sábado, 11 de maio de 2013

O CÂNTICO DO FILHO - ( À memória da Raquel, mãe de minha neta Isabela)



Mãe, deixa que neste dia eu cante um hino para ti
deixa que minha alma se engolfe nas vagas de teu amor por mim
e se expanda veementemente
em catadupas de gratidão

meu cântico será breve
tão breve como os meus raros instantes de felicidade
longe de ti
mas nele as catedrais de todo o meu ser em festa
carrilhonarão o gloria in excelsis de teu louvor

vê, minha Mãe
sou uma folha arrastada pelo vento impetuoso da saudade
mas teus braços se estendem para mim
como a sombra das árvores seculares
sou um viandante no deserto sem termo
um viandante açoitado pelo frio das madrugadas
mas teu nome é um raio de luz em meio às trevas

eu era como uma criança deixada no escuro do quarto
era como lázaro em todos os festins da vida
e meus dedos famintos tateavam as trevas
em busca de míseras migalhas esperdiçadas
meus amigos desprezavam-me como a um louco
e meus próprios irmãos se envergonhavam de mim

tu, porém, velhinha de cabelos brancos
deixaste as contas gastas de teu rosário
e foste à minha procura pelas estradas da vida
tu me encontraste bem longe pobre e raquítico
tal como plantas selvagens que brotam sem raízes nos rochedos
então voltei todo alegre para os braços teus
deixando para trás em meio aos fantasmas das noites
as milhares de quimeras que andei sendo
 no deserto sem oásis donde me arrancaste

por tudo isso, minha Mãe, deixa que eu te louve
és como uma campina imensa na primavera
teu amor por mim sempre foi como as vagas do mar
que não têm praias
estar junto de ti ouvindo o pulsar de teu coração
é como ouvir as notas agrestes de uma agreste flauta
que bem longe soam nas mãos fortes do pastor
e nos enchem o coração e a alma
com um não sei quê de intraduzível em linguajar humano

tuas palavras de encorajamento
descem na minha alma
como o orvalho suspirado pelos campos ressequidos
teus conselhos são para mim mais plenos de sabedoria
que as mais sublimes elocubrações da metafísica

ouve finalmente minha Mãe
se um dia ruírem as paredes ante o fragor das guerras
se se partirem os diques da caridade
sob a avalanche infrene das paixões revoltas
se o ódio se espalhar pela terra
tudo engolfando num dantesco mar de sangue

se um dia os céus enegrecidos ribombarem
desfeitos em mil estilhas
com os tentáculos de aço dos canhões a vomitarem chamas
se os monstros apocalípticos dos robôs teleguiados
silvarem pelo ar anunciando a morte
se homens e mulheres se encolherem transidos de terror
como se pendesse sobre eles a espada flamejante do arcanjo

então minha Mãe
eu nesse dia de lágrimas incontidas
deitarei minha cabeça em teu regaço
bem longe dos gritos ululantes das multidões crispadas

então eu morrerei tranquilo sobre os teus joelhos
e tu me cantarás tua  última cantiga de ninar

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