quarta-feira, 30 de maio de 2012

"AINDA FALANDO DE MARIA..."


      Meu texto anterior aqui publicado "Por que não falar de Maria?" provocou a reação (esperada) de um pastor "evangélico". Eu só não esperava a sua expressão esdrúxula e grosseira: "quarta pessoa da Trindade." Mantenho, porém, e reafirmo o que disse naquele texto,  por ser minha vivência de católico.
      A defesa que faço de um verdadeiro culto a Maria, como condição normal de uma vida cristã perfeita e desabrochada, me obriga a uma observação sobre certos excessos provenientes de exageros populares, ou de certas organizações marianas na Igreja. Jesus de Nazaré é quem nos faz compreender Maria, e não Maria quem nos faz compreender Jesus.
      A vida cristã perfeita exige um duplo culto explícito: o de Cristo e o de sua Mãe. Uma vida mariana que apenas cultue implicitamente a Cristo será, portanto, um Cristianismo imperfeito. Em todo caso, tal Cristianismo seria menos desenvolvido do que o de uma vida cristã em que a devoção mariana fosse apenas implícita.
      Por "mariolatria" entendo exatamente o atribuir em surdina à Virgem o culto devido a Cristo. Se Maria não permanecer o ostensório, onde tudo brilha para o Cristo, estaremos depreciando a verdadeira glória de Maria. Ora, a glória de Maria reside no insondável mistério de sua concepção corporal e espiritual de Cristo, na aspiração de todo o seu ser pelo único mediador, Cristo Jesus.
      A expressão "Maria, caminho que leva a Cristo" por vezes é interpretada como se a humanidade de Jesus ficasse muito distante de nós, e como se Maria fosse a ponte que nos unisse. Essa maneira de ver reduz o sentido profundo da Encarnação  -  o Verbo feito semelhante a nós  -  e o sentido da visão cristã do mundo voltado para a santa humanidade de Cristo como órgão divino de nossa salvação.
      Jesus de Nazaré é um dos nossos justamente porque, nascendo de Maria, por ela chega até nós. Entre Jesus e nós a relação é imediata. Ele é o único mediador entre Deus e a humanidade porque teve de Maria sua origem de Homem-Deus. Tudo vem de Cristo, mas Ele nos oferece a redenção como já sublimemente realizada em Maria que sublimemente a aceitou. O fiat  de Maria tem prioridade sobre o nosso e o engloba.
      Com Maria, e sob a influência maternal dela, nós vamos ao encontro da humanidade santa de Jesus, que nos introduz na casa do Pai. Não é, portanto, Maria que nos dá Jesus, mas é Jesus que nos dá Maria por Mãe: "Eis aí tua Mãe." Ele escolhe para si e para nós uma mesma mãe: "Deus a escolheu e a predestinou".
      Entretanto, no plano da recepção ativa e distributiva da graça, é ela que nos dá Cristo, na expressão "Por Maria a Jesus", por ela , "a que encontrou graça junto de Deus". Foi o anjo da Anunciação quem lhe deu este nome. Unidos a ela, também nós encontraremos graça junto de Deus.
      Maria não é um elo que une homem e mulher a Deus, mas o seio que gera todos os irmãos de Cristo. E este encontro com Cristo se faz nela e com ela.
      Neste sentido, a devoção mariana em nada afasta de Cristo. Nem substitui nossas obrigações diante dEle. Pobres servos que somos, às vezes dizemos: "Vamos deixar Maria rezar e trabalhar em nosso lugar, e tudo se arranjará".  Sim, se por isso entendemos unir-nos à onipotência suplicante de Maria para nos aprofundar na fé e na intensificação de nosso amor. Não, se por isso entendemos uma substituição.
      Não coloquemos Maria para tapar nossas faltas, ficando nós sem fazer nada para remediá-las. Fique claro que Maria nunca preencherá nossa falta. Nem suprirá em caso de ausência de verdadeira vivência religiosa.
      A misericórdia de Maria tem sua fonte na misericórdia do Homem-Deus, Jesus de Nazaré, onde ela mesma bebeu superabundantemente as primícias da redenção. Ela mostra para nós a divina misericórdia pelo aspecto maternal de sua pessoa. Mas lembremo-nos que sua intervenção materna, ainda que efetiva, jamais poderá fazer contrapeso à justiça divina de Cristo.
      Não ignoramos, aliás, que uma expressão muito humana e antropomórfica, sobretudo no que diz respeito a Deus, às vezes enfoca melhor a realidade, do que todas as afirmações teológicas.
     

Nenhum comentário:

Postar um comentário