segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"O SILÊNCIO" DE DEUS SERÁ MESMO REAL?

    Ocasiões há em que Deus parece que nos fala sem cessar; noutras, porém, Ele parece esconder-se nas profundezas do Céu, e nós então nos sentimos sozinhos, quando precisaríamos da presença aconchegante do Criador junto de nós.
    Embora conheçamos, dentro de nossas limitações de criaturas os desígnios gerais de Sua Providência, ignoramos completamente a realidade de Seus propósitos particulares a respeito de cada um de nós.
    Há períodos no longo caminhar da História em que homem e mulher, de maneira dolorosa, tomam consciência da aparente ausência de Deus neste nosso mundo. Pois este período histórico em que vivemos atualmente parece-nos testemunhar esta ausência ou este afastamento de Deus de nosso meio. Temos a impressão de vivermos num daqueles tempos de apocalipse, preditos pelos profetas. Há guerras em várias partes do mundo; o terrorismo e o fanatismo sem freios têm atacado alvos em toda parte, espalhando o medo e fazendo milhares de vítimas; fenômenos naturais catastróficos assustam populações inteiras, destruindo cidades, habitações, e colocando seus habitantes, justamente apavorados, quase sem capacidade de reações.
    Enquanto isso, dizem-nos as estatísticas, milhões de vítimas da fome morrem à míngua em bolsões de miséria da África e da Ásia, com maior impacto principalmente entre as crianças que, pela desnutrição endêmica, jazem quase sem esperança de sobrevivência. A justiça torna-se uma caricatura em vários países dominados por oligarquias tirânicas e sanguinárias, que defendem a ferro e fogo sua permanência no poder, esquecidas das mais elementares normas de respeito às populações em busca de seus direitos calcados aos pés pelos tiranetes do dia. O custo de vida aumenta sem parar, países inteiros sofrem com sérios problemas econômicos, que atingem mesmo uma escala global. Um escritor da Europa central, Gheorghiu, chegou a publicar um livro a que deu o sugestivo título de "A Vigésima Quinta Hora", no qual fotografa literariamente as tragédias que nos atingem, profetizando que nem mesmo um Messias conseguiria salvar-nos.
    A impressão que temos seria de que nada mudou no mundo, desde o surgimento do Cristianismo. Os próprios cristãos, apesar de sua Fé na Providência Divina, parecem sofrer mais que os outros: não são poupados pelos flagelos universais, e ao mesmo tempo acabrunha-os o sentimento de pecados que avassalam o mundo, e perdem o ânimo diante da apostasia planetária. Todos os dias lhes pedem para ser novos cruzados empenhados na salvação do que resta ainda de bom em nossa época, mas eles não se sentem com forças ou preparados para essa magna tarefa.
    "Silêncio de Deus", outro nome para traduzir a tragédia do universo? Seriam o homem e a mulher uma "paixão inútil", como proclamava tempos atrás o racionalista e ateu francês, Jean Paul Sartre, na sua literatura e no seu teatro do absurdo, em Paris?
    Diante deste silêncio enigmático de Deus, que parece ter-se esquecido de Sua criação, muitos cristãos desejariam uma manifestação sensacional do Criador, uma espécie de trovoada celeste que limpasse de uma vez por todas a atmosfera, e reconduzisse à Fé a humanidade inteira.
    Enganam-se, porém, os cristãos que desejam milagres espetaculares da parte de Deus. O romance de Bruce Marshall que acabo de reler, "O  milagre de Dom Malaquias", prova esta minha afirmação, de maneira bastante humorística. Um frade faz uma aposta com certo pastor "evangélico", nestes termos: com uma prece fervorosa, pediria a Deus que atirasse para cima de uma alta montanha um cabaré que se instalara cinicamente bem defronte ao seu mosteiro, com grandes danos para a vida religiosa sua e de seus irmãos frades. Foi ouvido por Deus. O cabaré, seus móveis, copos e garrafas, orquestra, mulheres de escassa virtude, mundanas em disponibilidade, bons cidadãos extraviados, tudo voou para o pico mais alto da montanha. O milagre é proclamado no mosteiro e em todas as igrejas da diocese; agradece-se a Deus pela prece atendida. Entretanto, o bispo diocesano mantém-se na defensiva: -"A Igreja não gosta muito de milagres", - confia ele ao superior do mosteiro.
    O pastor "evangélico" afirma que o fenômeno milagroso se explica perfeitamente por um ardil dos papistas; os ateus e racionalistas falam de auto-sugestão. Mas a verdade estava mesmo é com o bispo. Após uma corrida fantástica para a igreja paroquial, as pessoas começam pouco a pouco a afastar-se das missas e das novenas. Depois de algum tempo a igreja fica quase deserta. Muito mais do que isso: o malsinado cabaré, transferido para um local sensacional, atrai quase toda a população da cidade para os seus espetáculos não muito decentes, e os seus negócios  duplicam em poucos dias.
    O frade apostador cai em si e se convence de ter sido impaciente; reconhece que homem e mulher são feitos de tal material que, não estando moralmente preparados para ir ao encontro com Deus, nem o milagre mais extraordinário os convencerá. É preciso ser paciente. Esperar o dia e a hora de Deus. Não querer antecipar-se aos desígnios do Senhor. Ter Fé e Esperança. Uma outra breve e contrita oração do frade, e o cabaré volta ao seu lugar anterior, e tudo recomeça como antes!
    Ora, o cristão parece não ter um minuto de trégua neste mundo. Os problemas surgem-lhe ao mesmo tempo e de todos os lados. A historieta de Dom Malaquias é bonita mas, o que dizer desta outra? Certa família muito religiosa gasta uma pequena fortuna para levar o filho doente numa peregrinação longínqua a um santuário famoso, com a esperança de obter a cura de sua doença. Irmãos, irmãs, avós, amigos, todos rezam, as comunidades religiosas reforçam o pedido de cura com suas preces e penitências. Entretanto, o menino não se cura e vem a falecer.
    Mistério terrível! Pode-se, deve-se mesmo dizer que a Fé daqueles que tudo sacrificaram para obter a cura de um filho, sem ser atendidos, é especialmente colocada à prova por Deus. Mas por que se cura um, e não se cura aquele outro?
    Mal ouso escrever estas linhas; elas são verdadeiras, mas para quem experimentou em si mesmo semelhante desilusão, como eu senti com a morte precoce de minha filha Raquel, vítima de um câncer insidioso, as frases de consolo e de explicação assemelham-se às tagarelices banais de certas consolações de amigos. É certo que Deus sabe o que faz. Mas eu, na minha fraqueza de ser humano finito e conteingente, acredito não pedir demais, suplicando por vezes a Ele, que conceda à minha esposa e a mim  ao menos uma dessas consolações visíveis, uma dessas parêneses com que minha alma, que afinal de contas está encarnada numa natureza débil, possa saciar-se um pouco para recuperar as forças. Mesmo que eu saiba, pela leitura e meditação dos textos sagrados da Bíblia, que Deus recusa essa consolação aos seus melhores amigos.
    É uma verdade profunda, mas difícil. A Sagrada Escritura inteira a testemunha, e principalmente o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, que à véspera de Sua morte pede que Deus Pai lhe afaste esse cálice, não é atendido, mas apesar de tudo o bebe, livremente, por amor!


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