segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A PROPÓSITO DE KARL BARTH



            A semana passada eu a aproveitei lendo a biografia de Karl Barth, que foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX, dentro da linha teológica chamada "Teologia Dialética" ou "da crise".  
            Pois na sua biografia, Karl Barth teve um sonho. Sonhou com Mozart.
            Na verdade, Barth sempre se sentiu melindrado pelo Catolicismo de Mozart e pelo fato dele rejeitar o Protestantismo.  É de Mozart a célebre frase:
            - "O Protestantismo está todo na cabeça".
            E em outro texto:               
            - "Os Protestantes nunca conheceram o sentido do "Agnus Dei qui tollis peccata mundi" (Cordeiro de Deus que tiras os pecados do mundo).
            Em seu sonho, Barth foi indicado para examinar Mozart em Teologia. Desejava tornar o resultado do exame tão favorável quanto possível. Assim, em suas perguntas aludia expressamente às célebres "Missas" do compositor.
             Mozart, porém, questionado, não respondeu palavra.
             Fiquei profundamente comovido com a descrição deste sonho por Barth, pois foi um sonho que tinha tudo a ver com sua salvação, e Bart talvez estivesse se esforçando por admitir que ele seria salvo mais pelo Mozart que nele existe do que por sua própria Teologia.
             Cada dia, durante anos, diz-me a biografia que Barth tocava Mozart todas as manhãs antes de iniciar seu trabalho sobre o Dogma. Procurava, talvez inconscientemente, despertar o Mozart "sapiens" nele oculto, a sabedoria interna que se harmoniza com a música divina e o cósmico, e é salva pelo amor, sim, mesmo pelo "eros". Enquanto o outro ser, o teológico, aparentemente mais preocupado com o amor, abraça um "ágape" mais severo, mais cerebral: um amor que, afinal, não está em nosso próprio coração, mas somente em Deus, e é revelado apenas à nossa cabeça.
            Barth dizia também, com muito sentido, que "é uma criança, mesmo uma criança "divina" que nos fala na música de Mozart. Alguns, declara Barth, sempre consideraram Mozart uma criança em relação às coisas práticas da vida. Ao mesmo tempo, ao menino-prodígio Mozart nunca foi permitido ser criança no sentido literal da palavra. Tinha apenas seis anos quando deu seu primeiro concerto. Contudo, foi sempre uma criança "no sentido mais elementar do termo."
            Terminando de ler sua biografia, tive a inaudita vontade de dizer, em espírito, ao notável Barth:
            - "Não temas, Karl Barth! Confia na misericórdia divina. Sei muito bem que cresceste e te tornaste um dos grandes teólogos do século XX, e Cristo sempre permaneceu em ti uma criança. Teus livros, que eu muito desejaria ler, talvez valham menos do que poderias pensar! Mas saibas que há em ti, como também em mim, um Mozart que será a nossa salvação."

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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

QUANDO O PRÓXIMO SE TORNA PRÓXIMO



      Você, meu eventual e corajoso leitor, já reparou na palavra usada por Cristo quando nos manda amar os outros? Ele diz:  - "Amar o próximo".
       E este É o problema, no meu entender. Até que não é difícil comover-me ao ouvir falar ou ver no jornal ou na TV certas calamidades que atingem um país distante, deixando desabrigados e com fome milhares de Famílias.                                                                                                                                      Como eu disse, não é difícil comover-me e até, se puder, enviar alguma ajuda, mesmo que me cause certo sacrifício.
      O difícil, o duro, é amar quem está perto, quem mora talvez comigo, ou é meu vizinho, ou quem frequenta a mesma igreja que eu, ou pertence à mesma  "Comunidade de Bairro". Foi ao pensar nisso que a "Musa" inspirou-me estes versos de pé quebrado:

                                                  Quando o próximo
                                                   para mim realmente
                                                   se torna próximo
                                                   e eu o vejo
                                                   e o ouço
                                                   fazendo meus
                                                   os sofrimentos dele
                                                   e alegrando-me de verdade
                                                   com suas alegrias
                                                   quando "vizinho"
                                                   não é para mim
                                                   palavra vazia
                                                   quando "vizinho"
                                                   tem nome
                                                   tem feições
                                                   tem história
                                                   quando toda e qualquer pessoa
                                                   é "Alguém" para mim
                                                   minha Religião
                                                   estará saindo das nuvens:
                                                   estará de fato se encarnando...

            Sei que muita gente não gosta de conhecer os vizinhos para não ter trabalho; e, no entanto, não só uma das mãos lava a outra, mas como responder ao Pai, se Ele me perguntar onde está meu vizinho, que é meu Irmão, como diz a Bíblia Sagrada?
            Mais grave ainda é inimizade, ou mera convivência pacífica, ou guerra fria, ou mesmo ódio, dentro da própria casa, ou na mesma rua...
            Aí é que cabe  a palavra do Senhor Jesus, que eu canto na celebração litúrgica de minha Igreja: 

           - "Vai primeiro reconciliar-te com teu Irmão
             e depois, só depois, vem fazer a Deus tua oração!"

            Será mesmo que dentro de minha casa todos são próximos, isto é, vivem perto uns dos outros, perto física e afetivamente? Ou será que na casa ao lado moram estranhos, ausentes, distantes, ilustres desconhecidos?...
            Muitas vezes, a poucos metros de onde moro, pode haver sofrimentos terríveis, pobreza, fome, miséria, angústia, doença, desespero, à minha espera...
            E se eu quiser ter uma religião viva? Se eu quiser viver Cristianismo autêntico? Aí então eu preciso transformar meu próximo em próximo... tentar aproximar-me um pouco mais de meus vizinhos...
            E que ninguém passe por minha vida como sombra vaga, como anônimo. Que cada um e cada uma que cruzam meu caminho sejam, para mim, Alguém, meu Irmão, minha Irmã, pois somos todos 
filhos do mesmo Pai!


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terça-feira, 22 de setembro de 2015

SOMOS CHAMADOS POR DEUS



               Nos meus tempos de estudante de Teologia, na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, na Capital paulista, aprendi que Deus possui inúmeras maneiras de distribuir, a homens e mulheres, os Seus dons, Sua Graça santificadora.
            Se Deus fosse um tímido, se se prendesse a julgamentos precipitados e sem base, repartiria Seus dons em doses rigorosamente iguais para todos. Ninguém se poderia queixar: ninguém teria nada a mais, nada a menos. Tudo numerado, etiquetado, registrado, certinho...
            Esta atitude seria indigna da imaginação criadora do Pai de todos os pais. Seria de incrível monotonia, como se todas as criaturas humanas tivessem o mesmo rosto ou todas as flores tivessem a mesma forma, a mesma cor, o mesmo perfume.
            Aprendi também que Deus aceita o risco de parecer injusto. A verdade é que ninguém deixa de receber, de Suas mãos divinas, pelo menos, o indispensável. Mas há quem receba com largueza estonteante. No caso, eu me refiro às verdadeiras riquezas:  às riquezas interiores. E lembro também que existem os ricos de dons divinos, os privilegiados da Graça. Os santos.
            Muitíssimas vezes temos a impressão de que Deus é injusto. Mas Deus não é injusto. Deus pede mais de quem recebe mais. E quem recebe mais, recebe em função dos outros. Não é maior, nem melhor: é mais responsável. Deve servir mais. Viver para servir.
            Há muitas pessoas que se julgam preteridas, esquecidas por Deus, que o seu caso pessoal é o de quem recebeu e, se recebeu, foi apenas o mínimo, o essencial.
            Mas tenho a convicção de que o importante não é pesar, medir, contar os dons recebidos. Não é o caso de ter recebido muito ou pouco. O importante mesmo é a firme decisão interior de responder ao máximo, e de servir aos irmãos.
            Deus, Pai de todos os pais, pensa em todos e, pensando em todos, chama de modo particular, alguns. Parece que os faz pular no escuro, a partir, caminhar. Submete-os  a duras provas, através de sacrifícios terríveis. Mas os sustenta, dá-lhes coragem, ao chamá-los para a missão de serem instrumentos da Vontade Divina. Encarrega-os de ser presença discreta na hora decisiva das opções. Deus os faz animadores das caminhadas de outros, e muitos outros.
       Quem ouve o chamado de Deus e atende a este chamado, torna-se sinal visível da Providência Divina, no serviço e na entrega ao serviço dos irmãos.
              A Bíblia Sagrada traz-nos um exemplo eloquente desta verdade: 
         Abraão foi chamado por Deus. Não vacilou um instante. Partiu. Caminhou. Enfrentou provações dificílimas. Aprendeu, à própria custa, a despertar irmãos, em nome de Deus. A chamar, a encorajar. A pôr em marcha.
           Os Judeus, os Cristãos, os Muçulmanos, conhecem-lhe a história. 
           Abraão recebeu muito? Sim, e respondeu muito. Respondeu ao máximo. Serviu. Por isso é chamado de  "pai dos crentes".
           E nós, que fomos batizados, que recebemos os dons do Espírito Santo, será que respondemos ao chamado de Deus, como o fez Abraão?
           Não é difícil, parece-me relativamente fácil escutar o chamado de Deus, através dos acontecimentos do nosso tempo, do nosso meio, do nosso dia-a-dia. Difícil é não parar em atitudes emotivas de compaixão e de pesar.
           Difícil é arrancar-nos do comodismo; quebrar estruturas interiores (as mais duras e penosas de quebrar). Difícil mesmo é deixar-nos penetrar pela Graça de Deus, decidir-nos a mudar de vida.
           Precisamos converter-nos! Eis aí a questão fundamental.Estamos dispostos a enfrentá-la?

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

UM TESTEMUNHO DE DOR



                Para a Isabela, minha neta querida:


                Hoje, lembrando-me da Raquel, confesso que chorei. Antes de ela ser sua mãe, é minha filha, e por isso, diante de seus sofrimentos e sabendo que ela estava definitivamente em estado terminal, chorei, não nego, e chorarei sempre que me lembrar dela.
                Para que Você saiba como foram as últimas horas dela neste mundo, deixo-lhe este breve relato, que escrevo com os olhos repletos de lágrimas.
                Seu fim, nós o pressentimos desta maneira:
                Certa manhã, estávamos na sala sua avó, eu e sua mãe. Num certo momento, a Raquel disse que ia subir para o seu quarto, levantou-se e dirigiu-se para a escada. Eu vi que ela tentou três vezes colocar o pé sobre o primeiro degrau, e não conseguiu. Senti um estalo na cabeça, imediatamente corri ao telefone e chamei o "Ecco Salva".
                Colocaram a Raquel em uma maca e a levaram para a ambulância. Eu fui junto. Chegando ao Hospital Erasto Gaertner, ela foi examinada, fizeram uma radiografia da cabeça e decidiram operá-la. Abriram seu crânio, e o médico apenas disse: - "Mega metástase!"  -  me informando que o câncer tinha tomado toda a extensão de seu crânio. Fecharam-lhe a cabeça, e a levaram para o quarto.
                Conversando com seu médico, ele me informou que a Raquel estava em estado terminal, e nada mais era possível p fazer  para reverter o quadro.
               Voltei para junto dela, e ela me pediu que sentasse na cama ao seu lado. Pegou em minha mão, apertou-a tanto até doer, e me disse:
                - "Pai, Você vai me fazer uma promessa."
              Estas  suas palavras fizeram-me compreender que ela já sabia de seu estado.   Respondi-lhe que faria a promessa que ela quisesse, e ela então me disse que me intimava a fazer Você feliz. E eu lhe prometi, chorando.
                Mais tarde o médico entrou de novo no quarto, chamou-me de lado e disse que ia aplicar-lhe uma injeção porque seu estado era terminal e sem retorno, ela estava sofrendo dores terríveis no crânio, que ela iria dormir e não sofreria mais. Assim foi feito. Ela dormiu, e o Carlão ficou com ela, pois sua mãe e eu precisávamos descansar um pouco.
                Fomos para casa. Algum tempo depois o Carlão ligou, e disse que se quiséssemos ver a Raquel ainda viva, era para irmos imediatamente para o hospital.
                Você, Isabela, era pequenininha, e achei que lhe proibiriam a entrada no hospital. Sua avó
foi com o Carlão, eu  abracei Você, nós dois sentados à beira da cama, chorando, e ali ficamos não sei quanto tempo. 
                De madrugada a Raquel morreu. Deixou este mundo de dor e sofrimento, e partiu para a Casa do Pai de todos os pais.
                Não sei onde foi o velório. Só sei que o sepultamento foi no "Memorial da Saudade", em São José dos Pinhais. Eu não fui à beira do túmulo, onde ela estava sendo sepultada. Fiquei à distância, sentado em um banco, chorando. Só me lembro que um amigo e vizinho, o Senhor João, hoje Ministro da Eucaristia na Paróquia, sem dizer nenhuma palavra, respeitando minha dor, sentou-se ao meu lado, silencioso, até terminar toda a cerimônia. (Dias depois mandei-lhe um bilhete agradecendo sua atitude caridosa, simplesmente sentando-se ao meu lado, dando-me apoio e conforto, mesmo sem palavras, pois elas de nada adiantariam, em vista das circunstâncias).
                Terminado o sepultamento, voltamos para a solidão de nossa casa, que continua solitária até os dias de hoje, apesar do valiosíssimo presente que a Raquel nos deixou, que é Você, minha querida neta Isabela!...

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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O PÔR-DO-SOL EM MINHA VIDA



            Tempos atrás falei neste blog sobre a oferta das primícias, a oferta das primeiras flores, dos primeiros frutos, dos primeiros filhotes dos homens e dos animais... E, coisa terrível: segundo o Antigo Testamento, naqueles tempos já perdidos nas brumas do passado, havia entre os antigos povos cananeus  -  como também por  algum tempo em em Israel  -   uma cruel oferenda das primícias a Baal/Moloc:  a oferenda dos primogênitos, que eram passados pelo fogo!...
            Hoje, o importante para nós é oferecer o inverso das primícias:
            - as últimas folhas, que teimam em não cair e acabarão tombando por si mesmas; as últimas frutas, em fim de estação; os últimos cajus, as derradeiras mangas, ou pitombas, ou as pitangas, vermelhinhas, nos antigos tempos de minha meninice em Caldas, Minas Gerais...
            - os últimos cantos dos pássaros que envelheceram e já não cantam, cada vez mais se aproximando do fim...
            Passarinhos! Já tive dezenas deles, canarinhos e um pássaro-preto, aprisionados em gaiolas ou viveiros... A não ser os que ainda vivem em gaiolas ou os que são covardemente atingidos pelo chumbo de caçadores desalmados, creio que nenhum de nós jamais encontrou um cemitério de passarinhos. Em tempo de criança, cheguei a pensar que passarinho não morria: somente na hora prevista pelo Pai de todos os seres, o passarinho em fim de jornada abria as asas e rumava, verticalmente, para o Céu...
            É claro que as coisas não são bem assim. Lembro que a Bíblia Sagrada nos diz que haverá novo Céu e nova Terra. É claro que haverá uma nova Terra, transformada pelas mãos do Criador, em Céu, flores, pássaros e luzes...
            É por isso que hoje, amadurecido nas refregas da vida, costumo oferecer ao Pai do Céu, além do meu próprio cansaço, o cansaço dos velhos cavalos, burros, jumentos e bois, que tantos benefícios trouxeram e trazem à vida de todos nós, e que, depois de arrastarem cargas pesadas a vida inteira, acabam sendo sacrificados...
         Quando um cavalo de pura raça como meu velho pai teve muitos deles, mesmo os que ganharam vários prêmios nas exposições, quebrada uma perna por acidente, tinha que ser sacrificado. Os apaixonados pelas corridas de cavalos jamais aceitariam que um cavalo, com vitórias no Jockei Clube, tivesse perna encanada e acabasse puxando carroça.
             Neste mesmo enfoque, e em patamar mais elevado, é salutar oferecer ao Pai o cansaço dos velhos Operários que, depois de uma existência inteira de trabalhos penosos, tantas e tantas vezes mal remunerados, são obrigados a acordos trabalhistas que lhes levam boa parte da aposentadoria... (Sou vítima sofrida desta prática, depois de trinta anos de magistério)...
           Ofereçamos ao Pai a velhice dos Artistas, que nos enfeitaram a vida com suas festivas criações. Se a velhice é dura para todos, é particularmente difícil para os Artistas. Como continuar cantando, ou dançando, ou tocando, ou pintando, ou esculpindo belezas, se as vozes, as mãos, os olhos, os ouvidos, os pés, a cabeça, já não podem ter a mesma argúcia, a mesma destreza, a mesma resistência dos dias de juventude?!...
               Certo dia, em um circo mambembe nas proximidades de minha casa, eu quis entusiasmar um velho palhaço a apresentar em cena determinado programa de meu gosto. Juntos, escolhemos o programa. Cuidamos com antecedência de roupas adequadas, e outras minúcias para o espetáculo da matinê dominical.
               O velho palhaço vibrou com a iniciativa. Mas quis reservar para si os ensaios, sozinho, para fazer-me uma surpresa...
               Triste ilusão. Nunca vi espetáculo tão triste como o apresentado pelo velho palhaço. Ele, que em outros tempos tinha sido a alegria da criançada, hoje, talvez pela idade, fez tudo ao contrário do que eu esperava: piadas antiquadas, anedotas tão sem jeito, tão sem graça, tão sem aquela alegria interior, que minha vontade, antes de aplaudir,  era vontade de chorar.
                Lembro-me muito bem que a "função", não sei por que cargas d'água, terminou justamente com o pôr-do-sol.
                E hoje, velho também, cheguei à conclusão de que devemos oferecer ao Pai toda a nossa curta existência, e isto, como o nascer e o pôr-do-Sol:  o começo, o meio e o fim!..
                 Que a terra me seja leve!!!

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domingo, 13 de setembro de 2015

MENINA DOS OLHOS



                                                     "...Fico sem jeito

                                                      quando, muitas vezes,
                                                      me surpreendo
                                                      olhando as pupilas
                                                      de quem me fala...
                                                      A culpa é de quem disse
                                                      que nos guardará
                                                      como a pupila de Seus olhos!..."

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            É claro que Você sabe, como todos nós sabemos, que pupila é a menina dos olhos. A Bíblia Sagrada, como acabo de ler nesta manhã fria de Curitiba, nos garante que Deus nos guarda e nos guardará sempre como à menina de Seus olhos. Daí, veio meu gosto de olhar as pupilas...
           Você já reparou também que, em momentos de perigo, instintivamente, protegemos o rosto e a cabeça, e especialmente os olhos?  E é nessas ocasiões que me lembro do versículo bíblico: Deus nos guarda e nos guardará como a pupila de Seus olhos!...
            Não gosto muito de quem, na hora da conversa, evita fitar-me nos olhos... De quem é incapaz de olhar meus olhos. Parece que está negaceando alguma maldade...
            O espírito, que reside em mim, que mora em minha alma, anima e vivifica meu corpo inteiro, mas se reflete também, de modo especial, em meu olhar...
            E daí, como deixar de comover-me com a certeza de que Deus me guarda e me guardará  como à menina de Seus olhos?!...
            Está lá na minha Bíblia:  - "Se teu olhar for puro, todo o teu corpo será luminoso."
        É belo, é delicioso o meu olhar contemplar e confirmar-me a transparência do olhar das crianças! É um encanto contemplar o olhar de um ou de uma apaixonada, que vive o seu primeiro amor!... E Deus me guarda e me guardará como a pupila de Seus olhos divinos!...
          A pupila marca, de modo fino e discreto, a cor dos meus olhos, que eu não sei muito bem de que cor eles são. Em todo caso, há olhos negros, azuis, castanhos, verdes... E como é bom pensar que Deus nos guarda e nos guardará como à pupila de Seus olhos!.                                                                          No olhar, seja o meu, seja o seu, se reflete, imediatamente, o sentimento que nos domina... Olhando nos olhos, logo descubro, como que por instinto natural, se nos olhos que me fitam estão abrasados de amor, queimando de ódio, se estão friamente egoístas, se estão fingindo, mentindo... E Deus me guarda e me guardará como à menina de Seus olhos...
            Nosso povo, na sua sabedoria secular, sabe e sente a força do olhar... Fala-se muito em "mau 
olhado..."  Há olhos penetrantes, que parecem me ver por dentro... Há olhos profundos...   E não me
esqueço de que Deus me guarda e me guardará como à pupila de Seus olhos...
           Se eu tivesse mais experiência de vida e perspicácia, seria fácil descobrir, no olhar de quem me fala, se o tal está fingindo, despistando, mentindo...
           Guardado, portanto, de maneira tão profunda e carinhosa, pelo meu próprio Deus, que teria eu a temer? Como não me sentir seguro, tranquilo no meu dia-a-dia, por maiores que sejam os perigos, por mais terrível que estale a tempestade?...
           Peço que me perdoe a repetição cansativa e monótona: meu desejo é gravar para sempre em minha memória, e na sua, se me der licença, esta máxima, que me acompanha sempre:
           - "Deus me guarda e me guardará sempre como à pupila de Seus olhos!..."

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense. Bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

VOLTAR AO PAI DE TODOS OS PAIS



            Tenho para mim que, neste nosso mundo, uma coisa é importante para quantos se dizem cristãos: "voltar ao Pai". O Filho veio ao mundo e morreu por nós, ressuscitou e subiu para o Pai. De lá enviou-nos o Espírito Santo para que nEle e com Ele pudéssemos então voltar ao Pai.
            Sim, para que pudéssemos passar completamente para além da névoa de tudo que é transitório e inconclusivo: voltar ao Imenso, ao Primordial, à Fonte, ao Inconhecido, Àquele que ama e conhece, ao Silencioso, ao Misericordioso, ao Santo, Àquele que é tudo.
             Procurar algo, preocupar-se com algo fora disso é loucura e enfermidade. Pois isso é o sentido pleno e o cerne de toda existência. E é nisso que todos os negócios de nossa vida e todas as necessidades do mundo e dos homens e mulheres tomam seu sentido certo. Tudo aponta para essa única grande volta à Fonte.
             Toda a meta que não  é fim último, todo o "fim da linha", que podemos "ver"  e planejar como "fim" ou "fins", são simplesmente absurdos, porque estas coisas nem têm início. A "volta" é a volta para além de todos os fins e o início de todos os inícios.
            O "retorno ao Pai"  não é um "voltar" no tempo, não é fechar o livro da História, nem reverter seja o que for. É ir adiante, ir além. Porque retroceder pelo mesmo caminho seria vaidade acrescentada à vaidade  -  renovação do mesmo absurdo em sentido reverso.
            Nosso destino é seguir para além de tudo, deixar tudo, apressar para atingir o "Fim" e encontrar, no "Fim", nosso "Princípio", o Princípio sempre novo, Princípio que não tem fim.
             Obedecer-Lhe no caminho para alcançar "Aquele" em que, eu como Você e todos nós, tivemos início, que é a chave e o fim  -  porque Ele é na verdade o único e definitivo "Princípio".
              E fecho este meu pobre texto com uma oração que me parece bastante pertinente a esta manhã brumosa e fria  de minha querida Curitiba, depois da grande festa de Nossa Senhora dos Pinhais, Sua padroeira, celebrada festivamente no dia de ontem:

                            "Hoje, Pai, este céu meio escondido pelas nuvens, Te louva.
                              As delicadas flores verdes e arroxeadas de meu pequeno jardim Te louvam                                          As colinas lá ao longe, na direção de Colombo, Te louvam, juntamente com a 
                             aragem fria que nos obriga a usar agasalho, também Te louvam.
                             As pombas que fazem ninho e arrulham na casa ali em frente te louvam.
                              E eu, Pai, Te louvo com todos esses meus irmãos, e eles expressam,
                              a seu modo, o que vai no meu coração e no silêncio desta manhã.
                              Na verdade, nós todos somos um só silêncio numa diversidade de vozes,
                              cantando um hino em Teu louvor. Amém." 

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domingo, 6 de setembro de 2015

MEMORIAL DA SAUDADE



            Hoje de manhã, domingo,  seis  de setembro, na minha meditação diária, lembrei-me de meus mortos queridos, meu pai Noé, minha mãe Julieta, meus irmãos Darcy e Valdir, e principalmente de meus filhos, a Raquel e o Júlio. Sei que a Igreja anuncia sua Fé na ressurreição e na misericórdia infinita de Deus, e a Ele eu confio estes meus mortos de inesquecível memória.
            Sei perfeitamente que a Fé não apaga nem o tempo nem a saudade. A Fé também não apaga a dor, nem afasta a morte. Apenas confere suporte aos que ficam, ajudando-os a sobreviver às contingências inelutáveis da vida.
           A Fé é um presente de Deus, que me faz perceber o amor dos amigos e da comunidade no momento em que eu, chorando, me lembro da partida definitiva daqueles que amei, e que sempre amarei, e recordarei nos meus momentos de prece ao Senhor meu Deus.
           É movido pela Fé e pela saudade que todos os anos, no "Dia de Finados", compareço ao cemitério com minha esposa Cida e minha neta Isabela, para chorarmos e homenagearmos, juntos, nossos mortos inesquecíveis, banhando seus túmulos com orações, lágrimas, e muitas saudades.
           A Fé me dá a certeza de que meus mortos não estão definitivamente mortos: somente passaram para o outro lado da vida, para a Casa do Pai de todos os pais e de todas as mães deste nosso mundo finito e contingente.
           Descansem na paz do Senhor meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã, meu filho e minha filha.  E fique eu, neste mundo, cultuando-lhes a memória, e rogando a Deus pela salvação eterna de todos eles. Que descansem em paz no Reino de Deus, iluminados pela luz da Ressurreição e da  Eternidade.

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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O MISTÉRIO DE SEMPRE



            Inicio o texto de hoje com um "projeto" de poema que, espero, não desagrade ao meu eventual e benévolo leitor:


                                                   

                                                 Ao jogar fora
                                                 a folha do calendário
                                                 do agosto que passou
                                                 ainda como sempre
                                                 eu me vi ante o mistério
                                                 do tempo e da eternidade

                                                                   Esse mês, agosto, que se foi,
                                                                   -  fração importante  -
                                                                   de minha entrante octogésima idade
                                                                   efêmera como todas as demais
                                                                   teria algum valor diante de Deus
                                                                   ou terá ido também
                                                                   para a cesta de papéis?

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            Creio eu que a grande arte da vida consiste em transformar o tempo passageiro em eternidade feliz... O ideal seria nem preocupar-me com o tempo que já passou (este, eu o entrego à Misericórdia de Deus), e muito menos com o tempo que há de vir (posso entregar meu futuro à Providência Divina).
            O importante, mesmo, é aproveitar o tempo que Deus me deu, trabalhar sem desânimo, sem gastar muito  em descanso, sem esquecer um "papo" com os amigos, um contato frequente com a Natureza, um mergulho na música, uma leitura de um livro sadio... Por que não uma meditação diária de um texto da Bíblia Sagrada?
            Diga-me lá Você: de que adianta esticar demais a corda?... Trabalhar sem parar, andar em perpétua correria, em perene disparada, é desgaste, é empobrecimento.
            Mesmo que minha vida seja dura e sofrível, é preciso que eu descubra meios, inventar jeito de descanso espiritual, cujo ponto mais alto, sem nenhuma dúvida, é a conversa diária com Deus...
            Mas, se trabalhar sem parar não é inteligente, viver ao léu, sem trabalhar, sem fazer nada, deixar o tempo correr inutilmente, sem o mais leve esforço para aproveitá-lo, é menos inteligente e cansa muito mais. Mesmo que eu não tivesse no meu dia-a-dia algo para fazer, é saudável procurar uma ocupação, nem que seja para uma higiene mental, sem ficar contando as horas, contando as moscas...
            Gosto daqueles calendários com folhinhas para despetalar cada dia... Como seria bom que, ao arrancar a folha do dia que passou, tivesse eu sempre a alegria de sentir que foi um dia bem vivido com minha esposa e minha neta órfã, a Isabela, que mora conosco... Este seria um dia bem vivido, bem aproveitado, dia que valeu! Dia gasto em fazer o bem. Dia sem maldade, sem ódio, sem mentiras, sem fingimento.
           Mesmo que tenha havido alguma fraqueza, que ela seja logo superada.
           Feliz de mim se eu tivesse dias cheios! Repare Você que eu não disse dias abarrotados, entulhados de ninharias...
           Dias plenos, aqueles dias que atraiam sobre mim e minha pequena família as bênçãos de Deus, nosso Pai do Céu!

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