Nesta semana que passou, funcionários da Prefeitura estiveram no meu bairro, podando as árvores que embelezam e dão sombra às ruas. Isto me fez recordar de um fato acontecido comigo, quando moleque, ainda residindo em Poços de Caldas.
Certo dia, de manhã cedo, vi um cidadão com uma tesoura enorme nas mãos, junto a uma árvore frondosa e muito bonita, principalmente pela sua sombra, bem diante de minha casa. Toda tarde minha mãe gostava de sentar-se num banco rústico, à sua sombra, na interminável tarefa de fazer crochê.
Pois é. O funcionário da Prefeitura, com a sua enorme tesoura, começou a cortar os galhos mais tenros e bonitos da árvore. Reclamei, agarrei-o pelo braço. Ele sorriu para mim e me disse que depois de um mês eu iria ver o resultado do que tinha feito.
De fato, algum tempo depois, a árvore estava bem diferente, parecia-me mais cheia de vida... E foi assim, conforme as palavras do homem, que eu consegui aprender o segredo das podas...
Hoje, às vésperas de completar 77 anos, ao ler um texto da Bíblia, em que o Criador poda justamente os galhos que dão frutos, entendi, aceitei as palavras evangélicas, porque eu já sabia o efeito da poda...
E comecei a refletir, com os meus botões, como se costuma dizer:
Por que todos nós, mesmo os que se dizem cristãos e frequentam a igreja, temos a tentação de imaginar que todos os males que acontecem conosco são castigos de Deus? Por que não pensar que Deus permite sofrimentos físicos e morais, como o agricultor que poda suas árvores frutíferas para que produzam mais?
Por mais que o sofrimento nos desnorteie, por mais que certos sofrimentos pareçam absurdos e revoltantes, como o falecimento precoce de minha filha Raquel, temos que nos agarrar firmemente a dois cabos de aço: Deus existe, e Deus é Pai de todos os pais que sofrem a perda irreparável de um filho.
Quando isto acontece, ficamos como que não vendo nada, não entendendo nada. Ficamos como árvores, carregadas de folhagem, cheias de vida, e que, depois da poda, se reduzem a galhos secos, que lembram braços esqueléticos que se erguem para o alto, pedindo explicações a Deus.
Quando encontramos pessoas esmagadas assim - como minha neta Isabela, menina tornada órfã pela morte da mãe - quando encontramos criaturinhas inocentes, em cima de uma cama de hospital, cansadas de sofrer, não é bom que a gente se meta a dar explicações que não explicam nada, e deixam a pessoa que está sofrendo mais esmagada ainda...
Em horas assim, nada como uma presença silenciosa, de quem faz sentir, sem palavras, como está acompanhando, como está sofrendo junto...
No sepultamento de minha filha Raquel, eu não consegui me aproximar do túmulo onde ela estava sendo sepultada. Sentei-me a um banco, a certa distância, e ali fiquei, chorando e sofrendo silenciosamente. Aí então um antigo vizinho e amigo, o senhor João, hoje Ministro da Eucaristia na minha paróquia, sentou-se ao meu lado e ali ficou durante todo o tempo do sepultamento, concentrado, sem dizer palavra. E até hoje eu sou-lhe grato por isso, porque qualquer palavra que ele dissesse não amenizaria a minha dor, mas a sua presença, silenciosa, compartilhando de minha tristeza, foi como que um bálsamo para minha alma que sofria.
Refletindo agora sobre esse fato, considero que em momentos assim, é mais fácil, baixinho, sem palavras, em pensamento, falar do nosso sofrimento a Deus, do que meter-se a falar de Deus a quem está ali sofrendo.
E repito aqui uma prece que me acostumei a fazer quando a lembrança de minha falecida Raquel me tortura a alma:
Ó Deus, Pai de todos os pais, não permitas que um outro pai, sofrendo, guarde a impressão de que não és Pai. Quando a pobre criatura humana já não aguenta mais, quando estiver desesperada, em risco de enlouquecer, Tu, que és também Pai, tens um milhão de meios de provar que não estás distante, indiferente, surdo e mudo por detrás das nuvens. Faze-me compreender que Tu estás perto, pertinho, pertíssimo, e que nunca, em instante algum, deixas de ser Pai!
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