quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NOSSOS MALES SÃO CASTIGO DE DEUS?


                                                                                           (À memória de minha filha Raquel)


      Nesta semana que passou, funcionários da Prefeitura estiveram no meu bairro podando as árvores que embelezam e dão sombra às ruas. Isto me fez recordar um fato acontecido comigo, quando ainda moleque, residindo em Poços de Caldas, cidade mineira famosa pelas suas fontes termais.
    Certo dia, de manhã cedo, vi um cidadão com uma tesoura enorme nas mãos, junto a uma árvore frondosa e muito bonita, principalmente pela sua sombra, bem diante de minha casa. Toda tarde minha mãe, de saudosa memória, gostava de sentar-se num banco rústico, à sua sombra, na interminável tarefa de fazer toalhas de crochê.
      Pois é. O funcionário da Prefeitura, com a sua enorme tesoura, começou a cortar os galhos mais tenros e bonitos da árvore. Reclamei, agarrei-o pelo braço. Ele sorriu para mim e me disse que depois de um mês eu iria ver o resultado do que tinha feito.
      De fato, algum tempo depois, a árvore estava bem diferente, parecia-me mais cheia de vida. E foi assim, conforme as palavras do homem, que eu comecei a aprender o segredo das podas...
     Hoje, nesta semana em que completei meus setenta e sete anos bem vividos, ao ler um texto da Bíblia Sagrada em que o Criador poda justamente os galhos que dão frutos, entendi as palavras evangélicas, porque eu já sabia o efeito da poda.
      Pus-me então a cogitar comigo mesmo:
     Por que todos nós, mesmo os que se dizem cristãos e frequentam templos e igrejas, temos a tentação de imaginar que todos os males que acontecem conosco são castigos de Deus? Por que não aceitar que Deus permite sofrimentos físicos e morais, como o agricultor que poda suas árvores frutíferas para que produzam frutos em abundância?
   Por mais que o sofrimento nos desnorteie, por mais que certos tormentos nos pareçam absurdos e revoltantes - e aqui me lembro do falecimento precoce de minha filha Raquel - temos que nos agarrar firmemente a dois cabos de aço: Deus existe, e Deus é Pai de todos os pais que sofrem a perda irreparável de um filho, sabendo que Ele também perdeu Seu Filho amado, Jesus de Nazaré.
    Quando isto acontece, ficamos como que não vendo nada, não entendendo nada. Ficamos como árvores carregadas de folhagem, cheias de vida, e que, depois da poda, se reduzem a galhos  toscos, que lembram braços esqueléticos que se erguem para o alto, pedindo explicações a Deus.
   Quando encontramos pessoas esmagadas assim - como minha neta Isabela, menina tornada órfã pela morte da mãe; - quando encontramos criaturinhas inocentes, em cima de uma cama de hospital, cansadas de sofrer, não é bom que a gente se meta a dar explicações que não explicam nada, e deixam a pessoa que está sofrendo mais esmagada ainda. 
   Em horas assim, nada como uma presença silenciosa, de quem faz sentir, sem palavras, como está acompanhando, como está sofrendo junto...
     No sepultamento de minha filha Raquel, eu não consegui me aproximar do túmulo onde ela estava sendo sepultada. Sentei-me a um banco, a certa distância, e ali fiquei, chorando e sofrendo silenciosamente. Aí então um antigo vizinho e amigo - faço questão de declarar seu nome - o senhor João, ministro da Eucaristia na minha igreja - sentou-se ao meu lado e ali ficou durante todo o tempo do sepultamento, concentrado, sem dizer palavra. E até hoje sou-lhe grato por isso, porque qualquer palavra que ele dissesse não amenizaria a minha dor; mas a sua presença, silenciosa, compartilhando de minha tristeza, foi como que um bálsamo para minha alma que sofria.
     Hoje, refletindo sobre esse fato, considero que em momentos assim é mais fácil, calado, sem palavras, em pensamento, falar do nosso sofrimento a Deus, do que meter-se a falar de Deus a quem está ali sofrendo.
     E repito aqui uma prece que me acostumei a fazer quando a lembrança de minha falecida filha Raquel me tortura a alma:
     - "Ó Deus, Pai de todos os pais, não permitas que um outro pai, sofrendo, guarde a impressão de que não és Pai. Quando a pobre criatura humana já não aguenta mais, quando estiver desesperada, em risco de enlouquecer, Tu, que és também Pai, tens um milhão de meios de provar que não estás distante, indiferente, surdo e mudo por  detrás das nuvens. Faze-me compreender que Tu estás bem perto, pertinho, pertíssimo, e que nunca, em instante algum, deixas de ser Pai!"  

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                                              "Se eu pudesse,
                                                na hora mais dolorosa do sepultamento
                                                da  minha filha Raquel,
                                                quando a urna funerária
                                                era colocada túmulo a dentro,
                                                eu faria com que voasse
                                                sobre os presentes
                                                uma revoada de andorinhas
                                                lembrando sua ressurreição na morte
                                                conforme a Fé
                                                que me mantém vivo até hoje...
                                                Oh! como seria bom
                                                se eu pudesse!"


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