quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

AMÉM, SENHOR JESUS



                                                     "Ó Pai Nosso, se estás no Céu
                                                      e se santo é Teu nome
                                                      por que não é feita Tua vontade
                                                      assim na Terra como no Céu?

                                                      Por que não dás a todos
                                                      seu pão de cada dia?

                                                      Por que não perdoas meus erros
                                                      para que eu não precise fazer tantas queixas?

                                                      Por que, sendo Tu tão poderoso
                                                      no Céu e na Terra
                                                      permites que eu viva mergulhado no pecado?

                                                      Se estás mesmo no Céu, ó Pai Nosso, meu Pai,
                                                      por que não me livras de todos os meus males
                                                      
                                                      Para que eu então possa dizer do fundo de minha alma
                                                      Amém?"

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                        Gosto muito da palavra "Amém".
                        É uma palavra hebraica que possui a mesma raiz (mn) que as demais palavras hebraicas que significam Fé, Verdade, Segurança, Firmeza e Confiança.
                        Ter Fé, biblicamente, mais que aderir a verdades, implica um confiar-se filial a um sentido secreto e último da realidade. É poder dizer ao mundo, à vida, à totalidade do que existe um "Sim" e "Amém". Por isso que no oposto da Fé se encontra o medo e a incapacidade de entregar-se confiadamente a um "Maior" do que meu pobre ser.
                         E este "Maior", sentido secreto e último,  sentido dos Sentidos é decifrado como Deus, Pai de infinita bondade e amor. "Amém" significa então: "Assim seja". Com o "Amém" desejo reforçar, reafirmar e confirmar meu pedido, minha oração, meu voto de louvor a Deus.
                         Poder dizer "Amém" é o mesmo que poder confiar e estar seguro e certo de que tudo se encontra nas mãos do Pai; é já ter superado a desconfiança e o medo, apesar de tudo.
                        Quando rezo o "Pai Nosso" tenho consciência de que esta invocação encerra toda a trajetória minha e da comunidade humana em seu impulso para o Céu e em seu enraizamento na Terra. Nela se traduz o momento de luz e também o momento de trevas. E para ambos é que posso dizer "Sim" e "Amém". E o digo diante do perigo do mal, às solicitações das tentações, às ofensas recebidas e à busca onerosa do pão de cada dia, porque tenho a certeza de que Deus é Pai, estou consagrado ao Seu Nome que é santo, confio que Seu Reino vem e estou seguro de que Sua vontade se fará assim na Terra como no Céu.
                        A oração do "Pai Nosso"  começa na confiança com que ergo meu olhar ao Céu, de onde me poderá vir a minha libertação do Pecado e a certeza de que meu fim está  nas mãos misericordiosas de Deus-Pai.
                         O "Amém"no final do "Pai Nosso"  expressa a confiança que tem seu fundamento no próprio Jesus, que me ensinou esta sublime oração.  Ensinou-me também que Jesus assumiu todas as contradições de minha sinistra existência de pecador e a libertou total e graciosamente.
                         O apóstolo Paulo, em 2Cor 1,19 me diz com uma intuição profunda: -"Ele foi sempre Sim".
                         Tudo o que Deus prometeu a nós, humanos,  -  e o "Pai Nosso" elenca as promessas de Deus, aquelas para a Vida Eterna e aquelas para a vida terrena  -  são "Sim" em Jesus. Aliás, o evangelista João o diz apoditicamente:  - "Ele é o Amém".
                          Se Deus é o "Amém"  que coloco no término de minhas orações é porque tenho a seguríssima certeza de que serei sempre ouvido por Deus. Maior que a certeza de minhas necessidades levadas até Deus, é a certeza de minha confiança filial: Deus Pai me atendeu. Amém.

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

NATAL - A FESTA DO SOL



          Façamos uma pausa na desvairada ânsia de consumismo que nos sufoca a todos neste tempo, e lembremo-nos de que celebramos uma festa de aniversário, e esta festa e este aniversário transcendem todas as festas de aniversário que costumamos celebrar. É que este aniversário é o de Jesus de Nazaré, que veio a este mundo para trazer-nos a salvação querida por Deus , esperada ansiosamente e anunciada pelos profetas de Israel.
          É a festa do Natal. E natal é uma palavra derivada do latim, "natalis", que significa justamente dia de nascimento, ou terra natal, ou pátria, como também pode ser nome de homem, Natal.
          Para nós, cristãos, Natal não é somente uma festa profana, mas é a festa, em família, que celebra a vinda e a esperança de nossa salvação no Reino de Deus.
          A primeira festa de Natal de que temos notícia aconteceu em Roma, no ano de 336. Através de Santo Agostinho, sabemos que essa festa já era celebrada na África desde o século IV, como também na Espanha, por esse mesmo tempo.
          Teria Jesus nascido mesmo no dia 25 de dezembro? Impossível responder a essa pergunta, porque não há nenhum documento explícito que a confirme. Sabe-se, pela tradição constante entre os estudiosos, que a explicação mais provável é que a Igreja instalada em Roma quis suplantar a festa pagã do "natalis solis invicti" -  o nascimento do sol invencível  -  que se difundiu no século III em toda a ecumene greco-romana, para cultuar o deus sol.
          A História nos informa que foi o imperador Aureliano, por volta de 275, quem deu a esse culto a chancela oficial. Em pouco tempo o novo culto tornou-se um símbolo da luta pagã contra o Cristianismo. A comemoração principal do deus sol acontecia em 25 de dezembro. O culto era celebrado no solstício do inverno e representava a vitória anual do sol sobre as trevas.
           Na tentativa de purificar e suplantar essa celebração pagã, a Igreja nascente deu a ela um novo significado, baseando-se em uma rica temática da Bíblia  -  Lucas 1,78 e Efésios 5,8-4. Enquanto os pagãos romanos celebravam o nascimento do deus sol, a Igreja apresentava aos cristãos o nascimento do verdadeiro Sol, Jesus de Nazaré, que veio ao mundo para destruir a longa e tenebrosa noite do pecado.
           Deste modo, para nós, cristãos, celebrar o Natal é celebrar o Sol da Vida, que nos ilumina com Sua Graça salvadora e gratuita. O Natal seria então a luz de um novo tempo que deveria nascer em nosso coração e fazer moradia definitiva entre nós.
           É nos famosos sermões de Natal do Papa Leão Magno que encontramos estas palavras que deveriam fazer parte de nossas reflexões neste tempo:
           - "O Natal do Senhor não se apresenta a nós como lembrança do passado, mas devemos vê-lo no tempo presente. Fazemos memória do nascimento de Cristo em meio à nossa frágil humanidade. Natal não é a festa de uma idéia, mas é festa que celebra a nossa salvação. A festa do Natal, condignamente celebrada, é o ponto de partida para nossa salvação iniciada e realizada por Jesus de Nazaré."
           Natal não deveria ser essa festa do consumismo desvairado que quase nos sufoca. Natal é sim tempo de festa e de alegria, sim, mas é festa em que a comunidade cristã celebra o dom da vida eterna manifestada no nascimento de Jesus de Nazaré. Celebrar este nascimento é unir-se à Igreja espalhada por todo o mundo, que se une na Fé e na Esperança de um novo mundo, coroado pela Caridade fraterna, pelo Amor, que é o novo nome de Deus, na maravilhosa intuição do evangelista João.

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            É nesta mensagem que se deseja a todos os eventuais leitores deste blog o convite para celebrarmos juntos, no silêncio interior e exterior da prece, a festa do  verdadeiro Sol da Vida, Jesus, o Cristo, que nos ilumina com seu amor salvífico.

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

"...chegou o tempo de dar presentes"



           Até que enfim a folhinha em minha mesa de trabalho começou a marcar o tempo de dar presentes. Presentes para o esposo ou esposa, para os filhos, para os parentes. Para os amigos, para todos aqueles que nos podem abrir uma porta para o êxito social ou profissional.
           Aliás, o vizinho da esquerda já comprou, me disse - só não me informou para quem. É praxe. É costume. É moda fazer tudo o que a mídia escrita ou falada manda ou impõe, ou, como se diz, é prova de boa educação e sociabilidade.
            Todo mundo está contente por entrar na equação de um costume, de uma praxe, de um modismo social. De mostrar-se gente fina e bem educada.
             E trocam-se cumprimentos efusivos, e dão-se tapinhas amigáveis nas costas, e permutam-se presentes, e ouvem-se risos de satisfação e incontidos gritinhos de prazer ao abrir embrulhos, e muito mais frivolidades numa sociedade sofisticada, artificial e egoísta.
             Sociedade egoísta, sim. Pois não é Natal? E Natal não é a festa dEle?  - "Ele veio para o que era Seu, e os seus não O receberam." 
             Foi o que nos testemunhou o evangelista João.
             Não há lugar para Ele na hospedaria. Negam-lhe um lugar à mesa da tradicional ceia da meia-noite, entre a alegria de homens, de mulheres, de crianças.
             Com que eloquência fácil seria possível, em prosa e verso, ampliar esta frase desoladora. Não há lugar para Ele. Nem na família, nem na escola, nem na fábrica, na política, no judiciário, nas instituições públicas, no mercado financeiro, nem no fundo das almas pecadoras.
              No entanto, Ele vem para todos. Chegada a plenitude dos tempos proclamada pelos profetas, Ele toma carne de homem, nasce de mulher, veste-se de pobre e bate a cada porta, pedindo um lugar à mesa. Escorraçam-No, lançam-No para fora, pois a festa precisa continuar. Aí está a orquestra a todo volume já esquentando o salão, as champanhas e champanhotas espoucando em todas as mesas, o uísque nacional ou importado amenizando o gelo dos corações e desfazendo habituais inibições.
             Ora bolas!  Que Ele apareça outro dia. Será que Ele não percebe que está nos constrangendo, nos inibindo, nos tirando a espontaneidade tão necessária para este evento social?
             Não, é melhor mesmo que Ele se vá. Talvez O recebamos numa ocasião mais oportuna.
             Escorraçado, Ele continua sua solitária jornada noite a dentro. Ele sabe que este nosso mundo, apesar de sua aparência festiva e multicolorida, cheio de luzes e lantejoulas, é um mundo muito, muito doente. Doente do coração, doente da alma, doente de inafetividade, doente de desamor.
             Ele sabe que os mesmos homens e mulheres que agora o desdenham, amanhã pronunciarão Seu santo nome, por derrisão, na tentativa de justificar uma ordem social política e econômica que dizem à boca cheia ser uma ordem cristã. Outros colocarão o símbolo de sua vitória, a Cruz, nos ambientes em que o pobre é escarnecido pela filantropia mecânica e legalizada, ou onde a Justiça e o Direito são vilipendiados pela força do dinheiro, da corrupção, do nepotismo ou dos interesses inconfessáveis e corporativos.
            Mas Ele não desanima. Prossegue imperturbável a Sua peregrinação, pois sabe que outros, muitíssimos outros, aqui e em todo o mundo, não hesitam em jejuar, passar uma noite em oração, privar-se até do necessário, para repartir seu pão com o irmão faminto que lhe bate à porta, na esperança talvez utópica de abrir um espaço para Ele, entre os companheiros e companheiras que agora O rejeitam.
            Ele sabe que entre as pessoas com quem cruza pelas praças e ruas  -  nos seus rostos convencionais e tristes, nos seus gestos automatizados, nos seus sorrisos amordaçados, no olhar que se desvia, na palavra que se engole  -  Ele sabe que aí poderá haver ainda Fé e boas ações. A seara hoje parece resumir-se num cipoal de espinhos e de joio, mas Ele, ceifeiro celeste, um dia percorrerá de novo os campos e recolherá os feixes de trigo bom que puder encontrar entre as urtigas.
            É que ele, preocupado com a nossa salvação, conta e julga de modo muito diferente de nós.
            Nesta esperança é que todos nós, homens e mulheres deste mundo tão carente de Fé e Amor, colocamos e aguardamos a nossa eterna salvação.
            Aos eventuais e benévolos curiosos deste blog, desejo um santo Natal, com as bênçãos  do Menino que nasce em Belém de Judá, e um novo ano repleto de bons augúrios de paz e de efetiva tranquilidade junto aos seus familiares.
       
            

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

JESUS CRISTO - A FACE HUMANA DE DEUS





           Quem é Jesus de Nazaré, cuja vinda ao mundo estaremos celebrando nesta semana?
         "Agnus Dei qui tollit peccata mundi".  Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo.

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           A Bíblia Sagrada nos afirma que Jesus de Nazaré é o Cristo de Deus, o Ungido, o Messias
predito e esperado ansiosamente pelos profetas do Antigo Testamento, com ênfase principalmente em Isaías, e que deveria vir ao mundo para trazer-lhe a salvação, conforme os desígnios de Deus.
           Na Sua humanidade, Jesus de Nazaré, convém insistir, não é um Deus-homem de modo neutro, impessoal e distante, mas é o Verbo ou o Filho encarnado e que, como homem, se relacionou sempre, de forma pessoal e constante, com o seu "Abbá/Pai".E eu acrescentaria a esse "Abbá/Pai, pela ternura com que Jesus O apresenta, a característica materna, designando-O por Abbá/Pai-Mãe. 
            Celebrando a pessoa, a mensagem e os atos de Jesus na Sua vida pública nas estradas da Palestina, nós cristãos cultivamos aquilo que a Teologia chama de "cristocentrismo", porque Cristo é o centro fundamental da obra de salvação querida por Deus e que Ele, Jesus, nos trouxe e testemunhou pela Sua morte e ressurreição.
           Não nos esqueçamos, porém, que o cristocentrismo, por sua própria natureza, é "teocêntrico", porque Jesus de Nazaré nos revela o mistério de Deus de modo único e incomparável. Assim, estudando a cristologia, descobrimos que o cristocentrismo atinge as suas culminâncias, abrindo-nos caminho para o mistério do Deus/Trindade.
           Em Jesus Cristo, na Sua encarnação por obra do Espírito Santo, o Verbo de Deus entrou, pessoalmente, na história humana. O Filho baixou até nós para fazer-nos participantes de Sua filiação divina. Por isso, confessamos, com certeza absoluta, que o acontecimento Jesus Cristo é a história humana de Deus entre Seu povo.
            Afirmamos que nessa história humana o Filho assumiu ,por nossa causa, revelar-nos o segredo da intimidade divina: o Pai, que é a fonte, a origem; o Filho, que vem eternamente do Pai e, através do Filho, o Pai nos envia eternamente o Espírito Santo.
            Mostrando-nos essas relações interpessoais, cerne da intimidade e da comunhão divina, o evento Jesus Cristo nos revela que "Deus é Amor", na memorável intuição do evangelista João, e que o amor que Deus é transborda abundantemente até a nossa humanidade.
            Em Jesus de Nazaré Deus se revela um "Deus diferente". Não no sentido de que Ele é outro Deus, mas no sentido de que Ele é o Deus único, e que nos fala e Se comunica pessoalmente conosco na pessoa de Seu Verbo feito carne. Jesus, para nós, é então a "face humana de Deus".
            A imagem de Deus impressa no rosto de Jesus de Nazaré constitui a imagem de um Deus que, livremente, por amor quis, nos termos admiráveis do apóstolo Paulo, auto-esvaziar-Se em Sua própria auto-doação. Em Jesus, Deus Se tornou "o Deus-para homens- e- mulheres-de-modo-humano", como nos desvela o teólogo e pastor luterano Bonhoeffer, num texto inesquecível de um de seus sermões dedicados à festa do Natal, que acabo de ler.
            Livre em Sua auto-doação, o Deus de Jesus de Nazaré é também um Deus que nos liberta e nos resgata: "Jesus, o Libertador", nos transmite, de forma humana, a liberdade gratuita com que Deus nos liberta para sermos filhos Seus, conforma vários textos paulinos.
            Em Jesus de Nazaré nossa história humana se tornou também história de Deus. E nesta história, para sempre e pessoalmente, Deus se uniu com a humanidade por um vínculo indissolúvel,  permanecendo comprometido conosco de maneira irrevogável, num diálogo de salvação e de dom de Si mesmo. É o  Espírito Santo que nos inspira e nos mostra os caminhos do autêntico seguimento de Cristo.
            Todo este elenco de verdades teológicas e sobrenaturais está implícito nas festividades do Natal de Jesus, que nesta semana estaremos celebrando em todas as igrejas do mundo inteiro.

sábado, 19 de dezembro de 2015

AINDA O TORMENTO DE DEUS



            Em meu texto anterior, refleti sobre a dolorosa busca de Deus que atormentou o grande escritor russo Fiódor  Dostoievski.
            No texto de hoje, sábado do Advento, tempo em que nós, cristãos, aguardamos a iminente vinda de Jesus Cristo nas festividades religiosas do Natal em que nos preparamos para recebê-Lo, gostaria de lembrar - principalmente a mim mesmo, que me confesso medíocre cristão - que a nossa Fé no Senhor Jesus deve ser fecunda, isto é, ela deve encarnar-se em todas as dimensões de nossa vida, especialmente na profana.
           Falando de Dostoievski, disse que ele experimentou durante toda a sua vida o "tormento de Deus" que o avassalava, pois o seu coração ansiava por Deus, mas a sua razão se opunha sempre à sua Fé, tentando-o com a alternativa do ateísmo.
           No meu entender, porque nascido de uma situação histórica, como um desejo e uma tentativa de superar esta situação no que comporta de incertezas e de injustiças, o ateísmo só pode ser enfrentado pelo homem e mulher de ação. Pois antes de ser um sistema de idéias abstratas, o ateísmo se apresenta como uma demanda a favor de homem e de mulher, apresentando-lhes um conjunto de valores a ser vivido.
            Daí a necessidade, primeiramente, de compreender e viver estes valores a fim de, em seguida, demonstrar de modo concreto que, para realizá-los, não precisamos de expulsar Deus do mundo. Pelo contrário. O cristão deste nosso século alcançará com certeza a maturidade de sua Fé, na medida em que levar a sério as questões colocadas pelos ateus, seja no campo científico, político, social e religioso, e lhes dar uma resposta à altura.
            Ao testemunho da genuína face de Deus, temos de acrescentar também o testemunho de nosso amor pelos homens e mulheres, nossos irmãos.   Sim, eis o mandamento que recebemos dEle:
            - "Aquele que ama a Deus ame também a seu irmão."  (Da primeira carta do apóstolo João).
            Em vez de provas racionais que ficam sempre no ar e não têm nenhuma consequência prática em nossa vida, creio que a prova definitiva é o homem  vivo, na sua realidade cotidiana,  como também na sua evidência social.
            É preciso que sejamos nós mesmos a prova viva de Deus.
            
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            É muito possível que homem e mulher deste nosso tumultuoso século não experimentem o "tormento de Deus".  Pelo menos diretamente. Eles se acham por demais encantados com as suas conquistas ou por demais esmagados pelo peso de seus problemas. De uma coisa, porém, eu tenho plena convicção: 
            Deus nunca fica para trás entre os desarranjos da história. Seja qual for a direção a que nos conduzam os nossos passos de peregrinos do Absoluto, Deus  surge sempre adiante de nós e nos aguarda cheio de amor. É a lição do Evangelho. E, se realmente tivermos crescido, nós o encontraremos também maior.
           Por isso, podemos suportar sem desfalecimentos a noite provisória em que nos mergulha a noite provisória do "silêncio de Deus", e esperar que, a despeito do tão propalado ateísmo moderno, se prepara misteriosamente uma fecunda floração de Fé.
           É sempre bom ter presente em nossa vida de Fé que, mesmo que Deus pareça tardar, Ele já está no caminho. 
           Esta é a verdade que a Igreja propõe para nossa meditação neste fecundo tempo do Advento.

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O TORMENTO DE DEUS




               "Rorate caeli, et nubes pluant justum, aperiatur terra, et germinet Salvatorem".
                (Se Você, benévolo leitor, não tem a ventura de conhecer o Latim, traduzo para Você).

               "Céus, deixem cair o orvalho do alto, e as nuvens chovam o justo; abra-se a terra e germine o Salvador"
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            Ontem à noite, ali por volta das 23 horas, acabei de ler o grande romance do também grande escritor russo, Fiodor Dostoievski, "Os Irmãos  Karamazovi".
             Impressionou-me profundamente esta confissão patética de seu personagem, Kirilov, que resume a preocupação fundamental da vida do grande romancista:
             -"Deus me atormentou durante toda a minha vida."
             E em outro trecho:
             - "O problema essencial que, consciente ou inconscientemente, me atormenta, é a existência de Deus".
             Concordando com Dostoievski,  acrescento que Deus foi e será sempre uma das grandes preocupações do homem. Preocupação que pode manifestar-se de modos diversos, mas que estará presente sempre à trama de nossa vida, muitas vezes, de uma ou outra maneira, como um foco de angústia e de tormento.
             Está ali, seguidamente, no seu romance, a pergunta do velho Kirilov;
             - "Ivan, existe ou não existe Deus?"
             Quantas vezes, lendo e relendo esta angustiante inquirição, sinto-me solidário com ele, prestes a me colocar a mesma questão.
             É que eu, como certamente todo homem e mulher, pressentimos a existência de um Ser Supremo a que damos o nome de Deus, fonte perene do Bem, da Beleza, do Amor. O único Ser que é capaz de saciar o nosso coração de seres contingentes e mortais.
             Mesmo assim, para muitos de nós, humanos, entre pressentir e afirmar a Sua existência, vai uma distância enorme: quase a mesma que há entre o instinto e a razão.
             Quando estudante de Teologia em São Paulo, nos idos dias de 1960, meu livro de texto era a "Suma Teológica" de Santo Tomás de Aquino, e com ele aprendi que nosso coração é maior que a inteligência. E, como dizia também Pascal em seus "Pensamentos", que "é o coração que sente Deus, e não a razão".
             Deus  é também ao mesmo tempo Aquele que não vemos e Aquele de quem mais precisamos. Se nos fosse mais sensível, dEle sentiríamos menos necessidade. Aspiramos por Deus mesmo sem o saber. Mas às vezes não temos coragem de afirmar a Sua existência com todas as suas consequência práticas, ou então não ousamos negá-la tranquilamente, correndo o risco que tal negação implica para si mesmo e para a humanidade.
             A verdade, no meu entender, é que Deus é para muitos de nós não uma verdade evidente, mas um problema doloroso que para ser resolvido exige coragem, lealdade e paciência.
             Das necessidades do coração, da insuficiência de nossa razão, e do desarranjo de nossa vida, é que nasce o tormento de Deus.
             Tormento que Dostoievski experimentou em sua vida e traduziu em quase todos os seus livros.

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A ANGÚSTIA DO HOMEM MODERNO



                   Pausa para ligeira meditação:

            - "A Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem concorda com as aspirações mais íntimas do coração humano, quando reivindica a dignidade de homem e de mulher, restituindo a esperança àqueles que já desesperam de seu destino mais alto.
             A sua mensagem, longe de diminuir o homem e a mulher, derrama luz, vida e liberdade para o seu progresso. Nada além disto pode satisfazer o coração humano: - Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração permanece inquieto, enquanto em Vós não descansar".

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            Bloqueados pela soma das invenções técnicas e, pode-se dizer, por suas próprias criações, o homem e a mulher de hoje, apesar das brechas que lhes consintam entrever perspectivas promissoras de realização grandiosa, encontram-se eles emaranhados em problemática aguda, cuja solução se coloca em termos de sobrevivência ou não-sobrevivência.                                                                                   Homem e mulher de hoje, ambos tragicamente em crise, apelam por uma "saída honrosa", que não lhes manche a dignidade de seres livres e responsáveis. Forças inusitadas lhes pressionam a exigência de soluções rápidas, supercerebralizadas, para esquemas montados por eles mesmos.
            Homem e mulher modernos se criaram problemas e perigos que clamam por riscos imprevistos e imprevisíveis. E essa situação se faz tanto mais angustiante, quanto mais precisa se torna a realidade de terem eles lançado à fogueira todos os sistemas de segurança que o passado lhes legou.
            Hoje, o homem e a mulher se tornaram seres praticamente nus: despojados de confiança, porque saborearam os frutos da árvore da ciência. No Antigo Testamento, leio que Israel se agarrara ao rochedo de salvações; os cristãos da Nova Aliança puseram esperanças na Cruz.
            E ao homem e à mulher deste século, o que lhes resta? Que Fé, que Esperança, que Salvação? Em que máquina ou em que supermáquina há de se dissolver a angústia que lhes corrói a existência?
            É preciso encontrar para eles uma mensagem de Esperança, de Fé e de Alegria, enquanto se preocupam com o amanhã da Humanidade Total, como escreveu em seu livro "A Angústia do Homem Moderno",  o perito do Concílio Vaticano II e um dos autores do documento conciliar "Gaudium et Spes",  o teólogo belga Charles Moeller.      

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domingo, 6 de dezembro de 2015

ESPOSO E ESPOSA: PARTÍCIPES DA CRIAÇÃO


          A paróquia de meu bairro está promovendo, a partir de hoje, a "Semana da Família" e, neste sentido, dedico o meu blog de hoje justamente a este assunto, a família.
          Está lá na Bíblia Sagrada, para nossa meditação de todos os dias:
          - "Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra".
          Homem e mulher - esposo e esposa - participam de modo especial da "obra criadora" de Deus. Com efeito, a geração de um filho não é um acontecimento apenas profundamente humano, mas se reveste também de significado altamente religioso, enquanto implica nele a participação efetiva de marido e de mulher, que formam "uma só carne",  juntamente com Deus, que se faz presente.
          Nesta função de colaboradores com Deus, ao transmitirem sua imagem à nova criatura, está a grandeza dos esposos dispostos "a cooperar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta e enriquece sua própria família cada dia mais". (Papa João Paulo II, na sua Carta "Evangelium Vitae").
          A responsabilidade própria do homem e da mulher, esposos, diante do dom da vida humana adquire um grau especial nos cônjuges chamados a colaborar pessoalmente com Deus na procriação de um novo ser.
          Na paternidade e maternidade humanas - diz-nos o Papa - Deus mesmo está presente de um modo diferente de como o está em qualquer geração sobre a Terra. Isto porque somente Deus pode prover aquela "imagem e semelhança" com Ele, como aconteceu a obra da Criação, narrada pela Bíblia. Neste sentido, a geração humana é continuação da obra criadora de Deus.
          À especial participação dos esposos nesta obra criadora de Deus corresponde o grau de responsabilidade específica da família no serviço e na custódia da vida. A responsabilidade da família é original, primária e decisiva: é uma responsabilidade que nasce de sua própria natureza - a de ser comunidade de vida e de amor, fundada sobre o matrimônio - e de sua missão de "guardar", revelar e comunicar o amor. Toda a vocação ao matrimônio deve estar impregnada dessa missão de defender e guardar a vida humana.
           Diz ainda o Papa, na "Evangelium Vitae", que a família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um, desde o nascimento até a morte. Ela é verdadeiramente o santuário da vida, o lugar em que a vida, como dom de Deus, deve ser convenientemente acolhida e protegida, pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico.
           Resumindo: o papel da família é "determinante e insubstituível" na construção da cultura da vida, em todos os seus aspectos.

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

QUIMIOTERAPIA POÉTICA



          Não sei se o benévolo leitor ama ou detesta poesia, poemas e similares. Eu gosto. Considero os poetas como seres etéreos, que nos conduzem, através de seus poemas, a mundos que nunca poderíamos conhecer de outra maneira, a não ser lendo e deliciando-nos com  as criações desses artistas, verdadeiros semi-deuses, como eu os considero.
          Na minha juventude - já lá vão bem uns sessenta anos - tive veleidades poéticas, e até arrisquei-me a publicar alguns versos de pés quebrados, coisa que agora não teria mais a coragem de fazer. Em todo caso, para uma ligeira quimioterapia mental, boto aqui em letra de forma algumas barbaridades  ("poéticas"?!),  para as quais peço a benevolência do eventual curioso...

                                         Enterrando talentos

                                  Não é mais apenas quem recebeu um só
                                  os que ganharam cinco e dez
                                  ao invés de trazerem dez e vinte
                                  aprenderam comodismo
                                  ou falsa prudência
                                  ou humildade falsa
                                  e estão chegando como partiram
                                  - sem frutos nas mãos -
                                                    
                                                        Não os chamemos ainda à prestação de contas
                                                        aguardemos alguns instantes
                                                        enquanto eu saio por aí
                                                        gritando
                                                        na tentativa de acordar meus irmãos

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                                  Esperança sem risco
                                  não é esperança
                                  esperança
                                  é crer na aventura do Amor
                                  jogar nos homens e nas mulheres
                                 pular no escuro
                                 confiando em Deus

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                                                          Da galheta cheia
                                                          nas mãos do sacerdote
                                                          uma só gota
                                                          foi chamada a participar
                                                          da Oferenda Divina
                                                          
                                Por que aquela e não outra?
                                Não vejo nada
                                não sei nada
                                me comove bastante
                                a placidez da água que sobra
                                que logo a seguir
                                lava
                                humilde e feliz
                                as minhas mãos de sacerdote

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                                                           Senhor meu Deus
                                                           não há esbanjamento na Criação?
                                                           os frutos não compensam
                                                           o desperdício das sementes
                                                           as fontes espalham excessos de água
                                                           o sol derrama
                                                           dilúvios de luz

                                Que a Tua magnanimidade
                                me ensine a grandeza da alma
                                que a Tua magnificência
                                me livre de ser pequenino

                                                           Que Te vendo pródigo
                                                            - generoso e bom -
                                                            eu dê ao pobre sem contar
                                                            sem medir
                                                            como filho de Rei
                                                            como filho de Deus!

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                                Vem, Senhor,
                                mas não sorrias dizendo
                                que sempre estás comigo
                                lembra-Te
                                que há milhões que não Te conhecem
                                e de que basta Te conhecer

                                                            De que adianta a Tua vinda
                                                            se para os que são Teus
                                                            a vida continua sempre igual?

                                Converte-me, Senhor!
                                desarruma a minha vida
                                que a Tua mensagem
                                se torne carne da minha carne
                                sangue de meu sangue
                                razão de ser de minha vida

                                                           Arranca-me do comodismo
                                                           da boa consciência
                                                           
                               Que a Tua mensagem
                                seja exigente
                                incômoda
                                pois só assim
                                terei uma paz profunda
                                uma paz diferente
                                a Tua paz!...

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                                Guia a minha vida, Senhor
                                se Tu em pessoa
                                fortaleceres minha Fé
                                e me fizeres caminhar
                                em plena cerração de Curitiba
                                sem divisar meio palmo diante de mim

                                                             Mesmo que meus passos vacilem
                                                              faze com que o olhar
                                                              tranquilo
                                                              iluminado
                                                              seja testemunho vivo
                                                              de que Te levo comigo
                                                              e estou em paz

                              Desde a mais tenra idade
                              minha mãe me entregou a Ti

                                                               Já que sou teu                                                                                                                                           conduze este Teu servo
                                                              aos horizontes largos
                                                              de Teu amor

                             Ensina-me
                             a criar 
                             amplos horizontes interiores
                             preciosos
                             sobretudo se minha vida
                             se tornar
                             uma nesga de Teu Céu

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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"...E POR QUE NÃO PENSAR NA MORTE?"



          Estando para entrar no meu octogésimo ano de vida, comentei com minha mulher que esse fato me leva a pensar que dei mais um passo em direção à morte. Minha mulher me repreendeu, dizendo que sou um pessimista, um neurótico, pois pois só penso em situações ruins e destrutivas...
           Tive que defender-me, mostrando a ela que a morte pertence ao próprio conceito de vida terrestre. Esta é sempre vida mortal ou morte vital. Argumentei que, muito antes que homem e mulher tivessem emergido, na evolução, já as plantas mirravam e morriam os animais.
           Esta constatação, aliás, tem sua importância porque a Bíblia e a Teologia apresentam a morte  de homem e mulher como consequência do pecado de Adão, transmitido a todos os seus descendentes, através dos séculos e das gerações.
          O apóstolo Paulo o diz claramente:
          - "Através do pecado a morte invadiu o mundo."
          E a Igreja, desde os concílios de Orange (529)  e de Trento (1546) o relevam com igual clareza: "a morte é o preço do pecado".
          Como entender tal afirmação?
          Uma reflexão atenta sobre a sentença conciliar nos fará compreender a validade destas duas posições: uma que afirma a morte como fenômeno natural e outra que sustenta a morte como consequência do pecado.
          A teologia clássica da Igreja, seguindo Santo Agostinho, sempre ensinou que a morte é um fenômeno natural enquanto a vida biológica vai se desgastando até homem e mulher terminarem seus dias. Não podemos dizer: homem e mulher não podem morrer. Constitucionalmente, homem e mulher são seres mortais. 
          Entretanto, em virtude de sua orientação original para Deus e na sua situação matinal, o homem primitivo (Adão) estava destinado à imortalidade, podemos deduzir dos dados bíblicos. Ele podia não morrer. O famoso teólogo Karl Rahner no seu livro "Sentido Teológico da Morte" afirma que é evidente que homem e mulher teriam terminado sua vida temporal. Teriam certamente permanecidos em sua forma corporal, mas sua vida teria chegado a um ponto de consumação e plena maturidade a partir de dentro... Adão e Eva teriam tido "uma certa morte".  (Na sequência do texto, continuo desenvolvendo o ensinamento de Karl Rahner).
          Quer dizer: haveria uma cisão entre a vida terrestre e a vida celeste, entre o tempo e a eternidade. Haveria uma passagem. Haveria, então, morte. Mas essa morte estaria integrada na vida. Devido à harmonia total do homem e mulher, a morte não seria sentida como perda, nem vivida como um assalto nem sofrida como um despojamento. Seria passagem natural, como natural é a passagem da criança do seio materno para o mundo, da meninice para a idade adulta.
         Alcançada a madureza interior e esgotadas as possibilidades para homem e mulher corpo-espírito no mundo terrestre, a morte os introduziria para o mundo celeste... Adão e Eva morreriam como o "Pequeno Príncipe" de Saint-Exupéry: sem dor, sem angústia, sem solidão...
           A realidade é que a morte é consequência do pecado original, que afeta o homem e a mulher, que perderam sua harmonia com a vida. A morte, para eles, é sentida como um elemento alienador e roubador da existência. É medo, é angústia, é solidão. A morte concreta e histórica, assim como é vivida (viver a morte e morrer a vida são sinônimos) resulta do pecado. Por um lado, como termo da vida é natural. Por outro, "no modo alienador" como é sofrida, é desnatural e dramática.
          A morte implica uma derradeira solidão. Por isso homem e mulher a temem e fogem dela, pois a morte simboliza e sela uma situação de pecado que é a solidão do homem e da mulher que romperam a comunhão com Deus e com os outros.
          Contudo, a Fé cristã nos ensina que é possível integrar a morte na vida. abraçá-la com total despojamento e derradeiro ato de amor como entrega confiante a Deus, não vendo nela a ladra traiçoeira da vida, mas a irmã que liberta e introduz na casa da Vida e do Amor, que é Deus!
          
         
          

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A PROPÓSITO DA RESSURREIÇÃO FINAL



              O Apóstolo Paulo chamava o homem ressuscitado de corpo espiritual. Com isso, entendia o homem todo inteiro  -  alma/corpo  -  mas totalmente realizado e repleto de Deus.
               E eu, como chamaria ao homem ressuscitado?
            Utilizando-me de uma categoria própria da antropologia baseada no "princípio esperança", talvez pudesse dizer: "homo revelatus".
            É preciso fazer, daqui em diante, um pouco de Teologia, para o que peço ao eventual leitor certa dose de paciência: com a ressurreição, se revelou realizado o verdadeiro homem que estava crescendo dentro da situação terrestre, aquele homem que Deus realmente quis quando o colocou dentro do processo evolutivo. O homem verdadeiro, em sua radical "patência"(do Latim "pathein" =  suportar, sofrer, ser passivo),  é só o homem escatológico. Pela ressurreição o "poder ser" do homem se realiza exaustivamente: ele sai totalmente de sua latência, pois nele se revela o desígnio de Deus sobre a natureza humana, o desígnio de fazê-la participar de Sua divindade em toda a realidade dela, "corpo-espírito-aberta-para-a-totalidade". 
            O "homo revelatus"  participa da ubiquidade cósmica de Deus e de Cristo, pois possui uma presença total no mundo por Ele criado; assim nasce o homem que chamo de "homo cosmicus".
            Agora, em nossa presente condição espácio-temporal, existe o "homo revelatus", mas ainda na sua latência, porque preso às realidades deste mundo, vivendo na condição de simultaneamente justo e pecador. Somente a morte o libertará e lhe possibilitará uma penetração mais profunda no coração do mundo.
           Acredito, com meu mestre em Teologia, Leonardo Boff, que a ressurreição acontece no próprio momento da morte e, pela ressurreição NA morte,  homem e mulher participam do Cristo ressuscitado e cósmico.
           Na consumação do mundo-universo, eles mesmos, homem e mulher, se potencializarão ainda mais, porque o cosmos lhes pertencerá essencialmente.
           No termo da vida terrestre, homem e mulher deixarão atrás de si um cadáver. É como um casulo que possibilitou o emergir radiante da crisálida e da borboleta, agora não mais presa pelos limites do casulo, mas aberta ao horizonte vasto de toda a realidade.
           Neste ponto, poderá surgir a pergunta fundamental de toda a antropologia: que será do homem e da mulher? Que é que eles poderão esperar no evento da eternidade?
           Minha Fé lhes responderá, jubilosa: vida eterna do homem e da mulher- corpo- espírito em comunhão íntima com Deus, com os outros e com todo o cosmos.
           Lembro aqui o ensinamento do Concílio Vaticano II:
          - "Certamente passa a figura deste mundo, deformada pelo pecado, mas aprendemos que Deus nos prepara nova morada e nova terra. Nela habitará a Justiça, e sua felicidade irá satisfazer e superar todos os desejos da paz que brotam nos corações de homem e de mulher. Então, vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo..."
          Seria muito bom para nós tomarmos consciência das consoladoras palavras do prefácio da Santa Missa consagrada aos mortos, e que resumem toda a Teologia que fundamentou este texto:
          - "Em Cristo brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte os deixa tristes, a promessa da imortalidade consola. Ó Pai, para os que creem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, no Céu, um corpo imperecível."
          Assim seja. Amém.

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domingo, 22 de novembro de 2015

A SALVAÇÃO COMO DADO OBJETIVO

           

            Não sei se Você conhece a anedota sobre alguém que pretendia escrever uma dissertação sobre o camelo. Se ele fosse um escritor alemão, com toda certeza no seu texto distinguiria o camelo "subjetivo" e o camelo "objetivo"... Tomo a liberdade de retomar essa divisão.
             Do ponto de vista objetivo, o homem moderno é abrangido por três aspectos da "salvação": a Justiça, a Vida e o Amor, sem menosprezar a consciência da Responsabilidade, que pode determinar até mesmo o sentimento de culpabilidade pessoal.
              Do ponto de vista subjetivo, digo desde já, a noção de  "salvação", tal como pretendo deslindá-la neste texto,  implica num dom que só Deus nos pode conceder. É uma Graça, um apelo a que homem e mulher devem responder, e esta resposta se concretiza na Graça, por ela e com ela.
              Parece-me, porém, que para o homem e a mulher, modernos, qualquer aceitação é problemática, pois homem e mulher são "seres que se devem fazer", que devem agir, transformar o mundo, "criando valores".
             Antes de tudo, devem conscientizar-se de que a "Salvação" é Justiça. Neste nosso mundo, a verdade insofismável é que muitos cristãos têm até mesmo a impressão de que Deus é ineficaz quanto à salvação. A salvação deveria realizar a Justiça terrestre. E onde encontrar essa Justiça? É verdade que o Reino de Deus não é "deste"mundo, mas Ele deve começar "neste" mundo.
             Todos os que levaram a sério a Graça e o Amor de Deus -  homens e mulheres -  realizaram na Terra um começo desta Justiça, que é um dos atributos de Deus revelados pela Bíblia.
             No âmbito da Igreja, São Vicente de Paulo, Santa Catarina de Gênova, São João Bosco encontraram, cada um a seu tempo, soluções onde outros haviam desanimado. Representam, eles, a Esperança corretamente vivida.  Mas, no meu modesto entender, esta Justiça realizada pelos santos, por lhe faltar "institucionalização", não conseguiu realizar-se em plenitude, não pôde transformar para melhor as estruturas econômicas e sociais, políticas e culturais da sociedade humana.
            Lendo um livro do escritor francês François Mauriac, ali encontrei um comovente texto sobre as palavras de Cristo, - "Tive fome e Me destes de comer. Fui prisioneiro e Me visitastes. A Mim é que o fizestes." Era Cristo esse prisioneiro, esse desempregado. Através de todos os relatos piedosos, corre esta lenda do pobre que bate à porta noite a dentro, é aceito ou repelido, e é Cristo em pessoa..." 
            Mas afinal o que me interessou não foi o texto de Mauriac, mas sim a história real. Terão os homens e mulheres  deste nosso século tratado menos cruelmente a outros homens e mulheres desde o momento em que dizem ter acreditado no Verbo Encarnado, Cristo Jesus? Há homens e mulheres que massacram e queimam vivos a seus semelhantes, e cometem tais crimes em nome de crenças religiosas, invocando o nome de Deus, como fazem os terroristas islâmicos nestes nossos dias...
            Diante de tantos fatos estarrecedores que a imprensa nos traz diariamente, o homem e a mulher, testemunhas de tantas brutalidades, esperam que uma Religião bem compreendida e vivida se empenhe na busca de solução para essas calamidades que assombram a todos.
            Transformar este mundo de pecador para sagrado depende do esforço de homens e mulheres de boa vontade; é de sua responsabilidade e lhes cabe a urgente necessidade de transformá-lo.
            E eu acrescento que a verdadeira generosidade para com o futuro de nossa geração consiste em dar tudo ao nosso tempo presente.
            Se todos nós procuramos a salvação, temos que recebe-la como um "dom". Para se receber esse dom, é preciso acolhê-lo, estar disponível.
            Deus nos fala nas Escrituras. Fala-nos na Igreja. É preciso escutá-Lo e responder a Ele. É necessário crer nEle. Aprendi estudando Teologia que a Fé é um ato de obediência à Graça recebida. O "sim" do homem e da mulher é um dom gratuito de Deus.
.           Mas homem e mulher modernos, parece-me, se mantêm desconfiados diante da atitude que a salvação exige deles: "aceitar" livre, consciente e fraternalmente, o dom de Deus.
             Que não percamos tempo em discutir eventuais divergências ou lideranças; o importante para nós seja unir-nos e caminhar, firmes, para o nosso objetivo, lembrados de que o tempo corre contra nós!..


"



    
          

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

MEMORIAL DA SAUDADE


Meus mortos queridos e inesquecíveis:






                              Darcy = minha irmã:  + falecida em 23-03-1981 - 43 anos - hemorragia decorrente
                                                                  de acidente operatório em cirurgia plástica

                              Valdir = irmão: + falecido em 26-11-1982 - 43 anos - câncer na garganta
 
                              Raquel = minha filha: falecida em 21-08-2010 - 43 anos - câncer nos seios
                        
                              Júlio = meu filho: falecido em 12-09-2013 - 42 anos - suicídio





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                             Que Deus os acolha na Sua paz.




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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

UMA CONVERSA ENTRE IRMÃOS



            Em todos os recantos desta nossa querida e maltratada Terra, dentro de todas as raças, todas as línguas, todas as religiões, todas as ideologias por mais estranhas que sejam, tenho a firme certeza de que, apesar das reclamações dos pessimistas, existem ainda criaturas que nasceram para dedicar-se, para gastar-se ao serviço do próximo, dispostas a não medir sacrifícios para ajudar de verdade, e enfim a construir um mundo mais justo e mais humano para nossos filhos e netos.
            São criaturas ligadas ao meio em que se acham inseridas, mas que se sentem responsáveis pelo destino de todos com que convivem e que os consagram como irmãos e irmãs, homens e mulheres de todas as latitudes, de todos os climas, de todos os tamanhos, de todas as cores, de todos os graus de riqueza e de miséria, de todas as diferentes manifestações de cultura...
             É preciso que todos nós, independentes de quaisquer preconceitos e divergências políticas ou religiosas, tentemos juntos atingir o essencial da Mensagem a nós deixada pela nossa tradição humanista e  cristã, e que só terá êxito se for adotada como essencial para nossa vida, e traduzida nas próprias categorias e na própria linguagem  por todos e cada um dos diferentes extratos sociais, sejam eles minorias ou não, crentes ou não, mas cuja vocação é doar-se!...
             Sou um cidadão já octogenário nascido em Minas Gerais, um brasileiro, um latino-americano, um cristão católico. Não costumo forçar meu pensamento nem minha linguagem. Que cada um que me leia, ao invés de irritar-se com minhas constantes alusões a Deus (se não crê em Deus) ou a Cristo (se não é cristão), traduza, em termos do seu próprio esquema interior, um conjunto de verdades em que creio firmemente e que transformo em palavras, que não são meras criações de uma fantasia pessoal, mas realidades vividas em comum por todos quantos pertencemos à mesma família humana.
            Não pense, meu benévolo leitor e irmão que, por eu não o conhecer pessoalmente, eu o ignore como um longínquo desconhecido. Peço-lhe que vá traduzindo em "sua" linguagem o que eu vou dizendo na "minha". Onde falo em Deus, quem sabe, talvez Você o traduza por Natureza, ou Evolução, ou Acaso... Isto não é o mais importante.
            Se sente, em seu íntimo, o desejo de responder às qualidades humanas que possui, se o egoísmo lhe parece estreito e irrespirável; se experimenta fome de Verdade, de Justiça e de Amor, saiba que pode e deve caminhar comigo e com todos os que partilham da mesma convicção.
            Sem saber e, talvez sem querer, por partilhar de outra Fé diferente da minha, de frequentar outra Igreja que não a minha, Você é meu irmão ou minha irmã em Cristo. Aceite, pois, a minha fraternidade: nós nos entenderemos e poderemos caminhar juntos, se partilharmos dos mesmos sentimentos de doação e de amor ao próximo.

domingo, 15 de novembro de 2015

O SEGREDO DA ETERNA JUVENTUDE



            Estou para completar oitenta anos de idade, numa existência iniciada na então pequenina cidade de Caldas, em Minas Gerais, passando depois por Poços de Caldas, São João da Boa Vista, Ribeirão Preto, Brodosqui, Aparecida, Campinas, São Paulo, Barbosa Ferraz, e agora em Curitiba, onde espero sejam sepultados os meus cansados ossos, após findar minha peregrinação por este mundo de Deus.
           Sinto-me velho por quase um século de vida? De maneira nenhuma. Creio que o segredo de ser sempre jovem  -  mesmo quando os anos passam deixando marcas visíveis no corpo  - o segredo da perene juventude de alma é ter tido uma causa a que dedicar a vida.
             Tenho plena convicção de que cumpri a missão a mim dada por Deus. Casei-me com a mulher de meus sonhos, tive quatro filhos maravilhosos (infelizmente dois deles, a Raquel e o Júlio, já partiram para a Caso do Pai de Todos os Pais),  uma infinidade de netos, sendo que uma deles, a Isabela, órfã, de minha falecida filha Raquel, mora conosco.  Em sua radiosa adolescência, a Isabela é o consolo e a alegria de seus já avelhentados avós, a "dona Cida" e eu...
           Com vinte anos, sem sombra de rugas no rosto ou de cabelos brancos, é sempre possível, para muitos, ser um vencido na vida, um amargo pessimista, um velho...
           Quem pergunta a si mesmo, sem encontrar resposta válida, o que é afinal a vida e que motivos podem ser invocados para enfrentá-la com decisão, está com a juventude correndo sério risco...
         Quando se fala em causa a que dedicar a vida, é óbvio que é preciso distinguir entre causa e causa.
           Abraçar uma grande causa, ser-lhe fiel, sacrificar-se por ela, é tão importante como  acertar na escolha da vocação.
        Nestes meus oitenta anos de vida fui testemunha e ator de grandes causas no decorrer dos tempos que, de uma ou de outra maneira, tiveram profunda influência em meu modo de ser e de pensar
           Em Poços de Caldas, fui engraxate nas ruas da cidade, mais tarde charreteiro, alugava um belo cavalo  aos turistas do Pálace Hotel.
           Em São João da Boa Vista meu pai arrumou duas carrocinhas, adaptou-as com uma vitrine para a venda de pés-de-moleques, amendoim torrado, paçoquinhas e outros comestíveis, e ao cair da tarde meu irmão e eu as estacionávamos na maior praça da cidade, e ali ficávamos até alta noite, atendendo eventuais fregueses.
       

           - quando, em países como o Brasil, houve durante séculos a vergonha da escravidão africana e, em dado momento, rebentou o Movimento Abolicionista, é fácil entender a vibração dos jovens que corriam, alegremente,  sérios riscos, ajudando escravos a escapar para a liberdade e promovendo um grande e belo movimento de opinião pública para derrubar a estrutura da escravidão.
           Poetas, jornalistas, escritores, tribunos, sacerdotes  -  homens e mulheres, profissões diferentes - confraternizavam-se na luta sagrada de querer livres todos os filhos de Deus!
          - quando, em países como os da América Latina (no século XX), surgiu o movimento anticolonialista, no sentido de obter a independência política para todos os povos, o Mundo percebeu que seria inglório e inútil pretender manter a estrutura colonialista.
          E com isso cada país liberto conheceu os seus heróis, seus poetas, romancistas, polemistas, seus mártires, seus santos.
          Sem prejuízo de outras numerosas causas dignas de dedicação total e de sacrifícios, muitas vezes da própria vida, todos nós podemos com razão dizer que existe a causa do século: completar a libertação dos escravos sem nome e que são, hoje, dois terços da Humanidade vivendo na miséria; completar a independência política dos países da América Latina, da Ásia, da África e do Oriente Médio, que vão conquistando, a trancos e barrancos, a própria soberania, encorajando-os a obter a independência econômica, sem a qual de pouco adiantaria o próprio ingresso nos países do primeiro mundo e  na Organização das Nações Unidas..
          No meu modesto entender, o que há de apaixonante é que, desta vez, ao contrário de outros tempos idos e vividos, o esforço tem sido de todos, por todos e para todos.
          Neste sentido, faço minha a prece de Francisco de Assis, e que seja ideal de minha vida concretizá-la em todos os meus atos:

                                          Senhor, fazei de mim um instrumento de Vossa paz!
                                          Para onde houver ódio, que eu leve o amor
                                          Para onde houver ofensa, que eu leve o perdão
                                          Para onde houver discórdia, que eu leve a união
                                          Para onde houver erro, que eu leve a verdade
                                          Para onde houver dúvida, que eu leve a fé
                                          Para onde houver desespero, que eu leve a esperança
                                          Para onde houver trevas, que eu leve a luz
                                          Para onde houver tristeza, que eu leve a alegria
                                          Ó Mestre
                                          Possa eu preferir
                                          Consolar do que ser consolado
                                          Compreender do que ser compreendido
                                          Amar do que ser amado
                                          Pois eu bem sei
                                          Que é dando que se recebe
                                          É no auto-esquecimento que se pode encontrar
                                          É perdoando que se é perdoado
                                          É morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna


            Entrando no meu octogésimo ano de existência, e se nos dias de vida que me restam, a misericórdia divina me conceder a graça de realizar mesmo que seja em parte o que o poema de São Francisco de Assis propõe, creio que me considerarei plenamente recompensado e imensamente feliz!


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