quarta-feira, 22 de maio de 2013

O MILAGRE DE DOM MALAQUIAS


            "Silêncio de Deus" -  seria esta uma frase apta para traduzir o absurdo do universo? Diante deste silêncio enigmático de Deus, seriam homem e mulher uma "paixão inútil", como diriam tempos atrás os filósofos existencialistas? Certos cristãos, um tanto quanto afoitos, em face deste silêncio divino, desejariam uma manifestação sensacional de Deus, uma espécie de trovoada celeste, com raios e trovões, que limpasse de uma vez por todas a atmosfera e reconduzisse à Fé a massa da humanidade. Esta seria a opinião de  Charles Moeller, expressa no primeiro volume de sua monumental obra "Literatura do Século Vinte e Cristianismo."
           Diz ele que a fascinação exercida pelas diversas formas do espiritismo prova essa fome doentia de "tocar", de agarrar, de apreender, como se segura pela gola um malfeitor, a eficiência religiosa no mundo. 
             Os cristãos que desejam milagres espetaculares, e os incrédulos que sonham com uma falsa invasão mística, enganam-se. A prova está, de maneira humorística, no romance de Bruce Marshall, "O milagre de Dom Malaquias", que acabo de ler nesta semana.
          O enredo do romance nos conta que um frade, em virtude de certa aposta com um pastor protestante, havia pedido a Deus que atirasse para cima de um rochedo da Escócia a taberna equívoca que cinicamente se instalara bem em frente à sua igreja. E sua prece foi atendida. Edifício, móveis, copos e garrafas, mulheres de escassa virtude, mundanas em disponibilidade, bons moços extraviados, tudo voou para a Escócia. O frade proclamou o milagre por todos os alto-falantes da cidade, cantou-se o "Te Deum" na igreja, a comunidade religiosa sentiu-se fortificada na sua Fé.
         Uma só pessoa, entretanto, manteve-se na defensiva. O bispo local não foi na onda: - "A Igreja não gosta muito de milagres!" - confia ele ao monsenhor seu secretário.
        O bispo tinha carradas de razão: após uma corrida fantástica para a igreja paroquial, as pessoas começam a rarear. Os protestantes, observando o fenômeno, dizem que a coisa se explica perfeitamente: foi um ardil papista; os mais instruídos falam que foi auto-sugestão. Pouco a pouco a igreja paroquial fica de novo quase deserta. E supra-sumo dos azares, na visão do frade: a taberna maldita, transferida para um lugar "sensacional", quadruplica os seus negócios em poucas semanas.
         Felizmente o frade se convence de ter sido impaciente, e reconhece que homem e mulher são feitos de tal maneira que, não estando moralmente preparados para irem ao encontro de Deus, nem o milagre mais estrondoso os convencerá. É preciso ser paciente. Não querer antecipar-se aos desígnios de Deus. É preciso ter Fé e Esperança. Nunca querer interpretar ou forçar os atos da Providência.
        Após o frade reconhecer sua impaciência com uma breve e contrita oração, a taberna volta ao seu lugar primitivo, e tudo "recomeça como antes..."

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         A história de Dom Malaquias, como eu a vejo, é bonita, mas poder-se-iam contar muitas outras. Esta, por exemplo. Certa família do meu bairro, aqui em Curitiba, gasta um bom dinheirinho para levar um filho doente até a cidade de Aparecida, com a esperança de obter a sua cura, sob as bênçãos da Virgem Maria. Irmãos e irmãs, amigos, vizinhos, colegas de escola do menino, todos rezam, as comunidades religiosas prodigalizam as suas preces e penitências. O menino não se cura e morre.
       Na verdade, um milagre não converte o mundo, mas uma cura miraculosa transforma a vida espiritual dos beneficiados. Mas, por que se cura este, e não se cura aquele outro?
      Mistério terrível, mas atrevo-me a dizer que a Fé e a Esperança de um pai e de uma mãe que tudo sacrificaram para obter a cura de um filho, sem serem atendidos, é especialmente colocada à prova por Deus. É a lição que nos ministra o livro bíblico de Tobias: - "Se agradas a Deus, terás de ser submetido à tentação!"
         A Bíblia inteira nos chama para esta verdade, e sobretudo o Filho de Deus, Jesus Cristo, que no Getsêmani pede que o Pai lhe afaste o cálice da dor, apesar de tudo o bebe, livremente, por amor ao Pai e a Seu povo!


      
    
             

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