quinta-feira, 29 de maio de 2014

AFINAL, EXISTEM MESMO DEMÔNIOS?



        Em ligeira pesquisa sobre "demônios" no Novo Testamento, encontrei algumas coisas que me intrigaram. Nessa pesquisa descobri que o Novo Testamento emprega 73 vezes o nome que hoje comumente chamamos de "demônio". Além da palavra demônio, aparecem ainda outros termos correlatos:  "diabo e seus anjos", "espíritos impuros", etc. Isto na versão bíblica intitulada TEB.
        Mas o que me intrigou foi o seguinte: segundo Marcos (5,2) é citada uma pessoa que é possuída por "um espírito impuro", no singular. No mesmo capítulo, (v. 13) essa pessoa está possuída por "espíritos impuros", no plural. Segundo Lucas, (8,27), essa mesma pessoa está possuída por "demônios", no plural.
Mas logo em seguida, (v.29) Jesus identifica esses demônios como "um espírito impuro", no singular, e no versículo seguinte (30) Lucas afirma que são "muitos demônios"... Quem souber explicar-me essas assimetrias, por favor, me explique, porque sou neófito no assunto...
        Aproveito o ensejo para lembrar que a palavra "demônio", tão frequente no Novo Testamento, não aparece nos originais hebraicos do Antigo. Dizem os especialistas que a palavra "demônio" no Novo Testamento só aparece em traduções posteriores, a partir da tradução dos "Setenta" ( ou "Septuaginta").
        Afinal, quem é, ou o que é o "demônio", ou os demônios, já que os entendidos na matéria dizem que são muitos, legião, além de classificá-los em "íncubos" e "súcubos"? (em caso de dúvida, consulte-se o dicionário...).
        Os estudiosos dos textos bíblicos nos ensinam que nos originais hebraicos aparece uma espécie mitológica de bodes, apelidados de "sátiros" nas tradições mesopotâmicas. Vamos encontrá-los em Isaías (13,21), dançando nas ruínas da Babilônia, e os tradutores da "Septuaginta" os chamam de "demônios". No "Levítico" (17,7) aparecem de novo esses sátiros, ou bodes, ou demônios, com os quais os hebreus se prostituíam. A tradução dos "Setenta" os chama simplesmente de "ídolos e coisas vãs". Em outros textos, os "ídolos" se traduzem por "demônios".
        O profeta Isaías (65,3) condena os ritos pagãos, que fazem sacrifícios aos ídolos nos jardins, irritando assim a Deus. Ao adorarem os ídolos, adoram "demônios que não existem", conforme a tradução dos "Setenta".
        No "Cântico de Moisés" (Dt 32,17) repreende-se aos que sacrificaram aos "demônios" (no original, "sedim" = divindades cananéias), a deuses novos, recentemente conhecidos. Em outra oportunidade aparece o vocábulo "sedim", que é mais uma vez traduzido por "demônios", e que novamente representam os ídolos de Canaã, aos quais se ofereciam sacrifícios humanos.
        Clara e abertamente, chama-se "demônios" às divindades cananéias ("sedim") em todas as traduções dos "Setenta".
        Quando Isaías (65,11) fala de "Gad", o deus arameu da fortuna, os "Setenta" também substituem Gad por "demônio". Lembro ainda que o Salmo 96,5 traz no original hebraico a afirmação de que os deuses pagãos são "vãos": deuses = élohim; vãos = élihim. Este é um jogo de palavras impossível de traduzir-se em grego. E os "Setenta" mais uma vez convertem "deuses vãos"  em "demônios"..
        Minha conclusão:
        Salvo melhor juízo, os demônios não passam de ídolos, deuses vãos e, por conseguinte, inexistentes. Tanto é verdade, que o historiador Flávio Josefo, na sua "História da Guerra Judaica", várias vezes emprega o termo "demônios" como sinônimo de "deuses".
        Provavelmente, a palavra grega "daimon" (= demônio) é derivada do verbo "daiomai", que significa "distribuir", e assim eram os deuses que distribuíam bens às pessoas. Mais tarde, conforme uma antiga tradição, estes deuses teriam sido convertidos em anjos. Quando, porém, distribuíam coisas consideradas más, eram convertidos em demônios.
        Mas isto é assunto para outra ocasião. Apenas adianto que "diabo" (= satanás, belzebu) e "demônio"
são coisas diferentes. O demônio, no Novo Testamento, relaciona-se mais com doenças das quais não se conhecem as causas. O diabo relaciona-se com o pecado. Um está na ordem física, e o outro na ordem moral.
        Em todo caso, se quisermos ser coerentes com nossa Fé, deixemos de lado esses asquerosos seres, sejam simples ídolos, sejam demônios  - e apeguemo-nos a Jesus de Nazaré, morto e ressuscitado, e que nos acompanha em todos os momentos de nossa vida. E esta é a verdade que realmente importa.

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia, Grego Bíblico e Latim , pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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