sábado, 10 de setembro de 2011

O silencio de Deus

Num certo sentido, homens e mulheres estão cercados por todos os lados pelo doloroso e angustiante silêncio de Deus, abandonados totalmente à própria sorte de seres contingentes e finitos.
- "Homem e mulher sentem que suas vidas se intercalam, com curto lapso diurno, entre duas gigantescas noites. A noite da não existência. Ontem não eram. Esse ontem recua bilhões de anos até o famoso big-bang. E antes dele paira o silêncio do nada. Após a morte abre-se nova noite escura sem término. Entre essas duas ameaças do caos inicial e final, homem e mulher caminham solitários, sem luz." (Libânio Murad, Introdução à Teologia).
Ou nas perturbadoras palavras do cientista J. Monod: - "Homem e mulher sabem que estão sós na cega imensidão do universo, de que saíram por puro acaso”.
Como diria Albert Einstein: - "Estranha é nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta passagem, sem saber por quê, ainda que algumas vezes tentando adivinhar um propósito." (in Richard Dawkins, Deus, um Delírio).
Escutemos Pascal, nos Pensamentos: - "Aspiramos à verdade, e só encontramos incertezas. Buscamos a felicidade e só achamos miséria e morte. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora...”.
O Papa do catolicismo, Bento XVI, em livro recentemente publicado, Jesus de Nazaré, página 188, comentando o salmo 73 em que o justo sofredor protesta diante de Deus contra os males que o acometem, pergunta: - "Deus não vê nada realmente? Não ouve? Não se preocupa com o destino do homem?" E cita um dos lamentos do salmista: - "Foi então para nada que conservei um coração puro? Sou provado a cada hora e molestado continuadamente”.
É de fato um grande enigma, e diante dele os crentes sentem duramente o peso do silêncio divino: não como negação da existência de Deus, mas sim como sensação de abandono e indiferença. Este silêncio enigmático e sufocante desconcerta a muitos cristãos menos prevenidos, sempre desejosos de qualquer manifestação sensacional de Deus. Uma espécie de teofania do Antigo Testamento, com raios e trovões, que purificasse para sempre o mundo corrompido, curasse todas as mazelas e sofrimentos da humanidade, e reconduzisse novamente à Fé teocêntrica os povos e as nações.
Qual é a face desse Deus que todas as religiões procuram discernir e que até hoje muitas delas ainda não conseguiram desvelar?
Entre os cristãos, há muitíssimas pessoas que ainda não conseguiram ver o rosto humano de Deus em Jesus de Nazaré. Alguns acreditam num deus que faz o que quer e quando quer, um deus volúvel e caprichoso que se irrita facilmente com quem lhe é insubmisso, com quem não cumpre os ritos que lhe agradam, ou não observam seus mandamentos. Outros há que acreditam num deus distante e impassível, que abandona a vida de homem e mulher, deixando que ela seja administrada pelos anjos, pelos demônios ou pelos espíritos dos defuntos. São vários os que acreditam num deus sempre disposto a castigar, um deus cheio de ira e exigente, que não esquece o mal praticado e que castiga o pecador nos seus filhos, até a terceira e a quarta geração. Ainda há também, e muitos, os que acreditam num deus quebra-galhos, que intervém quando a situação está ruim, que faz milagres extraordinários, mas só o faz quando for implorado e, principalmente, se a petição foi feita através de um santo ou de uma santa considerados poderosos!...
Para o pai da Reforma Protestante, Lutero, - "Deus é absoluto e totalmente distinto do mundo e do ser humano. É o Deus escondido, cuja essência não podemos desvendar e cuja conduta não podemos compreender nem perscrutar, porque é inacessível ao ser humano.” (Vera Bombonato, Seguimento de Jesus).
Nestes enfoques, uma advertência se impõe: os cristãos que desejam teofanias como as do Antigo Testamento ou milagres extraordinários enganam-se. Homem e mulher são feitos de tal modo que, não estando moralmente preparados para ir ao encontro de Deus, ou acolher a Sua presença, nem o milagre mais extraordinário os convencerá.
Acossados por este silêncio de Deus para eles incompreensível, homem e mulher de todas as etnias fazem ouvir o seu gemido angustioso. Um gemido que vem de longe, expresso por boca humana, e que parece refletir uma dor primeira que remonta às origens do mundo. Não um gemido genérico do ser vivo e sensível, não o gemido do animal ferido que sente a terra entreabrir-se para devorá-lo, mas o gemido existencial do homem e da mulher, isto é, o gemido da alma erguida que se levanta e interroga a Deus, pedindo-Lhe explicação para a onda de mal e de sofrimento que envolve por toda parte o mundo por Ele criado.
Na verdade, o âmago do Cristianismo é o mistério da humildade de Deus. Em vez de manifestar-se em todo o poder de Sua glória, Deus na plenitude dos tempos se oferece humildemente à terra. Apresenta-se sob as roupagens de um homem que se pode ferir, escarnecer, ser morto, e morte de cruz, acrescenta o apóstolo Paulo.
Lembremo-nos, porém, do que está escrito no Apocalipse: - "Eis que estou à porta e bato",  significando que Deus está na soleira e bate à porta, mas se não a abrirmos livremente, Ele não entrará. Por absoluto respeito à nossa liberdade recusa-se a forçar a entrada do nosso coração e da nossa vontade livre. Permanece, entretanto, presente sempre, perdoando e salvando, não se vai embora, e continua a bater.
Um texto de Santo Agostinho vem bem a propósito neste ponto: - "Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti." Em outras palavras, Agostinho quer nos lembrar da impossibilidade absoluta de Deus nos salvar se não acolhermos livremente Sua ação salvadora. Por isso, é muito salutar que tomemos consciência desta verdade terrível: - "È próprio da liberdade humana poder, com sua minúscula recusa, perdida nas imensidades do tempo e do espaço, deter o oceano da Graça divina." (Charles Moeller, A Fé em Jesus Cristo).
O Senhor, entretanto, mesmo que recusemos Sua presença, não se afasta de nós. Ele sempre está ao nosso lado assim como somos. Ele sempre está presente em nosso mundo assim como ele é. Não espera que sejamos bons e perfeitos para vir ao nosso encontro. Em Jesus de Nazaré "Ele se esvaziou de Sua glória, assumiu a condição de um escravo e se fez um de nós", apesar de nossos erros e contradições. Neste ponto não resisto à tentação de transcrever um belo pensamento do teólogo Andrés Torres Queiruga, que encontrei no seu livro Do Terror de Isaac ao Abbá de Jesus, relembrando uma profunda intuição já sentida no século II por Ireneu de Lião: - "Deus, como amor infinito e sempre ativo, entrega-se e trata de manifestar-se a todos desde o começo e na máxima medida possível; as restrições provêm unicamente da limitação e finitude humana, que ou não está ainda preparada para recebê-la, ou resiste à Sua revelação”.
Em outras palavras, Deus é o amor irradiante que pressiona, sem cessar, a consciência da humanidade para que ela perceba, cada vez mais e melhor, a Sua presença constante e salvífica entre nós.
Assim sendo, o título destas minhas linhas "O Silêncio de Deus" é uma expressão que tem certo fundamento subjetivo, porquanto isso é o que pode parecer-nos em algum momento; objetivamente falando, porém, é lesiva para o amor de um Deus que não tem outro interesse a não ser o manifestar-Se a nós. Autêntica resposta de filhos é justamente confiarmos que Deus não nos abandona jamais, embora as circunstâncias concretas de nossa vida às vezes pareçam dizer o contrário. E termino, dizendo que por grandes que sejam nossos limites, por insuperáveis que se tornem nossos defeitos, basta o desejo de acolhida e uma chispa de boa vontade para estarmos seguros de que Deus nos está aceitando e que nossa vida está definitiva e plenamente assegurada na Sua misericórdia infinita.

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