terça-feira, 8 de janeiro de 2013

CARTA ABERTA AOS MEUS E AOS NETOS DE TODO O MUNDO


      Neste começo de ano, gostaria de escrever aos meus netos, João Carlos, Aroldo Henrique, Júlia Gabriela, Isabela e Giovana, uma carta muito bonita, desejando-lhes toda a felicidade possível neste ano de 2013 que se inicia.
      Pensei, pensei, e não consegui escrever algo que agradasse a essas personalidades tão vibrantes e criativas que eles e elas possuem. Resolvi então parafrasear uma página interessantíssima de um educador que eu muito admiro, chamado Rubem Alves. Pois é dele uma frase que diz mais ou menos assim: - "É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencê-la a beber a água."
      E eu cá, com os dois botões ainda inteiros das minhas ceroulas samba-canção, dei razão ao homem. De fato, se a égua não estiver com sede, ela não beberá agua, por mais que seu dono insista, lhe bata, esbreveje, ou mande-a plantar batatas. Mas, se ela estiver com sede, beberá por vontade própria até toda a água do ribeirão, se tiver barriga para isso.
      Como vocês, meus netos, sabem, eu fui professor durante trinta anos e, quase sem querer, apliquei a frase do Rubem Alves à educação de hoje em dia. Deste jeito: é muito fácil obrigar ou levar o moleque (ou a moleca) à escola. O difícil mesmo é convencê-los a aprender aquilo que eles não querem ou que não lhes interessa.
      Então, comecei a pensar que as escolas nos dias de hoje fazem com seus alunos o mesmo que o dono da égua queria fazer com ela: os professores tentam fazer os alunos beber uma água que eles não querem beber. No meu tempo de estudante - já lá vão bem uns sessenta e tantos  anos -  os professores da época também tentavam muitas vezes me empurrar goela abaixo muita coisa que eu não queria aprender. O resultado é que não aprendi essas tais coisas, e ainda por cima peguei raiva dos tais professores...
      Que vocês, meus netos, como todos os bons alunos, sempre estiveram doidos para aprender tudo quanto puderem, disso não tenho a menor dúvida. Mas o que é que vocês, quando alunos, e as crianças em geral em fase escolar, quereriam aprender?
      Aqui em frente de minha casa existe uma escola do ensino fundamental, eu fiz amizade com uma professora de lá e temos batido longos papos sobre educação. Certo dia, conversa vai, conversa vem, ela me passou uma lista de perguntas, que seus alunos fizeram espontaneamente, e queriam uma resposta sincera dela. Pois aqui vão as perguntas:

      - Se a Terra é redonda, quem mora na parte de baixo anda de ponta-cabeça?
      - Por que o céu parece azul?
      - Quem foi o infeliz que inventou a escola?
      - Por que os homens têm barba e as mulheres não têm?
      - Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
      - Um cego sabe o que é uma cor?
      - Se na tal arca de Noé havia muitos animais selvagens, por que um não comeu o outro?
      - Por que a chuva cai em pingos e não tudo de uma vez?
      - Como é que as crianças antes de nascerem entraram na barriga da mãe?
      - Por que existe gente negra?

      Pois é, estas foram as perguntas que os alunos das primeiras séries do curso fundamental fizeram e entregaram à sua professora. E a professora, que por ser muito inteligente leva sempre a sério as perguntas de seus alunos, antes de responder às questões propostas por eles, resolveu fazer a mesma coisa com os professores, seus colegas. Pediu-lhes que colocassem no papel as dez perguntas que gostariam de lhe fazer. E fiquem vocês sabendo que os professores só fizeram perguntas que tinham relação com as matérias que ensinavam em sala de aula.
      E eu então, lembrando-me da frase inicial do Rubem Alves, pensei lá comigo mesmo: as perguntas que os professores fizeram nos revelam o ribeirão aonde eles querem ir beber água...
      Leiam de novo com bastante atenção as perguntas feitas pelos alunos, e vocês verão que elas mostram uma sede muito grande de conhecimentos. Eles querem beber água de rios, de lagos, de fontes, de minas, de chuva, de poças de água, até do mar, se fosse possível... Já as perguntas feitas pelos professores revelam que eles perderam a curiosidade infantil, e estão felizes com a água do ribeirão de sempre! Ribeirões diferentes, águas de outras fontes, os assustam, por medo de se afogarem... E tem mais: as perguntas deles não eram sinceras, pois por serem professores, já sabiam as respostas! Suas perguntas eram apenas a repetição da mesma trilha batida todos os dias, que levavam sempre ao mesmo ribeirão! Rotina do dia a dia...
      Hoje, aposentado, com muito tempo para ler e escrever, me lembro que, quando professor, eu vivia muito preocupado com aquilo que as escolas faziam com as crianças. Felizmente agora, já velho e careca, mas não gagá, estou preocupado é com aquilo que as escolas fazem com os seus professores. Os professores que fizeram as perguntas já foram crianças. Quando crianças, tenho certeza de que suas perguntas foram outras, muito mais intrigantes, porque seu mundo era outro. Foi a instituição, essa coisa chamada escola, que lhes ensinou a eles, professores, a maneira que entendia correta de beber água: cada um no seu próprio ribeirão, sempre da mesma maneira, muito direitinho, como mandam as regras!  Mas saibam vocês, meus netinhos, que as instituições, entre elas a escola, são criações humanas e, por isso, sujeitas a muitas imperfeições e até a erros. Podem e devem ser mudadas, para melhor. E, se de fato as escolas forem mudadas, os professores aprenderão o prazer imenso que é beber água de muitos outros e diferentes ribeirões, e assim voltarão a fazer aquelas perguntas importantíssimas que fizeram no seu tempo de crianças...
      E termino, dizendo a vocês que não tenham medo de fazer todas as perguntas que andam fazendo cócegas na curiosidade de vocês, e que ficam girando dentro de suas cabecinhas, exigindo uma resposta urgente e honesta de seus pais, professores, e por que não? de seus avós "corujas"!
      Sejam muito felizes!
     
     

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