- Tenho pena, Senhor, dos que têm fome, e mais pena ainda dos saciados, que morrem de fastio e de tédio... (Dom Hélder Câmara, "Um olhar sobre a cidade").
Seguindo as palavras do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, tenho pena dos que têm fome, e não consigo me acostumar a ver criaturas humanas, filhos de Deus, disputando restos de comida em depósitos de lixo, como escrevi dias atrás sobre o "Lixão do Embocoí."
E como poderei dizer, com o ilustre Arcebispo, que tenho também mais pena ainda dos saciados que morrem de fastio e de tédio?
Deus me entende! Eu me aflijo vendo uma criatura de Deus que nem sabe mais o que fazer com o dinheiro; não tem mais em que gastar, pois que já tem tudo na vida, em abundância e superfluidade. Não conseguindo, mesmo com os seus esbanjamentos faraônicos, acabar com a sua enorme fortuna.
Isso me faz pensar na precariedade dos bens deste mundo: quem sabe, hoje mesmo a morte pode chegar, e de nada valerão, do lado de lá, todos os créditos nos Bancos da Terra, todas as cadernetas de poupança, todos os talonários de cheques. Nada disto será levado para a outra vida, a não ser o resultado da própria vida que vivemos neste mundo transitório!
Tenho pena, Senhor, dos sem-casa, dos sem-abrigo, e mais pena ainda dos que estão instalados na vida, dos enraizados, que fizeram da Terra sua morada permanente...
Tenho pena dos sem-casa e sem-abrigo... Pois é tão bom, ao final do dia, terminado o trabalho, voltar para casa; ter um canto seu, parentes à espera; quem sabe um banho quente reparador, um jantar com os entes queridos!
Deve ser terrível para o morador de rua não ter um lugar seu, para onde ir, e não ficar rolando debaixo de marquises, no patamar de igrejas, nos pisos de edifícios ou debaixo de pontes, sem comida, sem família, sem agasalhos, sem banho, sem nada...
Como então tenho coragem de dizer que ainda mais me aflige encontrar pessoas instaladas, enraizadas, totalmente esquecidas de que não temos aqui morada permanente e de que, a cada instante, pode soar o sinal da partida definitiva?...
Feliz de quem guarda a lembrança de que estamos em marcha, em caminho, em peregrinação, e que, de casa mesmo, permanente, só quando chegarmos à Casa do Pai de todos os pais!
Quem vive à luz desta verdade, que haurimos nas páginas sagradas dos Evangelhos, faz tudo para que não falte a ninguém um teto mesmo humilde e um catre para repousar o corpo cansado!...
Tenho pena, Senhor, dos que Te procuram tateando nas sombras, mas tenho mais pena ainda de quem acha que se basta a si mesmo, não precisa de Ti, se crendo um super-Deus...
Tenho pena dos que procuram Deus e têm a impressão de não encontrá-Lo: tateiam nas sombras! Mas quem busca o Senhor, mesmo que tenha a impressão de não O encontrar, já tem garantido o encontro com o Criador e Pai!
Fico triste ao encontrar alguém que se diz senhor absoluto de sua vida e de seu destino, que se basta a si mesmo, se julga seguro e forte, que nem precisa de Deus.
Perdoa-lhe, Senhor: é mais fraqueza do que maldade. Tu és grande demais, Senhor, e sobretudo, dizem-nos os Evangelhos, és bom demais para desceres a mesquinharias e vinganças! Vai ao encontro deles, Senhor! Tu és pai, e és Pai de todos nós, principalmente és Pai para os que dizem que não são Teus filhos!