sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

RELENDO O GÊNESIS

  
      No princípio era o Artista. E o Artista criou a Poesia.
    Depois criou o Céu e a Terra com todos os milhões de seres que neles existem para a maior glória da Poesia. Criou o sol e a lua. Criou as coruscantes estrelas e as nuvens alcandoradas. Criou as fontes borbulhantes, o regato cristalino, o rio piscoso e o mar pujante de mistério. Não se esqueceu de criar o multicolorido beija-flor, o sabiá e o canoro rouxinol. Criou o ar e o vento, para que neles voasse a Poesia, sob a roupagem de sons musicais. E criou também a esquiva  borboleta, a escandalosa cigarra, a neve das regiões geladas, e o orvalho matutino.
     Poderoso é o Artista!
     É como uma chama viva sobre cinzas esvoaçantes. É como uma altaneira torre de vigia em meio às águas marulhentas dos oceanos. Suas mãos, porém, são delicadas como as tentadoras formas femininas, pois souberam modelar com mil carícias os sublimes ritmos da Poesia.
     Estes foram os quatro primeiros dias da Criação.
   E o Artista, ainda com flores selváticas esquecidas nos Seus braços criadores, ainda com os cabelos molhados pelo orvalho dos vales primitivos, saiu para contemplar a obra de suas mãos fecundas.
     E viu que tudo era bom.
     Somente a Poesia estava amuada e melancólica no meio da Criação.
     O Artista, vendo-a triste, perguntou-lhe:
     - Que tens tu, que te escondes envergonhada entre as mil obras que criei em teu favor? Dei-te um mundo de maravilhas sem fim: criei para ti a terra e as águas, as vagas tumultuosas do oceano e o murmúrio das fontes, a rosa e a humilde violeta. Minhas mãos espalham nos ares flocos de neve alvinitente para que com eles faças o teu sólio. Por que então não te levantas e reinas absoluta sobre o mundo?
    Respondendo ao  Criador, a Poesia sussurrou que estava triste porque nada no mundo criado a amava. Nem o leão, nem o urso, nem a girafa das savanas, nem o boi, nem o cavalo fogoso, nem a fonte, nem a cascata. Nada havia sobre a Terra que a amasse e a celebrasse como era de seu direito.
    O Artista sorriu.  Seu sorriso abalou os alicerces do mundo e as sete colunas que sustentam os sete céus. E assim falou:
    - Vou criar um ente à Minha imagem e semelhança, que te ame como Eu. Serás então glorificada até os últimos confins da Terra. Teus adoradores se multiplicarão como as areias do mar e as estrelas do celeste firmamento. 
     Isto dizendo, tomou do cinzel e de um bloco de mármore. No alto do bloco abriu duas cavidades parecidas com os Seus olhos divinos; mais abaixo outra igual à Sua boca; desenhou as orelhas, afilou o nariz, esculpiu o tronco, os braços e as pernas.
    Afastou-se três passos, colocou as mãos nos quadris, admirando o Seu trabalho. Achando que era bom, assoprou sobre ele o Seu espírito divino, e fez surgir o Homem.
   Reconhecendo, porém, que não era bom para o Homem estar só, o Artista arrancou-lhe do lado um pedaço de sua carne, assoprou também sobre ele e nasceu a Mulher.
   Homem e Mulher prostraram-se diante do Artista e O adoraram como seu único e fiel Deus. E Ele lhes  fez uma solene promessa:
    - Eis que Eu vos criei unicamente para servirdes à Poesia. Vós devereis amá-la e servi-la fielmente. Ela é a soberana da Criação: dos pássaros voejantes, das florestas, da dança das folhas, do sol e da chuva, do orvalho e dos ventos, das borboletas e das cigarras. Este é um mandamento que eu vou dou a vós e aos vossos filhos.
    Este foi o quinto dia do trabalho criativo do Artista. E Ele viu que tudo era bom.
  Passado muito tempo, os filhos dos homens e as filhas das mulheres tiveram outros filhos e filhas. E disseram entre si:
   - O Artista nos criou para o serviço da Poesia. Vamos, pois, e tomemos as arrecadas de ouro das orelhas de nossas mulheres, de nossos filhos e de nossas filhas, e façamos instrumentos de som para louvar a Poesia.
    Assim foi feito. Vieram outros também, e com a rima e o ritmo trazidos das terras de Ofir e de Golconda, teceram ricas vestimentas para a Poesia. E ela reinou, absoluta, sobre o Mundo. Seus súditos eram, pela multidão, inumeráveis como a areia das praias. Comiam, bebiam, cantavam e se alegravam, porque poderosa era a sua Rainha. Ela possuía sob seu domínio todos os homens e mulheres dos quatro cantos da Terra, desde os confins do país dos orientais, até a fronteira do ocidente e do grande mar.
   Mais uma vez os tempos correram. Como a Poesia se entristecesse, já enfarada com a glória que tinha, disseram os filhos dos homens às filhas das mulheres:
    - Eis que nossa Rainha está dominada pela tristeza. Façamos novas coisas que lhe deem alegria. Vamos edificar um altar e sobre ele ofereçamos a ela incenso e sacrifícios de touros e cordeiros
     Foi então que o Artista lhes apareceu numa nuvem de fogo, entre relâmpagos e trovões, e lhes falou:
     - Ouvi, homens, e ouvi vós também, mulheres, jovens e crianças: ide a todos os recantos da Terra, colhei em vasos de alabastro os sorrisos da Poesia, do tempo em que ainda havia sorriso em seus lábios, trazei-os a mim, e Eu a farei novamente feliz.
    Vieram então os filhos dos homens e as filhas das mulheres, e puseram mãos à obra, obedientes à voz do Artista. Uns recolhiam os sorrisos da Poesia nos raios do luar, outros nas gotas límpidas do orvalho, alguns na tepidez dos ninhos, outros mais na brancura alcandorada das geleiras eternas, ou na pureza das crianças, ou na felicidade dos esposos.
    Todos trabalharam: colheram os sorrisos da Poesia em vasos de alabastro e lhe entregaram, para que Ele a fizesse outra vez feliz. E o Artista tomou os sorrisos da Poesia em Suas mãos poderosas, os abençoou, assoprou sobre eles o Seu espírito divino e os transformou num ser quase etéreo, o Poeta. E disse o Artista ao Poeta:
    - Eis que os filhos dos homens e as filhas das mulheres não souberam amar a Poesia como Eu lhes ordenei em mandamento solene. Por isso te criei, ó Poeta, e tu serás o seu único sacerdote em toda a Terra. Vai, pois, e faze-a novamente Rainha da Criação.
    Foi assim que nasceu o Poeta, dos sorrisos da Poesia, pelas mãos fecundas do Artista. E este foi o derradeiro dia da criação, e o Artista descansou de Seu trabalho e subiu para Sua morada, no Céu.
     E a Poesia encheu o mundo com a sua luz, quer durante o dia, quer durante a noite, quando o sol vai repousar por trás das grandes árvores que povoam o ocaso.
      Ela tudo alegra, tudo vivifica, torna mais linda e acolhedora a Terra. Sem ela, nada haveria sobre o solo.
Nem o sol, nem a lua, nem o vento, nem o mar, nem a chuva, nem o homem, nem a mulher. Nada haveria, exceto o Artista, que a tirou de Seu cérebro onipotente, pois a Poesia é o pensamento do Artista que desabrochou na Terra e no Céu, criados ambos para ela e para a sua maior glória.
     Grande é o Artista!
     Grande e eterno é o Artista Sublime,  criador da Sublime e também eterna Poesia.
     A Ele a honra e a glória, por todos os séculos dos séculos, na voz de todos os Poetas!
     Assim seja. Amém.

     (Do meu livro "Capitu")
     
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                                                      Se eu pudesse,
                                                      na hora mais dolorosa
                                                      do sepultamento de minha filha Raquel,
                                                      quando a sua urna funerária
                                                       fosse colocada túmulo a dentro,
                                                       eu faria com que uma revoada de andorinhas
                                                       voasse sobre a cabeça dos presentes
                                                       lembrando a sua ressurreição NA morte,
                                                       como é a Fé
                                                       que mantém vivo até hoje...
                                                        Oh! como seria bom
                                                        se eu pudesse!...
    
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