não obtiveram o que pediram a Deus. "Tornarmo-nos outros", sermos capazes de renunciar até ao que pedimos, tenho certeza absoluta de que é penetrar na Fé verdadeira. Precisamos agarrar-nos a Deus porque é Deus, e não porque isso nos interessa, ou por qualquer outro motivo, mesmo sublime. A oração é, portanto, uma coisa sagrada, e eu penso que o melhor livro sobre a prece deve ser lido de joelhos, de mãos postas e olhos fechados.
      Aliás, tenho a firme convicção de que o verdadeiro livro sobre a oração é o próprio Deus, e é a Ele que a oração nos conduz". 
      E terminei minhas anotações, nesse primeiro ano do falecimento da Raquel, transcrevendo no meu "diário" esta oração a Maria, que encontrei no livro intitulado "Varouna", de Julien Green e que venho lendo há já quase um mês:
 - "Maria, eu a saúdo, porque é bela e o crescente da Lua está a seus pés, e porque eu estou sozinho e necessito falar a alguém que me escute com bondade. Confio-lhe então todos os meus pesares. Queixo-me a Maria da minha solidão e sinto-me menos só. Digo a ela que tenho um coração humano, e que esse coração tem frio porque Aquele a quem devo amar não está nele, e ela compreende, porque é a mãe de toda a humanidade. E quando fecho os olhos tenho a impressão de me aninhar junto dela, com a cabeça em seus joelhos, e que ela toca os meus cabelos com a ponta dos dedos.  Tais são os devaneios de uma alma inebriada de tristeza."

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