quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A PARÁBOLA DA ESPERANÇA

 
    - "Amsterdam, sexta-feira, 26 de maio de 1944 - Mais de uma vez tenho-me perguntado se não teria sido preferível para todos nós não nos escondermos, e estarmos todos juntos a esta hora, do que passar toda esta miserável situação, sobretudo por causa dos nossos protetores que, pelo menos, não estariam em perigo. Mesmo que esta idéia nos faça recuar, amamos ainda a vida, não esquecemos a voz da natureza, e esperamos, apesar de tudo e contra tudo."
    - "Terça-feira, 6 de junho de 1944 - A mais bela coisa do desembarque dos aliados é a idéia de me tornar a reunir a meus amigos. Tenho sentido a faca na garganta e, oprimidos há tanto tempo por esses horríveis nazistas, não podemos impedir-nos de estar impregnados de confiança, pensando na salvação de nossos amigos... Margot diz que talvez eu possa enfim ir à escola em setembro ou outubro..."
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    Até aqui, o diário de Anne Frank. Ela era judia e teve de se esconder durante meses, nos fundos da loja de uma pequena casa holandesa. Foi num livro de imagens consagrado a Israel que encontrei o texto acabado de citar. Na frente, em página inteira, a fotografia de uma jovem, levando na mão estendida um pinheirinho, um dos seis milhões que a juventude plantou nos arredores de Jerusalém, floresta de mártires, floresta dos seis milhões de judeus mortos pelos nazistas e que o deserto fez reviver. Essa jovem parece pensar em Anne Frank, da qual um texto que li mais tarde me informou que ela não foi à escola, porque morreu num campo de concentração nazista, em Bergen-Belsen. A cabeça da jovem está ligeiramente voltada para quem olha; à sua direita vê-se o braço de um rapaz, levando também uma muda de pinheiro... Ali está a esperança que nasce, inscrita num gesto, e cantada pelo profeta Ezequiel, quando disse: - "Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eis que eles dizem: Os nossos ossos secaram e desapareceu a nossa esperança... Assim diz o Senhor: Eis que eu abrirei as vossas sepulturas, e vos farei sair dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos trarei à terra de Israel!"
    Que terra de Israel Anne Frank encontrou neste mundo? Eis a pergunta que nos faz esta jovem judia, porque o povo de Israel é a imagem mais nua, mais miserável e mais verdadeira, da condição de homens e mulheres deste nosso mundo. É a pergunta que nos fazem os milhões de pessoas que morreram e ainda morrem hoje, cativos e aflitos, em seus corpos ou em suas alms:
    - "Que fizestes das nossas esperanças? Que fizestes do Senhor, esperança do mundo?"
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    - "Vivemos num tempo em que numerosas pessoas estão sem esperança!" - afirmava tempos atrás o Conselho Ecumênico das Igrejas. Muitos cristãos, por seu lado, fizeram da sua esperança uma caricatura, uma espécie de álibi disfarçando a sua deserção perante os encargos da vida. Sabemos que a esperança é árdua, que reclama esforços, mas "a esperança faz viver", dizia-se, porque um dia ou outro se alcança o porto.
    Milhares de homens e mulheres, neste nosso mundo, aguardam um mínimo de felicidade; e têm razão, devemos ter a coragem de dizer. Que pensariam eles da capa de uma revista de circulação internacional, mostrando em primeiro plano soldados com fuzis e metralhadoras, e em segundo plano a fumaça de incêndios devorando cidades? E no entanto seres humanos ousaram chamar essa operação militar de "ofensiva esperança"...
    Disse um escritor francês que o sofrimento e a derrota são a intervenção de Deus para que homem e mulher não se instalem numa condição que não é a beatitude, sua vocação. Na longa história de Israel, como na história da Igreja, os inimigos e os adversários têm uma função providencial. Cada vez que a Igreja deixa perder ou negligencia uma partícula da verdade de que é depositária e que tem a obrigação de fazer frutificar, um adversário se levanta - ironia da história! -  Justamente em nome dessa partícula da verdade que a Igreja abandonou,  esse inimigo ou adversário ataca os cristãos em nome dessa verdade parcial. Pense-se na utilidade da Renascença, que salvou a Igreja da tentação do poder temporal e da tirania intelectual. Pense-se em Nietzche, que nos ajudou a não fazer do Cristianismo uma ética mórbida; pense-se em Freud, em Marx. Cada adversário se tornou indispensável por uma fraqueza dos cristãos.
    Se os cristãos nada mais anunciam aos pobres, outros anunciarão aos pobres a justiça; mas em troca investirão contra a cristandade para a despedaçar, como outrora o assírio e o egípcio atacaram Israel e o devastaram, quando ele se mostrara infiel ao Deus da Aliança.
    Mais do que qualquer outra coisa, os cristãos devem tomar a seu cargo a esperança de homens e de mulheres. É necessário dar à esperança todas as suas dimensões, porque sei também de um cristão, e dos bons, que lançou na Semana de Intelectuais Católicos, da França, uma frase verdadeiramente aterradora: - "Nós raptamos o Senhor Jesus, e o resto do mundo não sabe onde nós O pusemos... Talvez a grandeza do século a que pertencemos esteja em tornar Cristo acessível, se assim me posso exprimir, ao resto do mundo." (François Mauriac).
    Para quantos milhões de seres humanos o Cristianismo não passa de uma religião exclusivamente ocupada com a salvação da alma, quando não é identificado com uma evasão mórbida diante do mundo, uma obsessão da carne, um medo de tudo que é verdeiramente humano?
    Nós vivemos numa época espiritualmente incomparável e grandiosa, porque rica em possibilidades e em perigos. Mas se ninguém for capaz de se colocar à altura das suas exigências, ela poderá converter-se na era mais miserável da história, marcando o retrocesso da humanidade.
    Entretanto, a criação inteira NOS espera.
    E estaremos nós prontos para apostar tudo pela salvação dos homens e das mulheres do mundo inteiro?

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