O poema abaixo é de autoria do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, falecido em
vinte e oito de agosto de mil, novecentos e noventa e nove:
A velha estrada ficou em meus olhos
porque os caminhos, também, envelhecm, e morrem.
Somos da mesma idade, querida estrada!
Vê com que amizade contemplo
tuas barrancas meio gastas,
enquanto olhas, fraternalmente,
minhas rugas sempre mais fundas...
Tua glória e a minha
é a de servirmos de caminho,
a de não retermos,
e de gastar-nos
conduzindo, conduzindo, conduzindo...
Não sei se o eventual e corajoso leitor deste despretensioso blog conseguiu entender esta conversa de Dom Hélder com a velha estrada, certamente muito palmilhada por ele, nas suas andanças apostólicas pelo nordeste do Brasil.
Ele a chamou de "velha estrada", porque as estradas também se gastam, também se tornam velhas, como nós, pobres mortais. Se a velha estrada não for mantida em forma, se não for sendo renovada, ela vai envelhecendo e pode até se acabar, ficar instransitável, como a estrada em cuja beirada eu morei por vários anos, na pequena cidade de Barbosa Ferraz, neste nosso Paraná, celeiro do Brasil.
Nós dois, eu e a velha estrada, nos olhamos como velhos amigos que se viram ainda crianças, e hoje, lado a lado, contemplam as marcas comprometedoras do tempo...
Mas o importante foi lembrar à estrada, e a todos quantos me dão a imerecida honra de acessar este blog, que todos nós, humanos, nos parecemos com estradas - e lembrar que o importante para as estradas, como também para nós, é servir de caminho, é ajudar a caminhar...
Pobre da estrada que, em lugar de facilitar nossa caminhada, nos prendesse no solo, não nos deixasse atravessá-la... Aliás, papel da estrada, como o nosso, é ajudar a caminhar, a não-parar, a seguir em frente.
Mesmo que a estrada se gaste com a passagem de pesados caminhões, de ônibus lotados, de carros e carroças, mesmo que ela ainda se gaste com o grande número de pessoas que por ela passam a pé, - quem sabe, também, se for uma estrada rural por onde passa o gado para a engorda ou para o matadouro, se a estrada se gasta servindo, eis aí um gasto favorável e bendito!
Como a estrada, nossa alegria deve ser, também, servir. E servir sempre, com alegria.
Certa vez, no ônibus, perguntei ao motorista, já calejado no ofício, quantas pessoas chegaram ao seu destino, levadas por ele. Não soube calcular, mas sorriu muito feliz pensando na multidão de usuários a que já serviu.
Também o velho e simpático taxista que mora a duas quadras de minha casa, com mais de trinta anos de serviço, não conseguiu calcular quantas pessoas transportou nos dois ou três carros que já possuiu. Mas me disse estar muito feliz, por ter servido a centenas e centenas de pessoas pelas ruas, avenidas e bairros da capital dos paranaenses.
Se Você, carteiro, que me entrega a correspondência, já tem na cabeça quantas cartas entregou até hoje? E a telefonista, do posto cá no Bacacheri, seria capaz de calcular, nos seus oito anos de serviço, quantas chamadas recebeu, e quantas transmitiu? E a simpática e atenciosa garçonete, ali do Restaurante Boi na Brasa, saberia dizer quantos fregueses serviu, e as melhores gorjetas que ganhou?
E, curioso, perguntei a uma conhecida parteira aqui do Tingui, a respeito de seu benemérito trabalho entre as famílias mais pobres do bairro, e ela me deu a resposta exata de quantas crianças "aparou". Sem vacilar, ela me respondeu: - "Tenho vinte e dois anos de trabalho, em Londrina e aqui, em Curitiba, e
sempre anoto num caderninho: até ontem, quarta-feira, quinze de maio, aparei mais de trezentas crianças, sem perder nenhuma..."
sempre anoto num caderninho: até ontem, quarta-feira, quinze de maio, aparei mais de trezentas crianças, sem perder nenhuma..."
Que glória, velha estrada, a de nos gastar, você e eu, sempre gastar-nos e gastar-nos, servindo, servindo sempre, a todos quantos precisaram, precisam, ou precisarão de nós!
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