Desde os meus tempos de estudante da Língua Portuguesa na Faculdade de Ciências e Letras de Jandaia do Sul, tive por hábito ler regularmente o meu poeta predileto, o príncipe dos poetas portugueses, Luís de Camões, tanto na épica, com os "Lusíadas", quanto na beleza inigualável de sua "Lírica". E guardo ainda, de memória, esta famosa estrofe da oitava 3;
"Quem pode ser no mundo tão quieto,
Ou quem terá tão livre o pensamento;"Quem pode ser no mundo tão quieto,
Quem tão exp´rimentado e tão discreto,
Tão fora, enfim, do humano entendimento
Que, ou com público efeito, ou com secreto,
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando o seu juízo quase incerto,
Ver e notar do mundo o desconcerto?"
Que desejará o Poeta dizer com esse estranho "desconcerto" , que tantas vezes reaparece em muitíssimas partes de sua "Lírica"?
Parece-me que ele quer, evidentemente, queixar-se de alguma coisa, ou de muitas. Ora, um dos riscos que se corre, quando se escolhe essa espécie de tom menor para dizer mal do mundo e da vida, é o de cair num pessimismo de convenção, pouco verdadeiro, que tanto pode ser atribuído aos maus humores do autor, como à falta de assunto. Falo por experiência própria...
É sempre fácil dizer sentenciosamente que a vida é breve, e que os prestígios e aplausos do mundo são enganadores. Mas também ao leitor é fácil defender-se dessa débil agressão fechando o livro, e tudo fica na mesma, como se nada tenha sido escrito e nada lido.
Outro risco que se corre é o de ser lido com a atenção que se costuma dar aos maldizentes, e até com a secreta volúpia que muitos encontram no elogio do mal.
Com algum talento, até eu no meu blog consigo enganar o eventual leitor que, aliás, tenho quase a certeza - pois também sou leitor - gosta de ser enganado deste modo, e que encontra uma especial satisfação diante do universal espetáculo da imbecilidade humana.
Dê-se ao leitor uma enxurrada de delitos, misérias, mentiras, baixezas, em frases bem cuidadas, e se poderá ver que ele se estica na sua poltrona, relaxa os menores músculos e, assim disposto, se entrega à delícia sem par de contemplar a miséria do espetáculo humano, assistido de um camarote propiciado pela Literatura...
Muita coisa tem sido escrita nessa pauta da lamentação, com maior ou menor talento, e dessas engenhosas difamações de homem e de mulher, do mundo e da vida em geral - e consequentemente de Deus - e o resultado é a presença de muita filosofia perversa que reforça a desordem denunciada, ou em que o escrevinhador se deleita.
Nessa perspectiva, o espetáculo do desconcerto do mundo se torna opaco, e a inteligência que nele se compraz, julgando ter atingido a suprema compreensão, fecha-se sobre si mesma com um fúnebre e funesto contentamento!
E me lembro, desta outra lamentação ainda de Camões:
"Já me desenganei que, de queixar-me,
Não se encontra remédio; mas quem sofre,
Forçado lhe é gritar e, se a dor é grande,
Gritarei...
Gritando eu também, termino este meu texto com a convicção de que não pode ser convencional, nem pode deixar de ser verdadeiro esse recado de dores que vem de longe, através dos poetas autênticos e geniais, e essa dor que celebram parece ser uma dor do Universo expressa por boca humana. E digo mais: parece ser uma dor primeira que remonta até às origens deste mundo criado por Deus! Mas degradado pelo próprio homem!
Nenhum comentário:
Postar um comentário