Donde virá a paixão do cachorro pelo osso?
Na minha modesta opinião, acho que se oferecermos aos cães de um lado, carne, e do outro um belo e bem limpo osso, eles não têm um segundo de indecisão: largam a carne e agarram o osso!...
É só reparar um cachorro qualquer agarrado ao osso... Que sofreguidão! Que fúria! Rosna, de tão feliz que se sente... Rosna, para espantar qualquer intruso que tenha a audácia de querer compartilhar de seu banquete... Tem ciúme da própria sombra, pois lembra outro cão que pretenda dividir com ele um pedaço, por mínimo que seja, de seu festim delicioso...
Creio que vale como uma profunda meditação olhar, com olhos bem abertos, um cachorro agarrado ao seu osso!
Ora, direis, chamar cachorro de cachorro, falar do seu agarramento ao osso, me parece que não inclui nada de ofensivo... Mas, qualquer alusão que se faça a uma criatura humana que lembre um cachorro aferrado a seu osso, é atitude condenável. Mas é ou não é o caso de cada um de nós perguntar a si mesmo, no silêncio da reflexão se, em matéria de agarramento, não existe alguma coisa que lembre a cena do agarramento do cão ao seu osso?
Sem pretender julgar ninguém, pois também eu tenho os meus agarramentos, sempre é bom fazer algumas reflexões a respeito:
- há ou não agarramento ao dinheiro, que lembra o agarramento ao osso, com todos os pormenores aludidos linhas acima: não deixar ninguém chegar perto; querer o osso apenas para si; rosnar; arreganhar os dentes; mostrar as unhas e, muitas vezes, até morder...
Às vezes nós, homens ou mulheres, sentimos a tentação de irmos ainda mais longe: não satisfeitos com o osso que já temos preso aos dentes, ainda queremos avançar no osso dos outros...
- há ou não há agarramento a cargos e funções que lembram o agarramento ao osso? Muitas pessoas nossas conhecidas se desdobraram, trabalharam bem, não mediram sacrifícios e conseguiram resultados esplêndidos no seu trabalho; dedicaram ao cargo ocupado o melhor de sua vida...
Cadê a coragem de largar o osso?!... Não se trata de nada pessoal: querem continuar no posto até morrer, pois se convenceram que é impossível encontrar outro candidato que tenha a mesma experiência, como quem criou tudo e fez o trabalho crescer?... Onde encontrar outra pessoa que tenha a mesma dedicação e competência?...
E não faltam "amigos" aduladores - ou melhor, mais puxa-sacos que amigos - para dizer e repetir para não largar o osso, que é preciso sacrificar-se, mas não desistir.
Lembro ao eventual leitor que é muito conveniente que examinemos de vez em quando se nossas amizades não são agarramento ao osso... Será uma amizade autêntica, ou ao contrário, amizade possessiva, absorvente, ciumenta, rosnante, que mostra dentes e garras a quem quer aproximar-se, como se quisesse tomar-nos o osso?
Que o leitor não se considere, por favor, ofendido com a comparação, mas me atrevo a propor que, encontrando um cão agarrado ferozmente a um osso, pare, olhe, e faça uma profunda reflexão sobre a própria vida!...