O caso que vou contar é um caso insignificante - talvez nem seja um caso - mas vou contá-lo assim mesmo, apesar de começar pelo meio e acabar sem fim.
Eu morava na pequena cidade de Barbosa Ferraz e estudava Língua Portuguesa e Literatura na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Jandaia do Sul, interior do Paraná. O Teobaldo, que também lá estudava, era um companheiro frequente de nossas noitadas, quando matávamos as aulas, e íamos beber cerveja num boteco das imediações.
O Teobaldo tinha entrado facilmente em nosso grupo, sem que nenhum de nós pudesse explicar com clareza a sua origem. Sua principal atuação no grupo consistia em rir quando dizíamos alguma coisa engraçada, e nos apoiar nas eventuais pendengas que aconteciam frequentemente, depois de duas ou três cervejas, não nos importando o rótulo.
Creio que o vi pela primeira vez na lanchonete da Faculdade, e depois passamos a vê-lo quase toda noite. Às vezes, no ardor de nossas discussões "acadêmicas", aproveitando algum silêncio para acender cigarros, ele tentava dizer alguma coisa de sua lavra, mas quando nós o encarávamos com os cigarros já acesos e olhares impacientes, ele ficava vermelho, engrolava uma desculpa e acabava encolhendo-se no seu mutismo já conhecido.
Uma vez ou outra dávamos ao Teobaldo um encargo fácil, e púnhamos a mão em seu ombro como que procurando ajudá-lo. -. Ele então se envaidecia, e no seu rosto de fuinha brilhava um certo ar de contentamento.
Em nossa turma, de que fazia parte, mas sempre quieto, não dizendo palavra, ele se contentava em oferecer um de seus "Cigarros Macedônia" para quem se dignava aceitá-lo.
Não sei que fim levou o companheiro Teobaldo. Nunca mais o vi, depois que terminei a Faculdade. Talvez até já esteja morto. Terá levado para o outro mundo, quem sabe, o gosto de servir.
Ora, uma noite, enquanto um de nosso grupo repetia certa anedota já ouvida mil vezes, notei uma aliança que dançava na magreza ossuda do dedo do Teobaldo. Pensei logo, maldosamente, que seria muito enfadonho para sua mulher viver indissoluvelmente com ele. Imaginei-lhe a casa; adivinhei-lhe a mulher de quem não tínhamos a menor notícia.
Seria lá pelo lado do Jabaquara a casa do Teobaldo. Se ele tivesse filho, esse filho seria assim mesmo, magro, com aqueles olhos compridos e meigos, e teria certamente aquele jeito meio retorcido de rir. E a imaginação corria solta: nos domingos Teobaldo iria à Missa, pois se dizia muito religioso. Em casa, vestiria um "short" de listras azuis e andaria à toa, distribuindo conselhos para os filhos, se os tivesse. À noite, depois do jantar, o filho mais novo pularia nos seus joelhos, e com um brilho no olhar, diria à mamãe que, quando crescesse, queria ser como o papai...
E eu continuava a dar rédeas à minha maldosa imaginação: como devia, mesmo, ser enfadonho viver sempre, todos os dias, jantar, dormir, acordar ao lado do Teobaldo!
De repente, não sei por que cargas d´água - talvez coisa de algum diabo brincalhão - me veio à cabeça a pior das situações: ser eu o próprio Teobaldo!...
Valha-me Deus!!!
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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense e bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
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