quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

UMA AUDIÊNCIA COMIGO MESMO



          Um vizinho aqui do bairro, muito amigo meu, andava atarefadíssimo, e sempre desabafava comigo me dizendo que quase não tinha tempo para o almoço e o jantar. Fisioterapeuta e massagista, atendia umas trinta pessoas por dia e acabava, é claro, não atendendo satisfatoriamente a ninguém. Tinha na sua mesa de trabalho, não sei por que cargas d`água, três telefones sendo que, não raro, os três tilintavam ao mesmo tempo... Nas raras vezes em que conversávamos, numa eventual folga sua, ele reclamava do excesso de trabalho, mas não atinava com a melhor maneira de safar-se da canseira diária.
          Telefonei a ele certa manhã pedindo sua ajuda para a solução de um problema doméstico. Ele se prontificou a ajudar imediatamente. Expliquei que não era para mim. Perguntou-me para quem era e levou um enorme susto quando eu disse:
          - "A ajuda é para Você mesmo; ajudá-lo para um encontro de Você com Você!"
          Pensou, a princípio, que eu estivesse brincando. Assustou-se de novo ao ouvir:
          - "Você não sente. Mas esta correria sua talvez esconda, sem Você notar, certo receio de encontrar-se consigo mesmo..."
          Leitor benévolo que me dá a honra de ler-me: Sabe que isto de medo de encontrar-se consigo mesmo é mais comum do que a gente imagina? Mesmo que Você vá à igreja e se empolgue com as palavras do pregador, mas, voltando para casa e enfronhando-se de novo em mil atividades, cadê coragem para vasculhar a própria vida; ver, por dentro, o coração; sentir de perto os pensamentos, os anseios, os sonhos, tomar a resolução de buscar um novo rumo para a caminhada diária?...
          Trabalhei durante trinta anos em escolas públicas, e tive contato com inúmeras pessoas que me pareciam dinâmicas, decididas, fortes, sabendo pensar, sabendo querer, mas na hora de voltar-se para si mesmas, de olhar até o íntimo do íntimo, mil pretextos surgiam, mal escondendo o meio pavor ou o pavor e meio de olhar de cheio o próprio eu...
          É claro que não alimento, de modo algum, o desejo de se gastar um tempo excessivo em virar e revirar o próprio eu.
          Mas entre o exagero de gastar horas, dias, meses, anos, em total virada interior e o exagero de fugir de um encontro consigo mesmo, nem vacilo em desejar que, ao menos, umas tantas vezes na vida, é bom reservar um tempinho para uma audiência com o próprio eu...
         Permita-me que eu lhe diga: quando Você notar que anda atravancando a vida, quando perceber que seu dia é puro atropelo, correria, sem tempo para nada e para ninguém; quando as vinte e quatro horas não bastarem e andar precisando de mais horas suplementares; quando se surpreender irritadiço, meio-elétrico, dando choque, soltando faísca - trate com urgência de marcar um bom encontro consigo mesmo!
         Lembre-se então: é mais do que tempo! É mais do que hora! E a hora é agora!
        

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