sexta-feira, 1 de abril de 2016

O DESCONCERTO DO MUNDO



   
               
               Desde os meus tempos de estudante da Língua Portuguesa na Faculdade de Ciências e Letras de Jandaia do Sul, tive por hábito ler regularmente o meu poeta predileto, o príncipe dos poetas portugueses, Luís de Camões, tanto na épica, com os "Lusíadas", quanto na beleza inigualável de sua "Lírica". E guardo ainda, de memória, esta famosa estrofe da oitava 3;


                                           "Quem pode ser no mundo tão quieto,
                                             Ou quem terá tão livre o pensamento;
                                             Quem tão exp´rimentado e tão discreto,
                                             Tão fora, enfim, do humano entendimento
                                             Que, ou com público efeito, ou com secreto,
                                             Lhe não revolva e espante o sentimento,
                                             Deixando o seu juízo quase incerto,
                                             Ver e notar do mundo o desconcerto?"

               Que desejará o Poeta dizer com esse estranho "desconcerto" , que tantas vezes reaparece em muitíssimas partes de sua "Lírica"?
               Parece-me que ele quer, evidentemente, queixar-se de alguma coisa, ou de muitas. Ora, um dos riscos que se corre, quando se escolhe essa espécie de tom menor para dizer mal do mundo e da vida, é o de cair num pessimismo de convenção, pouco verdadeiro, que tanto pode ser atribuído aos maus humores do autor, como à falta de assunto. Falo por experiência própria...
             É sempre fácil dizer sentenciosamente que a vida é breve, e que os prestígios e aplausos do mundo são enganadores. Mas também ao leitor é fácil defender-se dessa débil agressão fechando o livro, e tudo fica na mesma, como se nada tenha sido escrito e nada lido.
             Outro risco que se corre é o de ser lido com a atenção que se costuma dar aos maldizentes, e até com a secreta volúpia que muitos encontram no elogio do mal.
             Com algum talento, até eu no meu blog consigo enganar o eventual leitor que, aliás, tenho quase a certeza  -  pois também sou leitor  -  gosta de ser enganado deste modo, e que encontra uma especial satisfação diante do universal espetáculo da imbecilidade humana.
             Dê-se ao leitor uma enxurrada de delitos, misérias, mentiras, baixezas, em frases bem cuidadas, e se poderá ver que ele se estica na sua poltrona, relaxa os menores músculos e, assim disposto, se entrega à delícia sem par de contemplar a miséria do espetáculo humano, assistido de um camarote propiciado pela Literatura...
             Muita coisa tem sido escrita nessa pauta da lamentação, com maior ou menor talento, e dessas engenhosas difamações de homem e de mulher, do mundo e da vida em geral  - e consequentemente de Deus  -  e o resultado é a presença de muita filosofia perversa que reforça a desordem denunciada, ou em que o escrevinhador se deleita.
            Nessa perspectiva, o espetáculo do desconcerto do mundo se torna opaco, e a inteligência que nele se compraz, julgando ter atingido a suprema compreensão, fecha-se sobre si mesma com um fúnebre e funesto contentamento!
            E me lembro, desta outra  lamentação ainda de Camões:

                                  "Já me desenganei que, de queixar-me,
                                    Não se encontra remédio; mas quem sofre,
                                    Forçado lhe é gritar e, se a dor é grande, 
                                    Gritarei...


           Gritando eu também, termino este meu texto com a convicção de que não pode ser convencional, nem pode deixar de ser verdadeiro esse recado de dores que vem de longe, através dos poetas autênticos e geniais, e essa dor que celebram parece ser uma dor do Universo expressa por boca humana. E digo mais: parece ser uma dor primeira que remonta até às origens deste mundo criado por Deus! Mas degradado pelo próprio homem!

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