quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O PÔR-DO-SOL EM MINHA VIDA



            Tempos atrás falei neste blog sobre a oferta das primícias, a oferta das primeiras flores, dos primeiros frutos, dos primeiros filhotes dos homens e dos animais... E, coisa terrível: segundo o Antigo Testamento, naqueles tempos já perdidos nas brumas do passado, havia entre os antigos povos cananeus  -  como também por  algum tempo em em Israel  -   uma cruel oferenda das primícias a Baal/Moloc:  a oferenda dos primogênitos, que eram passados pelo fogo!...
            Hoje, o importante para nós é oferecer o inverso das primícias:
            - as últimas folhas, que teimam em não cair e acabarão tombando por si mesmas; as últimas frutas, em fim de estação; os últimos cajus, as derradeiras mangas, ou pitombas, ou as pitangas, vermelhinhas, nos antigos tempos de minha meninice em Caldas, Minas Gerais...
            - os últimos cantos dos pássaros que envelheceram e já não cantam, cada vez mais se aproximando do fim...
            Passarinhos! Já tive dezenas deles, canarinhos e um pássaro-preto, aprisionados em gaiolas ou viveiros... A não ser os que ainda vivem em gaiolas ou os que são covardemente atingidos pelo chumbo de caçadores desalmados, creio que nenhum de nós jamais encontrou um cemitério de passarinhos. Em tempo de criança, cheguei a pensar que passarinho não morria: somente na hora prevista pelo Pai de todos os seres, o passarinho em fim de jornada abria as asas e rumava, verticalmente, para o Céu...
            É claro que as coisas não são bem assim. Lembro que a Bíblia Sagrada nos diz que haverá novo Céu e nova Terra. É claro que haverá uma nova Terra, transformada pelas mãos do Criador, em Céu, flores, pássaros e luzes...
            É por isso que hoje, amadurecido nas refregas da vida, costumo oferecer ao Pai do Céu, além do meu próprio cansaço, o cansaço dos velhos cavalos, burros, jumentos e bois, que tantos benefícios trouxeram e trazem à vida de todos nós, e que, depois de arrastarem cargas pesadas a vida inteira, acabam sendo sacrificados...
         Quando um cavalo de pura raça como meu velho pai teve muitos deles, mesmo os que ganharam vários prêmios nas exposições, quebrada uma perna por acidente, tinha que ser sacrificado. Os apaixonados pelas corridas de cavalos jamais aceitariam que um cavalo, com vitórias no Jockei Clube, tivesse perna encanada e acabasse puxando carroça.
             Neste mesmo enfoque, e em patamar mais elevado, é salutar oferecer ao Pai o cansaço dos velhos Operários que, depois de uma existência inteira de trabalhos penosos, tantas e tantas vezes mal remunerados, são obrigados a acordos trabalhistas que lhes levam boa parte da aposentadoria... (Sou vítima sofrida desta prática, depois de trinta anos de magistério)...
           Ofereçamos ao Pai a velhice dos Artistas, que nos enfeitaram a vida com suas festivas criações. Se a velhice é dura para todos, é particularmente difícil para os Artistas. Como continuar cantando, ou dançando, ou tocando, ou pintando, ou esculpindo belezas, se as vozes, as mãos, os olhos, os ouvidos, os pés, a cabeça, já não podem ter a mesma argúcia, a mesma destreza, a mesma resistência dos dias de juventude?!...
               Certo dia, em um circo mambembe nas proximidades de minha casa, eu quis entusiasmar um velho palhaço a apresentar em cena determinado programa de meu gosto. Juntos, escolhemos o programa. Cuidamos com antecedência de roupas adequadas, e outras minúcias para o espetáculo da matinê dominical.
               O velho palhaço vibrou com a iniciativa. Mas quis reservar para si os ensaios, sozinho, para fazer-me uma surpresa...
               Triste ilusão. Nunca vi espetáculo tão triste como o apresentado pelo velho palhaço. Ele, que em outros tempos tinha sido a alegria da criançada, hoje, talvez pela idade, fez tudo ao contrário do que eu esperava: piadas antiquadas, anedotas tão sem jeito, tão sem graça, tão sem aquela alegria interior, que minha vontade, antes de aplaudir,  era vontade de chorar.
                Lembro-me muito bem que a "função", não sei por que cargas d'água, terminou justamente com o pôr-do-sol.
                E hoje, velho também, cheguei à conclusão de que devemos oferecer ao Pai toda a nossa curta existência, e isto, como o nascer e o pôr-do-Sol:  o começo, o meio e o fim!..
                 Que a terra me seja leve!!!

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